5 de dezembro

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“Tiro no pé”: especialistas alertaram prefeitura sobre riscos do muro em Camboinhas

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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Conselheiros do Sub Comitê de Bacia das Lagunas de Itaipu e Piratininga foram contrários à solução dada para recuperar parte da praia
muro camboinhas agosto 22.1
As obras do muro, em agosto. Fotos de leitor

Um “tiro no pé”. Assim, conselheiros do Sub Comitê de Bacia das Lagunas de Itaipu e Piratininga (CLIP) definiram a decisão da prefeitura de Niterói de construir um muro de gabião para proteger a orla de Camboinhas contra erosões provocadas por ressacas. As opiniões contra essa solução foram dadas antes do início das obras, em reunião virtual, realizada em fevereiro passado, que contou com a participação, dentre outros, do secretário de Obras e Infraestrutura Vicente Temperine.

Pelo governo, também participaram, por exemplo, Leandro Magaldi (Gestor de Orlas) e Amanda Jevaux, assessora da prefeitura, que atuou como mediadora. Ela informou que se tratava de uma reunião extraordinária, com pauta única, convocada a partir de uma “demanda” dos conselheiros do CLIP.

A Seguir Niterói teve acesso à gravação do encontro, em que Temperine apresentou para os conselheiros o muro de gabião como a opção escolhida pela prefeitura para solucionar o problema da praia.

Leia mais: O preço da ressaca em Camboinhas: R$ 10, 6 milhões

O integrantes do CLIP alertaram é que muro de gabião funciona para situações rígidas, como encostas e não móveis, como uma praia. Sendo que, na orla, pode provocar o sumiço da própria areia da praia – um problema que Temperine demonstrou estar ciente que poderia acontecer.

A Prefeitura, no entanto, sustenta que a escolha técnica é a mais adequada para o problema. Consultada sobre a obra e os questionamentos, respondeu:

“A Empresa Municipal de Moradia, Urbanização e Saneamento (Emusa) informa que a estrutura de gabião foi escolhida por ser uma solução de contenção segura e utilizada há mais de 100 anos. Priorizou-se a segurança dos usuários que circulam pelos quiosques com as fundações aparentes e que  poderiam causar riscos (de) acidentes graves. Além disso, o muro em gabião permite o replantio da restinga danificada com a incidência de ressacas. Toda a estrutura em pedras hoje aparente será revestida com a vegetação sem alterar o ecossistema local. O projeto foi aprovado pela Secretaria de Meio Ambiente e demais órgãos ambientais.”

As obras, no mês de agosto.

A reunião

O encontro foi aberto pelo Gestor de Orlas. Leandro Magaldi observou  que o Plano de Gestão Integrada das Orlas ainda não está pronto e que, por não ser um técnico, mas advogado, não poderia dar um parecer técnico sobre a obra que estava sendo proposta para Camboinhas.

Ele, então, passou a palavra para o secretário de Obras. Temperine afirmou que a licitação para as intervenções em Piratininga já estavam em aberto quando surgiu a necessidade de atuar em Camboinhas.

-Não queríamos para Camboinhas a mesma solução dada para Piratininga porque Camboinhas ainda está preservada. A ideia era criar uma proteção que valorizasse a restinga do local – disse Temperine (7m53s)

Ele mostrou fotos de um quiosque que ficou “pendurado” no calçadão, após uma ressaca e que, por conta própria, em dezembro (do ano passado), jogou vários quilos de barro no local como tentativa de resolver seu problema.

– Pedimos ajuda à empresa Maccaferri, que ajudou a elaborar o projeto básico para poder licitar a obra de Camboinhas. Esse projeto básico foi justamente não ter um paredão  – informou o secretário de obras. (10m05)

Nesse momento, ele exibiu um documento no qual era possível ler:

“Ao avaliar o local, com vista aos critérios de escolha e do tipo de contenção a ser abordada e as características ambientais, observou-se em conjunto com a empresa Maccaferri que a solução mais adequada para este local é o muro de gabião”.

– Para iniciar efetivamente a obra, a gente está dependendo só da licença ambiental  – afirmou Temperine (11m09) que passou a palavra para o representante da empresa, Fernando Pereira, para que ele explicasse sobre “a solução que a prefeitura de Niterói escolheu”.

Pereira, que se apresentou como “cria da UFF” e afirmou que “trabalha com município de Niterói há muito tempo” e que a solução do gabião teve como objetivo “diminuir o impacto visual gerado por uma obra de contenção”.

Ele “passou a bola” para José Costa, engenheiro da empresa, que fez um histórico da Maccaferri – observando sua centenária origem italiana, em operação no Brasil desde 1974. Ele deu informações técnicas a respeito de materiais e do projeto a ser implantado em Camboinhas.

(30m47) Consultor do CLIP, Ricardo Voivodic (Instituto Estadual do Ambiente – INEA) explicou que estruturas rígidas em orlas alteram a dinâmica das ondas. Isso significa, segundo ele, que uma reação ao futuro muro de gabião será a ocorrência de ondas ainda mais violentas. Observou também que o muro vai provocar perda de sedimentos da praia, ou seja, a praia ficará sem areia, no futuro.

Em seguida, (35m01) o biólogo Paulo Bidegain afirmou que o gabião é uma solução “fenomenal” para encosta e rio, mas que “para área costeira não dá certo”. Segundo ele, essa solução em praia  “não existe em nenhum lugar no mundo”.  Bidegain lembrou que, em 1974, foi feito um projeto de urbanização na orla de Piratininga que “botou um paredão e foi um desastre”.  Afirmou ainda que todo gabião colocado em praia “foi um fracasso” e deu como exemplo o que aconteceu na praia da Boa Viagem onde, segundo informou, o gabião foi deformado pelo mar.

Ele foi taxativo ao afirmar que o muro não é a solução para Camboinhas que, como ele, “vai perder a praia”.

– Vamos entender o problema para ver que essa solução é um tiro no pé. Por que a praia erodiu?

(44m39) Em resposta, o engenheiro José Costa afirmou que o gabião é flexível e que seria reforçado para que a erosão não chegasse na sua estrutura. Ele sugeriu que a obra sofresse um “monitoramento periódico” e, caso a estrutura chegasse a um “nível crítico” deveriam ser adotada uma “solução complementar”.

– Não sei se está no escopo ou não essa mudança do perfil da praia – disse José Costa, ao que Fernando Pereira (48m25) complementou:

– Em Camboinhas não tem muito o que fazer. Vai ter que proteger os quiosques, a orla e levar em consideração a questão da manutenção. A modificação mesmo da areia é uma manutenção simples. A praia tem eventos de ressaca eventuais, esse gabião não vai receber esse impacto diariamente.

Responsável técnico do projeto, Fausto Batista (50m46) disse que a manutenção da estrutura “vai ser necessária pelos fenômenos naturais envolvidos”. Segundo ele, os primeiros estudos oceanográficos para  realização do projeto indicaram que o muro tinha que ser mais alto do que o inicialmente previsto e que, na semana seguinte (à reunião), esses estudos estariam consolidados.

– Toda obra civil, não só de gabião, vai ser necessário muitos cuidados para que se faça a manutenção e inspeção desse material. (além disso) o gabião avisa antes de dar um problema – afirmou o responsável técnico do projeto ressaltando que “tudo tem vida útil, a durabilidade de uma obra não é eterna”.

(56m22) O geólogo Gilberto Dias reforçou as informações prestadas por Ricardo Voivodic, afirmando que muro de gabião não funciona em área instável; que era preciso considerar  a linha de praia atual como a linha final da praia e sugeriu que os quiosques fossem retirados do local.

(1h08) Voivodic voltou a se manifestar:

– Muros de gabião, soluções de engenharia, são capazes de suportar qualquer coisa, desde que sejam projetadas para aquilo. Mas o problema é antes disso: o que a gente quer como solução para aquela praia? O que estou querendo dizer é que qualquer solução rígida vai gerar retração do arco de praia. No futuro, em 20 anos, vai ser um muro com água batendo, uma praia que não vai ter praia. É isso que a gente quer, acabar com a praia de Camboinhas? Existem milhões de soluções para se construir com a natureza. Ao fim, a solução para o sistema pode ser pior do que lidar com ele.

(1h15) Paulo Bidegain complementou:

– A empresa não entendeu o desafio que a secretaria de Obras pediu. Não pediu para conter o barranco, pediu para recuperar a praia. Vocês não entenderam qual era o desafio e vieram com uma solução que é ambientalmente inadequada. Vocês vão destruir a praia com essa solução. Não existe praia com duna frontal rígida. Vocês estão indo contra a natureza. E é um tiro no pé. E como o canteiro de obras está pronto se o estudo oceanográfico nem terminou? A pretexto de recuperar a duna, vocês vão destruir a praia. Genial.

A título de comparação, Bidegain observou que, em Piratininga, além da construção de uma estrutura, a praia será “engordada” – vai receber 50 metros de areia, como informou o secretário de Obras.

Bidegain complementou:

– A praia (de Piratininga) será engordada por conta da estrutura que tinha. Exatamente o erro de Piratininga vocês estão querendo repetir. Essa solução, para mim, não deveria ser licenciada pela secretaria de Meio Ambiente. Existem “N” soluções, tem que correr atrás.

(1h24) O secretário de Obras explicou que a orientação “que nos foi dada”  foi “resolver o problema daquela situação” da praia:

– Buscamos a solução que causava menor impacto visual. A solução imediata para o problema de Camboinhas foi fazer a contenção mais flexível, que se ajusta melhor à situação. Se for necessário fazer engordamento (da areia) para ter equilíbrio, vamos levar isso ao prefeito. A solução é para restabelecer o que existe hoje, os quiosques, o calçadão, a ciclovia, mas vamos continuar estudando. Se for o caso de propor o engordamento, vamos fazer. A tomada de decisão não é minha, é do Meio Ambiente junto com o prefeito. Precisamos restabelecer a ordem do local e tirar o risco. A SMO, a prefeitura foram convencidos que a melhor situação é o gabião, mais resistente, moderno, flexível, que consegue estabilizar a região não agredindo muito, restabelecendo a restinga.

O secretário de obras prosseguiu:

– A empresa foi contratada com o projeto básico e todos esses estudos técnicos estão dentro da contratação. Só vai começar a obra quando os estudos estiverem concluídos – e estão praticamente prontos. Tanto que já houve uma alteração no gabião, o canteiro parou e com os estudos vai dar prosseguimento. O quiosqueiro jogou caminhões de barro, (no local) ele está aumentando o risco. Não podemos ficar parados vendo eles tentarem proteger o seus negócios. (…) Quero deixar claro que as empresas foram contratadas pela SMO, exceto a Maccaferri, que tem uma estrutura de engenharia muito bem conceituada que prestou apoio. Quando ela fecha um projeto com o apoio dela, quem ganhar, provavelmente, vai contratá-la para fazer. Mas ela não tem custo nenhum. (…) A orientação da prefeitura e da SMO é resolver o problema que existe lá hoje. Piratininga ficou 12 anos para ser resolvido. (…) Em Camboinhas, a qualquer momento, pode descer o quiosque. Não temos que ficar parados, temos que agir. A solução encontrada não foi tirada de um saquinho de bolinhas. A gente fez a consulta. O gabião resiste. O problema maior é a natureza que, em certo momento leva areia, tira e leva para outro lado. Isso a gente está sabendo. O próprio prefeito nos alertou lá trás. E a manutenção que a Maccaferri está colocando é manter a proteção em níveis aceitáveis.

(1h49) De acordo com Fernando Pereira, o projeto “atende as necessidades do momento” e a restinga “vai continuar integrada ao projeto e terá até mais espaço com o gabião”.

(1h50) Paulo Bidegain obervou que o grupo de conselheiros tem “várias outras soluções” para sugerir para Camboinhas:

– Ninguém falou que não tem solução. Essa solução apresentada é que a gente acha que, ambientalmente, é um tiro no pé.

Leia mais: Geógrafos da UFF criticam obras em execução na praia de Camboinhas

Veja a reunião na íntegra

Na opinião de conselheiros do CLIP, o muro de gabião será “um tiro no pé”.

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