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Há mais de um ano, arquitetos, urbanistas e ambientalistas da cidade criaram um grupo com um único objetivo: estudar artigo por artigo da proposta do Executivo para atualizar a Lei de Uso e Ocupação do Solo, mais conhecida como Lei Urbanística de Niterói.
Desde que a primeira versão do PL 416/2021 chegou à Câmara Municipal para votação, esses profissionais avisam: se for aprovada, a nova lei será um “liberou geral” para construções, em todos os cantos da cidade, com autorização para a construção de prédios de 12 a 20 andares em diversos bairros da cidade, como o Centro e Charitas, por exemplo. Não atoa, a proposta ficou conhecida como PL do Gabarito.
Naquela época, o governo tinha certeza que o PL seria aprovado sem maiores problemas, simplesmente, por ter maioria, na Casa Legislativa. Não contava, porém, com uma “meia trava” dada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
Foi quando o processo recomeçou, tornado PL 161/2022, que o grupo foi criado. Não teve um comando único ou uma liderança. Eram apenas pessoas que queriam defender a cidade e, para isso, necessitavam ter todo embasamento teórico possível para debater (ou rebater) as propostas do Executivo. No grupo, a troca de informações é frenética.
Desde então, seus integrantes participam de absolutamente todas as discussões, oficinas, audiências públicas para apontar o que consideram ser os “absurdos urbanísticos” do Projeto de Lei. Aliás, essa segunda versão também foi barrada pelo MPRJ e o que se discute agora, atende pelo nome de PL 221/2023.
Ao todo, 59 pessoas fazem parte desse grupo de estudos do PL do Gabarito. A Seguir reuniu três deles, para fazer um balanço desse trabalho:
Augusto Cesar Alves – arquiteto e urbanista, integrante do Conselho Consultivo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) RJ – Leste Metropolitano.
Cynthia Gorham – arquiteta e urbanista, representante do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) no Conselho Municipal de Política Urbana de Niterói (COMPUR) e assessora parlamentar no mandato do vereador Paulo Eduardo Gomes (Psol).
Regina Bienenstein – arquiteta e urbanista, Coordenadora do Núcleo de Estudos de Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense, professora titular do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF e eleita arquiteta do ano em 2021 pela Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas.
Eles admitem que as vitórias são poucas. Mas vai perguntar se eles se sentem desanimados:
– Realisticamente falando, sabemos que é uma batalha quase que perdida. Mas a gente não vai desistir, disse Augusto Cesar Alves, no que Regina Bienenstein emendou:
– Porque a gente acredita que pode ser melhor.
Ao que Cynthia Gorham completou:
– Se jogar fora e começar tudo outra vez.
No meio da conversa, Regina não resistiu a uma brincadeira. Quando foi dito que todo arquiteto formado pela UFF, “nos últimos muitos anos”, foi seu aluno, ela lembrou que um deles foi Fabrício Arriaga, Subsecretário de Urbanismo de Niterói, que atualmente também participa do processo de aprovação do PL do Gabarito.
– Ele foi um bom aluno, mas esqueceu muita coisa que aprendeu – disse ela fazendo questão de informar, em tom mezzo de brincadeira, mezzo sério, que o secretário de Urbanismo, Renato Barandier, não foi seu aluno.
Leia mais: Niterói, 450 anos: uma cidade que sonha ser moderna e não respeita sua história, diz urbanista
Como começou essa “metodologia” de destrinchar todos os artigos do PL em grupo?
Cynthia – Juntamos algumas pessoas, inicialmente, para estudar o PL. E o grupo foi aumentando. O objetivo era profissionais trocarem ideia e também esclarecer pessoas que não sabiam o que significam muita coisas por conta da linguagem técnica.
Regina – Até para a gente poder conhecer e discutir com conteúdo e não só na base da opinião. O núcleo desse grupo acompanha tudo o que se faz na cidade não é de hoje.
Augusto Cesar – Sim, não é de hoje que esse grupo acompanha as discussões da cidade. Falo por mim até como instituição que é o IAB-Leste Metropolitano que, tradicionalmente, sempre teve uma participação muito efetiva nesses processos de discussão. Desde 2005, por exemplo, discutimos a criação do Conselho de Política Urbana. O IAB já entrou com ação popular contra uma construtora e contra a Prefeitura porque estavam descaracterizando a Pedra de Itapuca, em Icaraí, com a construção de um edifício. Também defendemos o tombamento do cinema Ícaraí. São discussões que temos na cidade. Sem falar nos PLs e nos Planos Urbanísticos (PURs). A gente entende que a cidade não pode ser pensada só sob a lógica do interesse do capital imobiliário, da indústria imobiliária da cidade. A cidade tem outros interesses. E a gente já perdeu a luta porque a gente sabe muito bem que eles é que bancam as eleições, compram os vereadores para votar e isso é uma prática recorrente na cidade. Basta olhar o PUR votado em 2002, de Praia da Baia e depois da Região Ooceânica.
O que houve nessa época ?
Augusto Cesar – Houve uma mobilização social bastante importante e o que fez o presidente da Câmara, que era o Comte Bittencourt? Mandou fechar a Câmara.
Regina – Na hora da votação, nós ficamos do lado de fora. Com a polícia tomando conta da gente.
Augusto Cesar – O movimento popular não pode nem entrar e eles votaram com a Câmara fechada.
Cynthia – Saíram três vereadores e ofereceram três lugares para a gente entrar. Não aceitamos.
Augusto Cesar – Essa é a legislação de uso do solo que está em vigor até hoje, que não tem nada de espraiamento. É altamente concentradora. Onde essa legislação permitiu que se concentre? Em Icaraí, Santa Rosa, Vital Brazil, Charitas, São Francisco e Piratininga. A cidade não está espraiada como eles dizem. Eles tentam usar esse argumento de criar adensamento em algumas centralidades.
Regina – É um espraiamento adensado, mas continua espraiado.
A Secretaria municipal de Urbanismo fala sempre que o PL defende a criação de centralidades, para evitar grandes deslocamentos das pessoas, no dia-a-dia, como que acontece hoje porque a cidade cresceu espalhada. É isso?
Cynthia – Essa questão da centralidade que eles defendem tem contradições, inerentes ao próprio projeto. Em defesa do PL, fala-se que vai combater o espraiamento – que aconteceu na década de 70, quando foi uma galera para Pendotiba e Região Oceânica. Então, o PL defende a criação de centralidades. Vende a ideia que a pessoa vai poder ir caminhando para comprar pão. Mas, ao mesmo tempo que fala isso, cria regiões de uso multifamiliar em beira de rodovia, o que é a total contradição com a centralidade. Ninguém vai caminhando para comprar pão na beira de uma rodovia. Estou falando dos planos para a beirada das Rodovias 104 ( RJ-104, Niterói-Manilha) e 106 (RJ-106, Rodovia Amaral Peixoto, que liga a RJ-104,a São Gonçalo). Qualquer coisa que alguém quiser fazer vai precisar pegar o carro porque em beira de rodovia não tem centralidade. A proposta é contraditória por princípio. É importante ressaltar outras coisas importantes.
Que coisas?
Cynthia – O estudo para o Plano Diretor de 2014, 2015, da Fundação Getúlio Vargas, já dizia que tinha uma curva descendente que é a demografia de Niterói . Ou seja, a população, o crescimento vegetativo da cidade é negativo. A população de Niterói, se você não fizer nada nela, não está crescendo, pelo contrário. O que fazer? Ou você vai achar que é importante ter crescimento (eu questiono muito o crescimento) ou vai achar que é importante dar condições, infraestrutura para a população que já reside. Eu não posso pensar que a proposta desse PL é trazer uma nova população para uma cidade que não tem saneamento, drenagem e mobilidade. Como vai trazer mais gente para um caos? Se está adensando uma população que não cresce é porque está trazendo gente. Na prática, o que o projeto de lei faz: onde tem um vazio, vai e busca uma oportunidade de construção.
Voltando para a mobilização de 2002, parece que hoje isso não aconteceria de novo. Parece que ninguém se interessa em discutir o futuro da cidade. Não há mais mobilização popular em Niterói?
Cynthia – Uma mobilização forte, atualmente, é do pessoal do Lagoa Para Sempre, que se ocupa de uma região específica da cidade que é a Região Oceânica.
Augusto Cesar – O movimento social que existia naquela época foi quase que integralmente cooptado. As lideranças foram cooptadas pela administração municipal. E essas pessoas estão aí até hoje e votam contra os interesses delas mesmas.
Cynthia – Em uma reunião do COMPUR, eu já fui confrontada por uma liderança. Eu estava fazendo a defesa de uma área popular e ele veio dizer que eu não o representava porque eu não vivia lá, que eles é que sabiam das necessidades prementes e da hora. É verdade. Eu estou na minha casa, moro de aluguel, mas estou na minha casa. A gente tem uma preocupação com a cidade no longo prazo e eles estão com fome, hoje. Então, é óbvio que eles são compráveis com facilidade com um salário pago pela prefeitura. Esse é um grande problema.
Nos debates, escuto sempre falarem que vários pontos do PL vão de encontro ao Plano Diretor. Se já tem um PD, uma diretriz, por que tantas dúvidas?
Regina – Aprovamos o Plano Diretor, que é a lei maior, como se fosse a Constituição em termos urbanos do que vai se fazer para a cidade. Depois, tem uma porção de planos que devem ser implantados: de mobilidade, saneamento, habitação e uso e ocupação do solo que é o que está sendo discutido para ser votado. Mas para ter um plano de ocupação do solo, deveria ter, antes, os outros – mobilidade, saneamento, habitação, que mandam sinalizações para como deve ser a ocupação do solo. Quando fala de saneamento, não é só extensão de rede e abastecimento. É preciso saber se a água chega no local.
Augusto Cesar – E também a capacidade de atendimento futura. Se aumenta a população, vai ter mais gente lançando esgoto e consumindo água e energia elétrica.
Regina – Ainda tem uma outra questão. O Plano Diretor foi feito com dados de 2010. Que não retratava a cidade em 2019. Esse plano começou a ser discutido em 2014 e foi aprovado em 2019. Quando se faz um Plano Diretor, se atualizam dados. Não pode se basear em dados passados.
Essa lei então está sendo feita sem diagnóstico?
Cynthia – Sim.
Regina – E sem ter plano de mobilidade, apesar deles dizerem que tem.
Cynthia – O TCE (Tribunal de Contas do Estado) já disse que Niterói não tem plano de mobilidade.
Regina – No caso da mobilidade, tem coisas pontuais. Acontece que coisas pontuais não caracterizam um plano. Plano tem que articular, ver a cidade como um todo. Isso eu falo nas aulas de graduação de Arquitetura: não se resolve problema de mobilidade sério, em Niterói, olhando só pedacinhos. Ou só uma forma de mobilidade. Agora eles querem que todos andem de bicicleta. As madames de Icaraí vão ao shopping e vão sair com suas sacolas de bicicleta pela Marquês do Paraná?
Cynthia – E isso tem que ter também uma articulação metropolitana porque é preciso ver que Niterói tem uma situação específica, que é a ligação com o Rio de Janeiro. E para Maricá e São Gonçalo chegarem do Rio de Janeiro, passam por Niterói.
Será que interessa ter esse plano de mobilidade?
Augusto Cesar – As coisas interessam para quem dá as cartas na cidade. Quais são os dois pés principais de sustentação, os dois grandes grupos de empresários? Transporte e construção.
Mas com Niterói intransitável, a cidade não fica tão atraente. Vão matar a galinha dos ovos de ouro?
Regina – Esgotou aqui, o capital imobiliário se desloca. Simples para eles. Foram para a baixada litorânea e arrasaram com as cidades. Os prefeitos que aprovaram os projetos porque achavam que ia entrar dinheiro com novos IPTUs, agora, estão com um pepino na mão.
Cynthia – As pessoas que se elegem têm uma perspectiva de poder muito curta. Então, tem que se locupletar, se dar bem, se eleger, mas não existe uma intenção efetiva de bem comum.
Que balanço vocês fazem desse trabalho? Se sentem pessimista ou otimista em relação ao que pode acontecer em 2024?
Augusto Cesar – Animado nunca vou deixar de estar. Eu acho que isso está no ideal de cada um de nós. Realisticamente falando, sabemos que é uma batalha quase que perdida. Mas a gente não vai desistir.
Por que?
Augusto Cesar – Porque a gente acredita que pode ser melhor.
A cidade tem salvação?
Augusto Cesar – Claro!
Regina – Niterói tem um porte, tem desafios que são grandes mas não são intransponíveis. Ainda não são. Eu estou nisso há 40 anos, no mínimo. E não tenho que desistir. Aprendi na época da ditadura que você deve ocupar todos os espaços, por menores que sejam. Por isso que eu vou a quase todas as audiências públicas e fico lá me esgoelando. Continuo no COMPUR. Vou para lá sabendo que vou perder, mas vou para falar e mostrar que existe uma outra visão na cidade que não se manifesta tanto hoje, mas está latente. A hora que cessar a mesada, que as lideranças recebem… Essas lideranças podem voltar a ser o que foram na década de 70, 80, 90, um movimento popular potente, lutando pela terra e pelo direito à habitação.
O que esperar da votação prevista para 2024?
Regina – Ganhos pequenos. A gente ainda não conseguiu derrubar uma aberração que é a Zona de Centralidade de Zeis.
Traduzindo, o que é isso?
Cynthia – É deixar verticalizar no perímetro de uma favela.
Regina – O que é uma favela? Uma ocupação informal. Sem política pública voltada para essa população. Aumentar gabarito ao longo dos eixos com a favela envolvendo a região, é sinalização para o mercado imobiliário. Onde fizeram isso? Nas áreas valorizadas como a beira de lagoa de Piratininga, por exemplo. Já esteve no Cantagalo, mas isso foi tirado (uma vitória). Mas na Lara Vilela não tiraram. Lá está com permissão de 8 a 10 pavimentos. Será que é para esconder o morro que tem atrás? Não. É para expulsar.
Como assim expulsar?
Regina – Vai comendo pelas beiradas. O capital imobiliário pega a parte da frente e regulariza e vai comprando posses. As pessoas vendem porque nunca viram tanto dinheiro. Em situação de precariedade, acham que vão resolver a vida. E onde vão morar? Em São Gonçalo, Itaboraí?
Cynthia – O melhor exemplo é a beira da lagoa de Piratininga. A faixa marginal de proteção é onde querem fazer o ZC-ZEIS (zona de centralidade em zeis). Ali estão fazendo o Parque Orla. Construíram jardins filtrantes. Eles valorizaram a área, ficou lindo, as pessoas estão usando, os jacarés até têm nomes. Estão enobrecendo, tornando bonito uma área e tornando ZC-ZEIS mais 8, ou seja, permitindo a construção de prédio de 10, 11 andares dentro da favela, que por sua vez, é dentro da faixa marginal de proteção, que quem legisla é o INEA. Eles justificam dizendo que a área já está consolidada.
Essa é uma área que estudos da UFF já alertaram que estão vulneráveis à elevação de marés com as mudanças climáticas.
Cynthia – Ainda tem esse pequeno detalhe.
Augusto Cesar – O que acontece? Fazem a regularização fundiária na comunidade da ciclovia. Isso significa dar um título de propriedade para as pessoas que podem vender para qualquer um. E o mercado imobiliário só se interessa por isso.
Regina – No PL, eles se recusam a marcar todas as favelas como Zeis (Zonas Especiais de Interesse Social). Porque isso amarra e protege a área ao delimitar apenas para construção de interesse social. E não querem isso. Se reconhece como Zeis, o poder público tem que atuar regularizando, urbanizando etc. A Secretaria de Urbanismo repete sempre o seguinte: “quando o morador da região diz que não quer que verticalize, só está pensando nele”. Mas quando se planeja uma cidade, o objetivo não é transformar a cidade, é melhorar as condições de vida dos moradores. Tem que observar como a cidade é. É o tal diagnóstico.
Cynthia – Na prática, está sendo olhado onde tem brecha para colocar mais prédios.
Regina – Por exemplo, quem morava em Icaraí e foi para a Região Oceânica. Essa mudança buscava uma melhora na qualidade de vida em uma região com meio ambiente ainda preservado e se mudaram para casas. Agora vem o PL e diz que ali tem que ser prédios. A população não tem o direito de dizer o que quer da cidade? A cidade não pode ser diversa? Tem que ser tudo igual? Tudo prédio? E o discurso para justificar é rotular que está errado. Não considera, inclusive, a crise hídrica daquela região. O Plano Diretor já avisava que a água daquela área duraria cinco anos. Vai começar a faltar água. Só que nas áreas de alta renda tem bomba, reservatório. Quem vai sentir a falta de água? A população mais favelizada. E Niterói tem quase 40% da população nas favelas, ocupações, em situação de rua. O PL desconhece as ocupações.
Augusto Cesar – Esse PL não olha para essa parcela da população.
Cynthia – Eles justificam o plano também dizendo que haverá liberação da outorga onerosa (uma contrapartida financeira pelo direito de construção) pela cidade: diz que vai permitir mais construções e a taxa (outorga onerosa) vai para o Fundo de Habitação para construção de habitação de interesse social. Nem aposto que o dinheiro não vai para lá. Mas vai construir essa habitação de interesse social onde? Onde o PL reserva áreas vazias para isso? Não reserva. Efetivamente, não existe uma previsão física no mapa de ocupar com esse tipo de construção.
Regina – Se não definir as áreas, vai se ficar a mercê do mercado. Também não reservam espaço para a construção de escolas nem equipamentos de saúde. Significa que, na hora que o poder público quiser agir, vai ter que desapropriar, ou seja, vai pagar mais caro.
Augusto Cesar – Política habitacional não é necessariamente construir novas unidades. Pode-se urbanizar algumas áreas. Capim Melado, Cocada e Vila Ipiranga são sempre os locais citados pelo governo como exemplo de urbanização. Maricá criou projeto de melhoria habitacional para 1.500 casas, em áreas já urbanizadas, por exemplo.
Cynthia – Acho curioso que, olhando o mapa do PL, existe uma questão semiótica.
Como assim?
Cynthia – Você abre o mapa e, como está, o que se você vê é que tudo é vendável. Tudo é construível. O mapa não indica, por exemplo, que em determinada localidade que existe uma igreja da Porciúncula e não pode colocar 15 pavimentos em cima dela. Que tem um corpo de bombeiros, que não vai colocar 21 pavimentos ali. Não mostra os hospitais e escolas. Tem que ter esse registro. Qual é a capacidade de absorção dessa população que poderá vir a ser aumentada? A saúde é deficitária. A educação é deficitária, tanto que tem o programa Escola Parceira para suprir vagas da rede pública em escolas particulares. Se está construindo para a classe média, essa classe média vai querer ir para a escola particular, nessa área de centralidade.
Até agora, o que consideram a principal vitória, em relação ao PL original?
Cynthia – A retirada da ZC-Zeis no Cantagalo. Teve reduções de gabarito nas ZRA (Zona de Recuperação Ambiental) do Morro do Gragoatá e Lagoa de Itaipu, mas não atendem, não são suficientes. Talvez o próprio adiamento da votação possa ser considerada uma vitória.
Augusto Cesar – O adiamento da votação e o prolongamento da discussão com alguns segmentos da sociedade.
E a Cantareira (O prédio foi desapropriado pela Prefeitura para virar sede de um futuro Distrito de Economia Criativa)?
Cynthia – Baixar um pouquinho o gabarito na Cantareira não preserva. O PL permite a construção no entorno e não existe a palavra Cantareira no texto.
Como chegam ao final de 2023 e qual a perspectiva para 2024?
Augusto Cesar – Perspectiva de muita luta.
Regina – De muita disposição para muita luta.
Augusto Cesar – Não vamos desistir nunca.
Cynthia – A gente desanima, mas não desiste.
De onde sai tanta disposição?
A – A gente sabe que é uma luta difícil e desigual. Até porque a desigualdade está no poder econômico. Quem dá as cartas é o capital que tem condições de mobilizar, comprar, de fazer, de calar a boca das lideranças. E a gente tem a capacidade, com o conhecimento, de mostrar que isso não é a única verdade. A verdade não reside em falácias ou afirmações que eles tentam criar como uma cortina de fumaça com essa história de centralidade, que tem que evitar a cidade espraiada para evitar deslocamentos. Isso é apenas para atender os interesses do mercado imobiliário, já que não há uma solução para o deslocamento, se a cidade não tem infraestrutura adequada.
Se dependesse unicamente de vocês, como seria?
Todos – Fazer outro PL!
Regina – Porque o princípio que gera a proposta está errado.
Qual é o princípio?
Regina – Favorecer os negócios a partir de hoje. Os direitos da população, a cidade para a população fica em segundo plano.
Augusto Cesar – A qualidade de vida para as pessoas que vão consumir a mercadoria que está sendo ofertada também está comprometida. Charitas, por exemplo, foi adensado com o último plano que entrou em vigor em 2002. Piratininga, por exemplo, fim de semana de sol, só tem uma entrada e saída, ninguém anda porque não tem um plano de mobilidade para a cidade.
Cynthia – Existem algumas esperanças graças a tudo o que o Ministério Público do Rio de Janeiro conseguiu fazer até agora.
Augusto Cesar – Porque as lideranças estão comprometidas pela necessidade de sobrevivência.
Regina – A gente não coloca em cima da liderança cooptada a culpa, vamos dizer assim. A culpa é do sistema adotado pelo Executivo de calar essas pessoas, que já foram muito fortes.
A secretaria de Urbanismo também diz que o PL vai simplificar a lei urbanística. O que dizem sobre isso?
Augusto Cesar – É a tal cortina de fumaça. Simplificar a lei, combater o espraiamento urbano para melhoria da qualidade de vida, instalar a outorga onerosa em toda a cidade para gerar caixa para o fundo… todas essas falácias jogam cortina de fumaça nos reais interesses.
Vocês já sabem de cor e salteado cada linha do PL, né?
Cynthia – Não, tem de muitos detalhes.
Regina – Cada vez a gente descobre mais uma coisa. Para você vê como não é simples.
Então é jogar tudo no lixo, começar de novo e feliz ano novo?
Cynhia – Começar tudo de novo a partir de um diagnóstico atualizado.
Regina – Com divulgação correta. Na época das oficinas. Os comunicados da Prefeitura falavam em oficina da lei de uso e ocupação do solo. Quem vai saber o que é isso? Tinha que ter uma campanha maciça sobre a importância do PL, do que se trata para chamar a atenção das pessoas. Mas não há interesse porque vai criar reações que eles não querem. O processo de participação que foi reiniciado foi bom porque deu mais tempo para a gente, mas, não mudou nada. Primeiro, as pessoas quando chegavam nas oficinas não sabiam do que se tratava e, depois, eles não aceitam as propostas apresentadas pelos participantes, simples assim.
Esse processo foi mais para mostrar para a Justiça que estava sendo cumprida a tabela do campeonato?
Cynthia – Exatamente. Porque o cliente é o mercado imobiliário, o setor de transporte e não a população que eventualmente aparece nas discussões.
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