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De ‘sequestro’ de funcionário da Enel à busca por freezer solidário: como o niteroiense sobreviveu ao apagão

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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Quatro relatos que descrevem prejuízos financeiros, desânimo, mau atendimento e, até, situação que seria cômica se não fosse trágica
moço da enel
Moradores de condomínio do Centro cercam funcionário terceirizado da Enel: “não sai se a luz não voltar”. Fotos de arquivos pessoasi

Carros da Enel sendo “caçados” por moradores na rua; idosos em “cárcere privado”; mau atendimento, gincana em busca de “freezer solidário” para armazenar mantimentos. Esses são alguns episódios de uma história sobre a falta de energia elétrica que se abateu sobre Niterói desde sábado (18) protagonizada pelos moradores da cidade e patrocinada pela Enel.

Capítulo 1 –  47 horas sem luz

Essa é a história de Pedro, que trabalha com marketing em esquema de home office.

Pedro ficou 47 horas sem luz.

“A tempestade começou às 20h e logo depois faltou luz. Geralmente vem o carro da Enel, mas dessa vez não veio. Achei que seria uma chuva normal, aquela pancada forte, mas que ia voltar em breve. Fiquei aguardando, mas não voltava. Então liguei para a Enel e respondia um robô. Foi maior burocracia para falar com eles pelo WhatsApp. Ninguém dava previsão do retorno da luz. Tinha gente que recebia para 2017, para você ver como funciona…”

Ele foi perdendo a esperança. Sem alternativa, ficou acordado esperando a luz voltar para dormir com o ventilador ou ar condicionado. Porque realmente estava muito quente. “Acabei dormindo de madrugada por exaustão, mas foi uma noite horrível”.

Capítulo 2 – lesma para resolver, leão para cobrar

Essa é a história de Neusa Antunes, 83 anos, moradora de Santa Rosa.

Neusa Antunes, de 83 anos, passou mal em consequência de mau atendimento.

“No início de novembro, comecei a receber ligações telefônicas. Eram pessoas grosseiras que diziam que eu estava com uma conta sem pagar. Faziam ameaças que iriam cortar a luz e depois passaram a dizer que iriam confiscar meu imóvel. Sei que isso não é possível acontecer por atraso em uma conta, mas comecei a ficar muito nervosa com essa situação. Até porque todas as minhas contas estão em débito automático. Eu sou pobre e pobre paga contas, ao contrário dos ricos. A tal conta era de R$ 110. Era só olhar o meu histórico na empresa que veria que nunca atrasei uma conta. A pessoa grosseira disse que eu deveria ir na loja da Enel, no Centro de Niterói, provar que eu tinha pago a conta. Lá fui eu, com a ajuda da minha neta. Na loja, o atendente não era grosseiro como o do telefone. Verificou que houve uma confusão que eu até agora não entendi muito bem. Houve algum problema no débito automático somente no mês de outubro, todos os outros meses pagos certinhos. O atendente da loja admitiu que, mesmo que a fatura estivesse em aberto, a minha luz não poderia ser desligada porque na fatura de novembro não havia nem alerta de débito. Ele errou duas vezes até fazer o boleto certo para eu pagar o tal mês em aberto. Detalhe, na frente do prédio da Enel, tem um buraco. Eu só não caí porque minha neta me ajudou, mas uma outra senhora se esborrachou no chão.

Tudo isso me deixou muito abalada e passei mal porque minha pressão subiu. E quando foi no sábado, apagou a luz depois de piscar várias vezes. Fiquei pensando que ia queimar tudo na minha casa. De madrugada a luz voltou, mas domingo de manhã sumiu a luz outra vez e só voltou hoje (terça-feira à tarde). Cadê aquele cara tão grosseiro no telefone que não resolveu o problema rapidamente, não é mesmo? Pensei em me abrigar na casa da minha filha, que mora perto. Lá a luz voltou mais cedo. Mas eu não tenho saúde para descer e subir escadas. Ainda mais que caminho com auxílio de andador. O calor fez minha pressão subir outra vez. Por sorte, minha geladeira não estava muito cheia, mas perdi algumas coisas como iogurte, queijo minas e uma carne estragou. Não quero nem ver essa Enel na minha frente.”

Capítulo 3 – o “sequestro” do moço da Enel

Essa é a história de Andrea Bento, moradora do Centro

Moradores cercam o “moço” da Enel quando ele diz que o trabalho dele era só cortar a árvore e não religar a luz

 

“Moro em um condomínio com três prédios. No sábado, ficamos sem luz. No meu prédio voltou no domingo. Nos outros dois, só hoje (terça-feira) por volta das 18h. O problema da luz acabou deixando a gente sem água hoje porque a bomba fica no primeiro andar. E só um dos três prédios estava com luz para fazer a bomba funcionar. Por sorte, a falta de água foi só de seis horas e não dias.

Como um prédio tinha luz, nós ajudamos os vizinhos como pudemos. O síndico puxou uma extensão do nosso prédio para ligar o freezer da área da churrasqueira para as pessoas guardarem suas comidas. Mas muitos vizinhos perderam muitas coisas.

Hoje (terça-feira) aconteceu uma situação inusitada. Vizinhos começaram a percorrer ruas próximas em busca de algum carro da Enel para levar para o prédio de qualquer maneira. Um deles, quando voltou da “ronda”, se deparou um funcionário da Enel em frente ao prédio. Outros vizinhos também viram e desceram para a rua. O moço não tinha ido lá para restaurar a luz, mas para podar árvore. Quando ele disse isso, foi a maior confusão. Cercaram o moço, quase bateram nele, mas ninguém bateu, não. A confusão foi tanta que ele acabou ligando não sei para quem e, depois de um tempo, apareceram três caminhões da Enel.

O moço ficou das 12h às 16h podando uma árvore que, com qualquer vento, esbarrava no transformador, ele explodia e a gente fica sem luz. Isso acontecia sempre. O trabalho dele ia terminar aí. Mas os moradores pressionaram – não iam deixar ele sair se ele não resolvesse a luz. Sei que apareceram os tais caminhões e terminaram o serviço, ou seja, religaram a luz.

No nosso condomínio tem muitos idosos. Eles queriam ir para casa de parentes com luz para ficarem, pelo menos, na frente de um ventilador, por conta do calor forte. Mas eles não conseguem descer as escadas. Um ou outro, alguns vizinhos ajudaram a descer. Muitos ficavam em casa até com a porta aberta para poder ventilar um pouco mais. Se alguém passasse mal, não sei como ia ser.

Para fazer a tal poda, os moradores também tiveram que se meter. O moço, primeiro, disse que não podia fazer porque vários carros estavam estacionados na frente. Ele quase apanhou quando disse isso. Alguns vizinhos foram atrás da polícia e do pessoal da Nittrans para pedir autorização para afastar os carros. Os moradores tiraram os carros da frente no braço.

Quando o tal transformador estourava, era comum ficar até 6 horas esperando para religarem a luz. Agora, vamos ver se o transformador vai, mesmo, ficar sem estourar.”

Veja também: A dura vida do “moço da Enel”: um caso de ódio e amor do niteroiense — A Seguir Niterói (aseguirniteroi.com.br)

Capítulo 4 – freezer solidário

Essa é a história do casal Carolina Domingues e Renan Marins, moradores do Vital Brazil.

O terminal rodoviário ficou mais de 24h sem luz.

A família tem um mercadinho no Barreto e uma loja que vende frios e congelados no terminal rodoviário de Niterói, no Centro.

“No Barreto, no sábado, acabou a luz e voltou. Ontem (segunda-feira, 20), acabou a luz outra vez, por volta das 12h e até hoje (terça-feira,21, à) à noite não tinha voltado. No começo, ficamos achando que a luz ia voltar logo porque tinha um carro da Enel perto, mas não voltou até agora.

No terminal, a luz deve ter acabado de madrugada, depois que fechamos a loja no sábado à noite. No domingo não funciona. Na segunda-feira, quando chegamos, não conseguimos abrir a porta porque funciona com energia elétrica. A luz só voltou hoje pela manhã. Acho que perdemos 80% da nossa mercadoria.

Temos um carro para fazer entregas. Enchemos de mercadorias de loja do Barreto e fomos atrás de amigos e parentes que pudessem emprestar um espaço no freezer das suas casas.

Ainda não conseguimos voltar a trabalhar e não conseguimos contabilizar todo o prejuízo. Mas foi muita coisa”.

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