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‘Resgatar o Centro é o maior objetivo da Lei de Uso do Solo’, diz secretário de Urbanismo

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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Renato Barandier diz que não é verdade que nova lei vai “aumetar o gabarito na cidade toda” e fala sobre suas vantagens para Niterói
Projeto de requalificação da orla do Centro. Imagem: Divulgação
Secretário sustenta que a nova lei reduz em 30% o potencial de construção na cidade. Foto: arquivo A Seguir Niterói

O Centro de Niterói está prestes a sofrer uma transformação como nunca se viu, em nenhum outro bairro da cidade. A proposta da prefeitura, no recém-aprovado Projeto de Lei 221/2023 de Uso e Ocupação do Solo da cidade, estimula fortemente a ocupação da região,  segundo informou o secretário municipal de Urbanismo Renato Barandier. Serão doze quadras, criadas ao longo do Caminho Niemeyer, com gabarito liberado para prédios de até 24 andares.

Nesta quinta-feira (21), em entrevista ao A Seguir, por telefone, ele falou sobre o PL, que agora vai para a sanção do prefeito Axel Grael.

Leia mais: Vitórias e cascas de banana na nova lei do Zoneamento de Niterói

A aprovação foi uma vitória do governo, após quase três anos de discussões, idas e vindas de votações com tramitações paralisadas pelo Ministério Público Federal e três versões do texto.

A demora em seguir para o prefeito é a dificuldade que os técnicos da Casa Legislativa estão tendo para a elaboração e revisão do texto final da futura lei – que recebeu  63 emendas das 283 apresentadas pelos parlamentares, e inclui correção do próprio texto e detalhamentos cartográficos.

Nada que envolve o processo relacionado a esse PL foi simples. A votação, por exemplo, teve blocão de emendas de consenso, 40 emendas votadas em destaque, emendas aprovadas e rejeitadas em bloco – o que demandou muitas reuniões prévias e discussões em plenário.  Porém, segundo Barandier, o principal mérito da futura lei é justamente a simplificação, no caso, das atuais normas urbanísticas.

Na entrevista, ele nega que o PL vá “aumentar gabaritos pela cidade toda”, apesar de permitir, por exemplo, no Centro, prédios de até 24 andares. Barandier foi categórico ao afirmar que a futura lei reduz em 30% o potencial de construção da cidade.

Também negou que PL permita o aumento de gabarito em áreas ambientalmente relevantes, como observado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, durante audiência pública do PL, na Câmara.

De acordo com o secretário, além da simplificação da legislação urbanística, a futura lei vai ajudar a injetar dinheiro em um Fundo de Desenvolvimento que vai patrocinar, entre outras coisas, a construção de moradias populares. Isso porque o instrumento da outorga onerosa (uma compensação financeira pelo direito de construção) passa a valer para todo o município – uma espécie de Robin Hood da construção civil, uma vez que a previsão é que o pagamento venha, em sua maior parte, de empreendimentos destinados à população de alta renda.

O secretário informou que os dados que embasaram o projeto, desde sua primeira versão, em 2021, vieram do Plano Diretor – que por sua vez, foi feito a partir de estudos de 2010 e aprovado em 2019.

– O centro é a maior das centralidades que será fomentada pela nova lei – afirmou Barandier, que é morador de Icaraí. –  O centro da cidade é o nosso grande objetivo. Resgatar o centro é determinante para a sustentabilidade da cidade.

Entrevista com o secretário municipal de Urbanismo, Renato Barandier

Confira a entrevista

O secretário municipal de Urbanismo, Renato Barandier, falou com exclusividade para o A Seguir. Foto: arquivo Prefeitura de Niterói

Se o PL for sancionado sem vetos, qual a indicação de cidade que a nova lei dá para Niterói?

Renato Barandier: Como eu venho dizendo nesses últimos dois anos e meio, o maior legado é a simplificação das normas. A secretaria de Urbanismo recebe cerca de 14 mil processos por ano, outros 13,5 mil estão relacionados com legalização de pequenas obras. Os requerentes têm dificuldade porque, atualmente, é um emaranhado de normas, criadas desde 1950, que se sobrepõem e até se contradizem. Essa consolidação em um documento moderno vai facilitar a vida da população.

Em segundo lugar, essa lei traz uma conquista histórica que é a cobrança da outorga onerosa em todo o município.

Por que é uma conquista histórica?

RB: Atualmente, a outorga onerosa só é cobrada em construções no Centro e em Pendotiba. Nas áreas de grandes valorizações como Icaraí, Santa Rosa e Charitas, por exemplo, atividades imobiliárias já acontecem sem que haja uma contrapartida para a cidade. Com o PL, essa contrapartida terá que ser dada em atividades imobiliárias na cidade toda. O recurso que vier da outorga onerosa irá para um Fundo de Desenvolvimento que vai financiar produção de habitação de interesse social, urbanização de favelas e implantação de infraestrutura na cidade. Essa captura da Mais-Valia urbana torna a nova Lei de Uso e Ocupação do Solo de Niterói uma das mais progressistas do país.

Qual a estimativa de arrecadação para o Fundo de Desenvolvimento?

RB: Não dá para fazer essa estimativa porque depende da produção imobiliária. A título de exemplo, somente no Centro, nessa área das novas 12 quadras urbanizadas no Caminho Niemeyer, o município vai arrecadar R$ 70 milhões em dez anos. É uma quantia muito razoável.

Onde o atual PL prevê a construção de habitação de interesse social a ser feita a partir dessa injeção de verba da outorga onerosa?

RB: Pode construir em todas as zonas urbanas, menos em áreas demarcadas como de proteção ou conservação ambiental ou preservação de ambiente cultural.

Em uma das últimas audiências públicas, na Câmara Municipal antes da votação do Projeto de Lei, o representante do Ministério Público do Rio de Janeiro afirmou que o PL prevê aumento de gabarito em áreas ambientalmente relevantes. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

RB: Tenho a dizer que o PL já foi para a Câmara com várias reduções de gabarito, nessas áreas como, por exemplo, a proibição de construção de prédios nas proximidades do rio João Mendes. O PL ampliou em 330 mil metros quadrados a proteção da faixa marginal de proteção da Lagoa de Itaipu. Também protege a Lagoa de Piratininga via Arcúcio Torres, onde, pelo atual Plano Urbanístico (PUR) da Região Oceância, podia haver construção. Além disso, a lei aumenta a quantidade de Zepacs (Zona Especial de Proteção do Ambiente Cultural), na cidade.

Quais são as novas Zepacs?

RB: No canto de Itaipu, no entorno do Parque das Águas e em todo o bairro do Pé Pequeno. O PL também traz uma nova relação entre o lote privado e a rua.

Pode por favor explicar melhor essa relação?

RB: O PL traz parâmetros que melhoram a relação do lote com a rua como a fachada ativa, as calçadas e fachadas verdes. Esses parâmetros vão ajudar a melhorar a qualidade das ruas com o que chamamos de gentilezas urbanas. As edificações passam a aparecer para a cidade porque vai evitar o muro cego fechando o lote. Isso terá impacto na vitalidade urbana, aumentando, inclusive, a sensação de segurança e a qualidade ambiental da cidade. Além disso, o PL aumenta o número de vagas para bicicletas porque todas as edificações terão que oferecer esse tipo de vaga nas suas garagens.

O senhor falou que o PL aumenta áreas de proteção ambiental, mas, durante a votação, várias emendas que tentaram preservar a frente marítima de Camboinhas foram rejeitadas graças à maioria dos votos da base do governo. Por que se essa região inclui área de sambaquis que ajudam a contar sobre a origem de Niterói?

Área onde sambaquis foram encontrados por arqueólogos, em Camboinhas. Foto: arquivo A Seguir Niterói

RB: Em comparação com o PUR da Região Oceânica, o PL passou a proteger dois terços da frente marítima de Camboinhas, inclusive na parte da duna. Pelo PUR, havia previsão de construção ali de até 6 pavimentos. Agora, mais de 60% dessa área está sendo protegida pela nova lei. É bom lembrar que a lei não é um cheque em branco, não é uma licença de construção. Tudo terá que passar, antes, pelo licenciamento ambiental.

Pode explicar melhor, por favor

RB: Quem quiser construir naquela área terá que passar pelo licenciamento ambiental. Se houver algo a ser preservado, o Iphan vai se manifestar. Não compete à prefeitura fazer essa proteção. Se tiver sambaqui, se tiver alguma restrição, o Iphan se manifesta, a licença não é concedida e não há construção.

No mesmo dia em que fazemos esta entrevista, a Prefeitura de Niterói organizou uma audiência pública para saber se a população quer que o Morro da Pedreira, em Icaraí, se torne área de proteção ambiental. A proteção dessa área já não poderia ter sido incluída no PL?

RB: Essa é uma ótima oportunidade para esclarecer esse ponto. Uma Lei de Uso e Ocupação do Solo não resolve todos os problemas. A criação de um parque natural, como o que se deseja fazer no Morro da Pedreira, não pode ser feita por lei urbanística. Depende de uma discussão específica e uma legislação específica que pode ser um PL ou um decreto.

A Prefeitura já teve planos de passar um túnel pelo Morro da Pedreira. Esse projeto, então, não existe mais?

RB: Lembro que o túnel Charitas-Cafubá passa pelo Morro do Preventório. Mas não há intenção de fazer um túnel na Pedreira, o foco é a proteção ambiental.

Durante todo o tempo em que o PL foi debatido, os críticos ao projeto alertaram que a nova lei aumentaria o gabarito em toda a cidade, causando mais impacto no trânsito e no fornecimento de serviços como água e luz. Como encara essas críticas?

RB: Isso foi uma irresponsabilidade da oposição que divulgou o PL como se fosse uma lei do gabarito. O PL reduziu vários gabaritos como, por exemplo, na pedreira, em Charitas. Porém, mais importante do que o gabarito é a redução de 30% do potencial de construção que o PL garante para cidade, em vários pontos. Significa que a taxa de ocupação dos espaços foi reduzida, em toda a cidade. Isso é mais importante do que a simples redução do gabarito. Que o PL também fez. Outro exemplo: no Morro do Gragoatá, o gabarito foi reduzido de 6 para 4 pavimentos.

Mas o Morro do Gragoatá não é uma área de preservação ambiental? Não deveria ficar sem autorização de construção?

RB: O Morro do Gragoatá é uma APA (área de proteção ambiental), mas a lei anterior delimitou onde poderia haver construção de 6 pavimentos e a nova lei reduziu para 4. A UFF (Universidade Federal Fluminense) tem total interesse em construir ali um laboratório do clima e um centro de pesquisa. Mesmo sendo a UFF, a lei tem que autorizar a construção. Com as restrições da lei, a APA tem um trecho pequeno onde será permitida construção. A lei amplia a proteção ambiental da cidade como um todo. Atualmente, 95% da cidade é protegida. Quando o texto final da lei estiver pronto, com certeza, esse número será maior.

Na última audiência pública do Executivo, antes do PL voltar para a Câmara dos Vereadores, foi informado que o texto iria transformar o Caio Martins em parque urbano. Isso foi, de fato, feito?

RB: Sim.

Há planos de duas ruas virem a cortar o Caio Martins. Isso pode ser feito mesmo o local sendo um parque urbano?

RB: A nossa lei, que é municipal, assegura o uso do Caio Martins como parque urbano. Porém, o Caio Martins pertence ao estado. O tipo de parque, o que será feito, é uma decisão do governo do estado. Por exemplo, se o governo do estado quiser construir um shopping ali, nossa lei assegura que não poderá fazer. Essa questão que envolve as ruas, é uma discussão que a cidade está cobrando do estado. O Caio Martins tem um grande retorno para a cidade. E ele é cercado por um muro que separa uma área nobre da cidade e cria sensação de insegurança. Tudo isso é uma discussão que tem que ser retomada com o governo do estado. Vemos pessoas que não querem que nada seja feito no Caio Martins. Isso não é preservar, é abandonar. Preservar é dar uso sustentável, digno para um lugar.

Quais estudos foram usados pela prefeitura para se chegar a um diagnóstico sobre a cidade para a elaboração da primeira e demais versões do pl?

RB: O Plano Diretor embasou essa lei. O Plano Diretor, que é de 2019, inclusive, criou a obrigação do Executivo mudar a lei de uso e ocupação do solo em um prazo de um ano. Então, a lei urbanística é uma regulamentação do Plano Diretor, no que diz respeito ao uso e ocupação do solo. E o Plano Diretor é o grande contrato social da cidade. E foi a primeira vez que se enfrentou o desafio de fazer essa revisão.

Em relação ao bairro onde o senhor mora (que eu não sei qual é), que benefícios a nova lei traz?

RB: Eu moro em Icaraí e acho que o maior benefício está relacionado com a outorga onerosa. Porque eu vejo prédios de luxo sendo construídos para o público de alta renda. Agora, esses edifícios vão ajudar a construir para o público de baixa renda.

E como ficou o gabarito em Icaraí?

RB: Ficou mantido o que já estava, sendo que em um ou outro lugar houve redução de 1 pavimento. Cada área do bairro tem parâmetros próprios.

Qual a principal área de centralidade que a nova lei tende a estimular o crescimento?

RB: O centro da cidade. Que é o nosso grande objetivo. Resgatar o centro é determinante para a sustentabilidade da cidade. Vai resolver, por exemplo, a gênese do engarrafamento. Porque, hoje, há o grande deslocamento para as barcas pela manhã e o retorno para as casas à noite. Resgatar o centro é resgatar a própria cidade, o comércio tradicional; vai aproximar as pessoas de locais de trabalho, lazer e estudo. Vai fazer a moradia ser mais inclusiva. São oportunidades que serão democratizadas, agora. O centro é a maior das centralidades que será fomentada pela nova lei.

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