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Horto do Fonseca: um oásis de tranquilidade no bairro mais violento de Niterói

Por Gabriel Mansur
| aseguirniteroi@gmail.com

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Alheio aos problemas que castigam a região, parque abriga espécies nativas da Mata Atlântica, além de área de lazer
Horto do Fonseca é oásis em meio ao Fonsequistão. Foto: Prefeitura
Horto do Fonseca é oásis no bairro. Fotos: Gabriel Mansur

Oásis: no dicionário, o significado é referente à coisa, local ou situação que, em um ambiente hostil ou numa sequência de situações desagradáveis, proporciona prazer. Em Niterói, poucos locais representam mais esse contraste do que o Horto Botânico Nilo Peçanha, também conhecido como Horto do Fonseca.

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Inaugurado em 16 de maio de 1906, trata-se de um recanto de paz em meio aos engarrafamentos acrônicos da Alameda São Boaventura, a mais movimentada da cidade, e dos tiroteios frequentes provocados por uma eterna guerra pelo tráfico da região. Peculiaridades que levam o bairro a ser conhecido como Fonsequistão.

Alheio aos problemas que castigam o entorno, o horto é mais do que um (não tão) simples entretenimento para os moradores da Zona Norte. Abriga espécies nativas da Mata Atlântica, contempla uma parcela significativa das áreas verdes da cidade e, sobretudo, desempenha funções ecológicas, recreativas e paisagísticas.

Tamanha é sua representatividade ambiental que, desde 1931, hospeda a sede da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento do Estado do Rio de Janeiro (Seappa). A pasta funciona no Palácio Euclides da Cunha, que foi tombado pelo Instituto Estadual de Patrimônio Cultural (Inepac), em abril de 1991.

Entrada para o Horto Botânico.

Lá, também é a sede do 12º Batalhão da Polícia Militar. Em um espaço de 258 mil metros quadrados, sendo 8 mil de área de lazer e 250 mil de área verde, ainda abrange pista de skate, academia para idosos, bicicletário, brinquedos infantis, quadra poliesportiva, parque para cães (parcão), um lago com chafariz e uma extensa “trilha” para caminhada.

O A Seguir: Niterói tirou um tempo para “espairecer” e visitou o espaço na quarta-feira (18). Não só conferimos as instalações, como batemos um papo com os assíduos frequentadores. E quer saber? Nem mesmo nos botequins as conversas rendem tanto…

Aula de skate para autista

Pendurado numa barra de cinco metros de altura, Danilo da Silva interrompeu seus exercícios matinais para falar com a reportagem. Chamou atenção o skate ao lado do “aparelho” de academia. É por intermédio do shape de quatro rodas que o jovem, de 21 anos, dá aula para pessoas autistas, independentemente da idade, há quase dois anos.

– É difícil dar aula para pessoas autista, mas, ao mesmo tempo, é muito importante essa inclusão, porque também aprendemos com eles. Eu faço isso por amor mesmo, não costumo ganhar nada. Às vezes os pais me ajudam financeiramente, mas nem pego o dinheiro para mim. Uso tudo no projeto. Quando comecei, não tinha nada, apenas meu skate, hoje já temos cinco skates montados para emprestar às crianças que não têm. E agora estamos arrecadando mais dinheiro para adquirir novos equipamentos – ressaltou.

Skate Park Duda Neves foi inaugurado em 2015. Foto: Prefeitura

A “sala”, localizada no Skate Park Duda Neves, dentro do próprio horto, foi inaugurada no aniversário de 442 anos de Niterói, em 22 de novembro de 2015, assim como outros equipamentos da recreação.

Entre 1942 e 2010, esse mesmo ponto era ocupado por um jardim zoológico, nomeado ZooNit. Há quase 13 anos anos, o Ibama alegou que os animais viviam em condições inadequadas e que o zoológico funcionava sem registro, decretando o fim de suas atividades. Danilo, mesmo jovem, conta que viveu essa época.

– Eu moro no Fonseca, frequento o horto desde pequeno. O horto é tudo para mim, de verdade. Lembro quando isso aqui era um zoológico. Tinha leão, tinha cobra, jacaré. Desmontaram tudo isso para fazer a pista de skate, quadra poliesportiva, e tudo que temos hoje na área de lazer. Ao meu ver, foi uma coisa boa. Se não fosse isso, eu não teria meu projeto – completou.

“Dá para melhorar”

Na área de piquenique, Karin Cristina e Yasmin Ribeiro “voavam” alto no balanço. Sorriam uma à outra, como se contassem uma piada interessante – e engraçada. A expressão logo mudou ao serem questionadas sobre o horto.

Yasmin e Karin se divertem no horto.

Yasmin, a mais nova, de 14 anos, alegou insegurança – apesar da presença 24 horas dos policiais do 12º BPM – e falta de cuidado e fiscalização.

– Eu gosto do horto, mas dá para melhorar muitas coisas. O lago está sujo, com um cheiro horrível. Também precisa melhorar a segurança aqui de dentro. Lá perto do lago, quando está escuro, há muitos assaltos. Até estupros ficamos sabendo. A polícia não faz nada, só quando há flagrante – contou.

Já Karin reclamou do horário de funcionamento da quadra poliesportiva, que é fechada, com cadeado, às 17h. Também “cobrou” mais bebedouros e banheiros na área de lazer.

– Em primeiro lugar, eu acho que a quadra poderia ficar aberta até um pouco mais tarde, porque quando eu saio da escola, por exemplo, já está fechada. E também não tem muitos bebedouros, a não ser um que fica na entrada, e também são poucos banheiros.

As intervenções no horto, iniciadas em julho de 2014, custaram R$ 6,8 milhões aos cofres de Niterói, sendo R$ 420 mil só para a construção da pista de skate. O equipamento foi projetado pela empresa Rio Ramp Design Ltda., mesma responsável pelas pistas do Parque de Madureira, que se tornaram referências dentro do segmento.

Horto hospeda unidade do 12º BPM.

Já a pista de caminhada passou por uma revitalização, em 2018. As reformas visavam corrigir os desnivelamentos, provocados pelo desgaste natural causado pelas chuvas e pelo uso diário, e a Prefeitura gastou cerca de R$ 230 mil para fazer a drenagem superficial e aplicar saibro sobre os 700 metros de terra das alamedas.

Fauna e Flora

Dentre as espécies nativas da Mata Atlântica, estão presentes o jequitibá (Cariniana spp.), o pau-brasil (Paubrasilia echinata), o angico-vermelho (Anadenanthera macrocarpa), o pau-ferro (Libidibia ferrea) e a sapucaia (Lecythis pisonis).

Horto do Fonseca abriga espécies nativas da Mata Atlântica. Foto: Prefeitura

A fauna do Horto do Fonseca é constituída por sanhaço (Tangara sayaca), bem-te-vi (Pitangus sulphuratus), coleiro (Sporophila caerulescens), sabiá-laranjeira (Turdus rufiventris), macaco-prego (Sapajus nigritus) e gambá-de-orelha-preta (Didelphis aurita).

Terra produtiva

As terras do atual Horto do Fonseca faziam parte, inicialmente, da sesmaria (lote de terras distribuído a um beneficiário, em nome do rei de Portugal) concedida a Araribóia, datada em 1568. Passados aproximadamente 100 anos, foram vendidas pelos jesuítas a particulares.

Seu tamanho chegou a ser medido, em 1891, alcançando uma área total de 387 mil metros quadrados. Com o processo de urbanização de Niterói, então capital da província Rio de Janeiro, o espaço perdeu quase 130 mil m² em área.

Em 1904, o horto, que à época era um sítio em torno do palácio, foi adquirido, por meio de um ato judicial, pelo Presidente da Província (título equivalente a governador do estado), Nilo Peçanha, em função de dívidas dos seus donos. Peçanha, dois anos depois, estabeleceu a criação do Horto Botânico, a fim de cultivar e distribuir a fazendeiros e lavradores sementes e mudas de frutas, plantas têxteis e medicinais.

Horto tem uma área de 258 mil metros quadrados.

Sua inauguração ocorreu em 16 de maio de 1906, quando plantou-se o primeiro coqueiro da Bahia. Foram plantados também, nas encostas, laranjas, abacate, cana e plantas para indústria têxtil e alimentos de animais.

O horto já chegou a fornecer cerca de um milhão de mudas por ano, em 1927, além de iniciar novos cultivos de trigo, algodão, mamona, frutas e fumo. Alguns de seus cultivos serviram para o inicio das experiências na aplicação do álcool como combustível em motores e máquinas agrícolas.

E de volta ao Palácio…

Palácio Euclides da Cunha fica centralizado no horto.

Já o edifício sediou importantes pesquisas científicas: em 20 de março de 1919, por exemplo, foi inaugurado o Instituto Vacínico do Estado do Rio de Janeiro, onde passou a ser fabricada a vacina contra varíola.

Busto em homenagem a Euclides da Cunha.

Em 1923, a tutela do Horto foi transferida para União, época em que se instalou a Escola Superior de Agricultura e Veterinária da União. Em 27, quando a Escola foi transferida para a então capital do Brasil, o Rio de Janeiro, o prédio virou um “elefante branco”, pois ficou sem uso.

O prestígio foi retomado quatro anos depois, em 1931, quando o interventor federal Ary Parreiras o escolheu para sediar a Secretaria Estadual de Agricultura.

No ano de 1973, durante os festejos dos 400 anos de Niterói, o edifício passou a ser chamado de “Palácio Euclides da Cunha“, em tributo ao jornalista, engenheiro, sociólogo e escritor carioca, renomado pela obra “Os Sertões”.  Neste ano, também, foi inaugurado um busto na entrada do prédio.

Três anos depois, nas comemorações dos 70 anos do horto, este recebeu o título de Jardim Botânico Nilo Peçanha.

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