17 de março

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Há 50 anos, fusão tirava de Niterói seu protagonismo político e sua identidade

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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Em 15 de março de 1975, Niterói viu seu poder político virar pó com a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara
palácio do Ingá
O Palácio do Ingá foi por 72 anos sede do Governo do Rio de Janeiro. Foto: arquivo A Seguir Niterói

15 de março de 1975. Há 50 anos, Niterói viu seu poder político virar pó. De capital de um estado formado por 64 cidades, virou um dos municípios de uma recém-criada Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a capital do novo estado, estabelecido por decreto com a fusão dos estados do Rio de Janeiro e da Guanabara.

Um processo iniciado menos de um ano antes. Em 1 de julho de 1974, o general Ernesto Geisel, um dos presidentes do país durante a ditadura militar, assinou a Lei Complementar Federal n° 20, que selou para sempre o destino do Estado e do município de Niterói.

Leia mais: Na história do Rio de Janeiro, apenas cinco niteroienses governaram o estado

A fusão

Brasília já era a capital do país e foi lá que a canetada foi dada. Sem grandes solenidades. Naquele dia, o país vivia luto oficial pela morte do então presidente da Argentina, Juan Domingos Perón. Para a maior parte da população, porém, o clima era de festa. Na véspera, a seleção brasileira havia derrotado por 2 a 1 justamente a seleção argentina, em uma partida da Copa do Mundo de 74 que, no final, o Brasil não levou.

Com a fusão, o poder se mudaria do Palácio do Ingá (Niterói) para o Palácio Guanabara (Rio). Agora, existe a possibilidade do casarão, sede do governo até Niterói perder o posto de capital do estado com a fusão, voltar para as mãos do município.

Depois da parceria com o governo do estado que resultou na redução da tarifa das barcas, o próximo “negócio” entre Niterói e o estado do Rio pode passar pelo Palácio do Ingá.

Devolver para Niterói a ex-sede do governo estadual teria sido um dos temas tratados, durante o Carnaval, entre o prefeito Rodrigo Neves e o governador Claudio Castro, quando se encontraram no camarote do Governo do Estado, na Marquês de Sapucaí, no domingo (2), mesmo dia do desfile da Unidos do Viradouro, no Sambódromo.

Prefeito e governador teriam acertado de se encontrar, ainda em março, para formalizar a devolução do Palácio do Ingá.  Atualmente, o casarão abriga, no bairro do Ingá, o Museu de História e Artes do Estado do Rio de Janeiro.

Um pouco de história

Niterói foi capital da província do Rio de Janeiro. Reprodução: Fundação de Arte de Niterói

Alguns anos após a chegada da Corte Portuguesa ao Brasil (1808), em 1834, a cidade do Rio de Janeiro foi transformada no Município Neutro da Corte, permanecendo como capital do Império do Brasil. Com isso, Niterói passou a ser a capital da província do Rio de Janeiro.

Depois da Proclamação da República, em 1889, a cidade se transformou em capital do Brasil, o município neutro virou Distrito Federal e a província do Rio de Janeiro se tornou um estado.

A condição de capital para Niterói trouxe uma série de desenvolvimentos urbanos para a cidade, como a barca a vapor, iluminação pública a óleo de baleia. Esse período de crescimento foi interrompido pela Revolta da Armada, em 1893.

Com a cidade destruída pelos bombardeios, a capital do estado foi transferida para Petrópolis, o que provocou o primeiro esvaziamento do poder político de Niterói. Além disso, passou a ocorrer uma fragmentação do território da cidade e  freguesias próximas passaram a constituir o município de São Gonçalo.

Foi somente em 1903 que Niterói voltou a ser a capital do estado do Rio de Janeiro. Isso ocasionou um novo impulso de modernização na cidade, com construção de praças, deques, parques, estação hidroviária e rede de esgotos, além de alargamentos das ruas e avenidas principais.

A nova Região Metropolitana desenhada pelo governo militar com a fusão significou a institucionalização do aparato jurídico que governaria a metrópole. Metrópole esta que passaria a ter a cidade do Rio de Janeiro como sua principal centralidade.

Identidade

Com a fusão despareceu o estado da Guanabara. Sua origem está no Distrito Federal que a cidade do  Rio de Janeiro havia se tornado. Com a mudança da capital do país para Brasília, o antigo Distrito Federal, tornou-se o estado da Guanabara, que existiu entre 1960 e 1975.

O que estava em jogo, acima da fusão, era, segundo a historiadora Marieta de Moraes Ferreira, “a autonomia do antigo Distrito Federal em relação ao governo federal e o consequente controle do poder local. Como se sabe, a autonomia foi obtida via a criação do estado da Guanabara”.

Com a fusão, a antiga Guanabara perdeu sua arrecadação estadual e os repasses federais foram remanejados para um novo e ampliado território – ainda não beneficiado pelos royalties do petróleo, que viriam mais tarde.

A fusão não afeta apenas os territórios envolvidos em termos de poder político e econômico. Mas atinge em cheio suas identidades. Principalmente a de Niterói.

– A riqueza do estado passava por Niterói pelo efeito capital, mas Niterói era um centro de poder. A fusão destituiu a cidade desse efeito capital e Niterói perdeu protagonismo político. Esse é o ponto. A cidade do Rio passou a ter o efeito capital do ponto de vista econômico – afirmou  o professor do Instituto de Pesquisa de Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, também coordenador nacional do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Observatório das Metrópoles (INCT-OM).

Um aspecto cultural que foi motivo de questionamento, na época, é se o carioca se entenderia como natural do estado do Rio de Janeiro ou de sua capital. Aliás, consta que a expressão carioca, referindo-se aos que nascem na cidade, começou a ser usada a partir da criação do Município Neutro, desmembrado da antiga província do Rio de Janeiro. Anteriormente, eram chamados de fluminenses, do latim flumens, que significa rio. Hoje, o nome se aplica aos nascidos no estado do Rio de Janeiro e não na cidade.

Governantes

Cobertura da posse de Faria Lima, primeiro governador do estado do Rio após a fusão. Diário de Noticias de 16/3/1975 (Crédito: Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro). Reprodução: MultiRio

Quando a fusão “explodiu”, no dia 15 de março de 1975, terminou automaticamente o mandato do então governador do Rio de Janeiro, o integralista Raimundo Padilha (Fortaleza (CE), 1899 — Petrópolis (RJ), 1988), iniciado quatro anos antes. Ele fora indicado para o cargo, em 1971, pelo general Emílio Garrastazu Médici, um dos presidentes do país durante a ditadura militar, responsável por incorporar  Ato Institucional nº 5 (AI-5) à Constituição brasileira, iniciando o período de maior rigidez da ditadura no país.

Padilha se posicionara contrário ao projeto da fusão.

Sobre sua administração, foi objeto de reiteradas críticas uma suposta má aplicação dos recursos públicos. O principal exemplo usado para endossar essa crítica foi um aterro marítimo que executou em Niterói e que permaneceu inacabado e sem uso. Também teria contratado pelo menos três mil funcionários sem necessidade.

Seu sucessor no cargo foi Faria Lima.

Pelo lado da Guanabara, o governador na época da fusão era Chagas Freitas, que iniciou seu mandato em 1970. Em 1979, ele voltou ao centro da cena política como governador do Rio de Janeiro, até 1983.

Antes mesmo da concretização da fusão, em 11 de setembro de 1974, o presidente Geisel escolhera o vice-almirante Floriano Peixoto Faria Lima (Rio de Janeiro, 1917 – 2011) como futuro governador do Rio de Janeiro. Ele foi nomeado para o cargo no dia 3 de outubro, mas só assumiu no dia 15 de março do ano seguinte.

Às 18h do dia 14 de março de 1975, a bandeira do Estado da Guanabara foi arriada pela última vez no Palácio Guanabara, em Laranjeiras. No dia seguinte, no mesmo local, a posse de Floriano Peixoto Faria Lima inaugurou o novo estado, que governou até 1979.

Ao assumir, Faria Lima recebeu o cargo do ministro da Justiça, Armando Falcão, com a presença dos ex-governadores, eleitos indiretamente, Chagas Freitas e Raimundo Padilha.

Em 28 de fevereiro de 1975, foi anunciado o nome do novo prefeito do Rio: o engenheiro Marcos Tito Tamoyo da Silva (Rio de Janeiro, 1926 — 1981). Para ele, o grande problema da recém-criada Região Metropolitana do Rio era o transporte de massas.

Ronaldo Arthur da Cruz Fabrício (Niterói 1934 – 2024) foi designado prefeito de Niterói por Faria Lima. Na época, Fabrício afirmou que seu objetivo era “humanizar a cidade”. Ele governou o município de 1975 a 1977. 

Recuperação

Em ranking dos municípios, Niterói já ficou à frente da cidade do Rio de Janeiro, em qualidade de vida.

Na opinião do professor Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro, a nova Região Metropolitana criada pela fusão acabou por resultar, para Niterói, uma maior proximidade com um grande mercado de trabalho que era a cidade do Rio de Janeiro.

– O mercado de trabalho ficou mais facilitado para quem morava em Niterói. É preciso lembrar que fez parte desse “pacote” do governo militar a inauguração da Ponte Rio-Niterói, quatro meses antes da criação da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Ou seja, a renda era gerada no Rio, mas usada em Niterói. Isso é um lado positivo para a cidade. Em paralelo, teve como efeito o encarecimento do mercado imobiliário da cidade pelo fator renda da população. Isso acabou criando uma periferia em Niterói, na região de São Gonçalo – afirmou.

O trauma causado em Niterói pela perda do seu status político durou, pelo menos, 15 anos. Ter uma população com alto poder aquisitivo foi um ponto de sustentação para que a cidade, aos poucos, recuperasse sua autoestima. O caminho encontrado foi apostar nos setores de comércio e serviços e o desenvolvimento cultural.

Niterói voltou a ser a cidade sorriso, de verdade, quando se descobriu como sendo um dos municípios do país com a melhor qualidade de vida. E nisso se agarrou.

– A fusão foi terrível para Niterói. Em 1975, nós sofremos uma grande violência com a transferência do poder para o Rio de Janeiro. Mas Niterói soube se reinventar. Hoje, somos a capital da qualidade de vida do Rio de Janeiro e, atualmente, a melhor coisa do carioca é a vista que tem de Niterói – afirmou o prefeito Rodrigo Neves, durante um recente evento, na cidade.

 

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