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Dois dias depois da suspensão do fornecimento de água, por causa da descoberta de contaminação do manancial de abastecimento da cidade, e ainda sem previsão de normalização do serviço, Niterói começa a viver o desabastecimento, à medida que as caixas d’água de casas, prédios e comércios começam a esvaziar.
Há registros de prédios totalmente sem água em Icaraí, falta de água na Região Oceânica, escolas fechadas, carros-pipa abastecendo hospitais e corrida de moradores aos supermercados para garantir fardos de água mineral.
Embora o governo do estado do Rio tenha anunciado ontem (quinta-feira, 4) a descoberta do local do vazamento de tolueno que contaminava a água, os níveis do produto tóxico no manancial não permitem a retomada do fornecimento. Tanto a Cedae quanto a concessionária Águas de Niterói ainda não têm previsão para a retomada do fornecimento enquanto a coleta de amostras não indicar que a água está livre de contaminação.
O problema se torna ainda mais grave porque, depois de liberada, a retomada do abastecimento não será automática, podendo levar de 12 a 24 horas.
Caminhão-pipa
Pelas regras do livre mercado, enquanto uns choram, outros faturam vendendo lenços. Em Niterói, quem recorreu à compra de caminhão-pipa para resolver, mesmo que por pouco tempo, a falta de água, se deparou com aumento de preço de mais de 500%.
Em Itacoatiara, por exemplo, vários prédios já estão sem água. Na região, quem costumava pagar R$ 200 por um caminhão-pipa, foi informado, nesta sexta-feira (6), que o preço passou para R$ 1 mil. E ainda assim, quem estivesse disposto a encarar o valor inflacionado, teria dificuldade para conseguir um, diante da grande demanda.
Presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) do Leste Fluminense RJ, Sandro Pietrobelli informou que estabelecimentos que costumavam pagar R$ 300 para contratar caminhão-pipa tiveram que desembolsar cerca de R$ 2 mil. Segundo ele, diante do quadro, alguns empresários estão preferindo fechar as portas e aguardar normalizar o fornecimento de água.
Com a farra dos preços dos caminhões-pipa, o Procon-RJ informou que vai monitorar a situação e que, se constatar prática abusiva de preços, entrará com processos administrativos contra as empresas:
– A política de preços no Brasil é livre, mas o aumento abusivo é uma prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor. Quando o fornecedor eleva os preços dos produtos sem justificativa, especialmente em situações de emergência ou de estado de calamidade pública, pode ter o objetivo oportunista de tirar vantagem dos consumidores, o que a lei caracteriza como conduta abusiva. Se o fornecedor se aproveita de uma situação premente e emergencial para aumentar abusivamente os preços de produtos essenciais, como por exemplo da água, deve ser responsabilizado – informou o presidente do Procon-RJ, Cássio Coelho.
Ele aproveitou para orientar os consumidores para que fiquem atentos ao adquirir água mineral e contratar serviços de caminhão-pipa, verificando sempre a procedência. Além disso, a embalagem de água mineral deve estar intacta, lacrada, sem amassados, furos ou outros danos, e conter o selo da ANVISA.
– As empresas que comercializam água potável por carro-pipa precisam seguir rigorosos padrões de qualidade, higiene e segurança, segundo legislação sanitária, para evitar contaminação. Além disso, cada carro deve portar um registro de origem, destino e qualidade do produto que está transportando, com o volume, data e local da captação – explicou.
Supermercado
No Mundial do bairro do Vital Brazil, o limite é de cinco fardos de seis litros, cada, ou um galão de dez litros. Um fiscal de patrimônio do supermercado, que preferiu não se identificar, contou ao A Seguir que a medida foi tomada porque clientes quase brigaram, dentro do estabelecimento, na noite de quinta-feira (4).
Segundo ele, uma única pessoa passou a encher vários carrinhos com os fardos de água e outros consumidores começaram a reclamar. Em segundos, o bate-boca ficou generalizado, obrigando a intervenção de funcionários.
O fiscal contou que na madrugada de sexta-feira, o estoque de água mineral foi reforçado com a chegada de seis caminhões repletos de fardos do produto. Na manhã de sexta-feira (5), o movimento foi acima do normal, para o horário, com a maioria das pessoas levando apenas fardos de água nos carrinhos.
Na tarde desta sexta-feira (5), o movimento de reposição de garrafas de água, nas prateleiras, era tão grande quanto a retirada dos pacotes de água pelos clientes. Difícil encontrar um cliente no supermercado sem carregar alguma quantidade de água.
Sonia Abreu, moradora de São Francisco, foi ao estabelecimento no Vital Brazil para comprar água para a mãe que mora perto. Ela levou a quantidade máxima a que tinha direito e, ainda assim, acha que mal vai dar para a saída, na família, formada por sete pessoas.
– Quando liberarem a água outra vez, acredito que vai estar em boas condições. O meu medo é a água que foi distribuída até descobrirem o produto químico em níveis elevados. Fico me perguntando se passou muita água contaminada – disse ela.
Presidente da Academia Niteroiense de Letras, Paulo Roberto Cecchetti também renovou seu estoque de água mineral nesta sexta-feira. Porém, a compra do produto, para ele, é rotina:
– Bebo água mineral desde sempre. Eu não confio nessa água normal que distribuem. Será que ficamos tomando água poluída por muito tempo?
Andréa Seixas foi ao supermercado com a filha Carolina e cada uma comprou a quantidade máxima permitida de água:
– Amanhã volto para comprar mais. Acho que não vão resolver o problema tão cedo. Queria saber o que vai acontecer com quem provocou tudo isso. Na verdade, eu sei: nada – afirmou.
Sem aula
As escolas, segundo a prefeitura, estão em locais que foram mais afetados pela falta de água. Por elas, é possível traçar um “roteiro” dos bairros da cidade que estão sendo mais impactados, até o momento, pela paralisação do sistema Imunana-Laranjal desde às 5h59 de quarta-feira (3).
A concessionária Águas de Niterói, apesar de ser a responsável pela distribuição de água para o município, não informa quais bairros estão sendo mais afetados com o desabastecimento de água, se limitando a dizer que o problema está sendo enfrentado “por toda a cidade”.
As escolas foram:
Escola Municipal Santos Dumont, Bairro de Fátima
Umei Portugal Pequeno, Ponta D’Areia
Escola Municipal Sebastiana Gonçalves Pinho, Viçoso Jardim
EM LeviCarneiro, Pendotiba
EM Profª LúciaMª da SilveiraRocha, Jurujuba
UMEI Prof. Odete Rosa da Mota, Itaipu
EM Profº Paulode AlmeidaCampos, Icaraí
Escola Municipal Altivo Cesar, Barreto
EM Tiradentes, Tenente Jardim
EM.Euláliada Silveira Bragança, Jacaré
EM. NossaSenhorada Penha, Ponta D’Areia
NAEI Vila Ipiranga, Fonseca
Umei Áurea Trindade Pimentel de Menezes, Itaipu
Expectativa
O prefeito de Niterói, Axel Grael, voltou às redes sociais no início da tarde de sexta-feira para, mais uma vez, alertar a população para a importância de evitar desperdício de água.
– Estou acompanhando muito de perto a falta de água na nossa cidade junto com a Cedae e o Inea. Oferecemos ajuda para contribuir no processo de normalização do abastecimento. Nossa expectativa é que o problema se resolva nas próximas horas – afirmou.
Desde quinta-feira, há uma corrida dos moradores de Niterói aos supermercados para compra de água para estocar. Em alguns estabelecimentos, estoques foram repostos mais de uma vez, ao longo do dia.
Uma mão lava a outra
Quando o niteroiense achou que poderia comemorar o fim dos apagões do fornecimento de energia elétrica, eis que, agora, tem que lidar com dias sem o fornecimento de água. Que a experiência com Enel , pelo menos, agora ajude a lidar com a Cedae. E no final das contas, o que vale é a solidariedade.
O desabastecimento de água a cada dia aumenta o número de “vítimas”. A cidade toda está sendo afetada, porém, de maneiras diferentes. Tem gente sem água desde quarta-feira (3) quando o abastecimento foi interrompido. Há quem, dois dias depois, ainda consiga lavar sua louça, tomar banho e beber água “normalmente”.
Há casos em que vizinhos de bairro vivem no paraíso ou no inferno, a depender do lado da rua em que moram. Acionar parentes e amigos para saber quem está com água que possa “emprestar” para um banho já está valendo. Cancelar ou não a festa – é uma questão.
Muitos que estão com abastecimento ainda normal estão estocando água em todo e qualquer vasilhame que encontre pela frente. Vale encher a máquina de lavar roupa ou isso é quase trapaça?
Alguns restaurantes e bares não abrem desde quinta-feira. Salões de beleza também começam a dispensar clientes que querem cuidar de seus cabelos. Fazer unhas, ainda vai.
Nessa ansiedade para saber quando a água volta, quem se lembrou dos “velhos” tempos de pandemia do Covid, quando não se tinha ideia de quando o pesadelo iria terminar? Afinal, para se chegar no dia mil é preciso passar pelo dia 1 e pelo dia 2…
Chegamos ao final do segundo dia de desabastecimento de água sem previsão de volta à normalidade. E assim, caminhamos para o dia 3. E contando.
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