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Crédito consignado a beneficiários do Auxílio Brasil é uma peversidade, aponta especialista

Por Gabriel Mansur
| aseguirniteroi@gmail.com

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Empréstimo foi autorizado pelo presidente Jair Bolsonaro como mais um “pacote de bondades” para tentar se reeleger
Pessoas enfrentam filas para aderir ao crédito consignado. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Pessoas enfrentam filas para aderir ao crédito consignado. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

A liberação do crédito consignado a beneficiários do Auxílio Brasil tende a endividar ainda mais um cidadão vulnerável financeiramente e que já não consegue sobreviver de forma digna, o que é de uma perversidade sem tamanho. É o que explica o defensor público de Niterói e doutor em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Eduardo Tostes, em entrevista ao A SEGUIR: NITERÓI.

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O empréstimo foi autorizado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), em mais um “pacote de bondades” para tentar se reeleger e vem sendo oferecido pela Caixa Econômica Federal desde o dia 11 de outubro. A iniciativa prevê a concessão de empréstimos para os beneficiários do Auxílio Brasil (isto é, pessoas em elevada vulnerabilidade que vivem com até R$ 210 por mês) com sua amortização diretamente na fonte do recebimento do benefício.

No caso da Caixa, tal crédito vem com uma taxa de juros de 3,45% ao mês – ou seja, 41% ao ano – e deve ser pago em parcelas que podem chegar a até 40% do benefício recebido. Por exemplo: o beneficiário que teria direito a R$ 400 de auxílio (conforme projeto de Orçamento para 2023 enviado pelo Ministério da Economia) passaria a receber R$ 240 durante o período de empréstimo para amortizar a sua dívida.

– É muito triste procurar formas de elevar o lucro de bancos e empresas em cima da pobreza. Nesse caso, permitir um crédito consignado para a população miserável, que luta para sobreviver, é bastante contraditório. Isso não poderia ser permitido. Juridicamente, eu penso que não é algo sustentável. Isso não é razoável, não entendo como algo que vá trazer bons reflexos para a nossa sociedade – ressaltou.

Aumento de endividamento

Ainda que o Ministério Público tenha apresentado, em 18 de outubro, um pedido junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para suspender a medida, o prognóstico, segundo o especialista, é pessimista. Isso porque uma eventual suspensão não deve afetar os mais de 700 mil beneficiários do Auxílio Brasil que já aderiram ao programa.

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Na opinião de Eduardo Tostes, o sistema financeiro estrutural no Brasil “é feito para manter a população submissa”, tanto que 79% das famílias estão endividadas no país, o que é um recorde, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).

Em Niterói, igualmente, são mais de 210 mil pessoas no vermelho, o que corresponde a 38% da população. De acordo com o Serasa, o volume total de dívidas dos moradores da cidade somou mais de R$ 1 bilhão.

– O endividamento da população tem vários fatores. A gente tem uma conjuntura específica devido a crise econômica, que é muito grande, além da taxa de desemprego, que registra uma queda fantasiosa, haja vista os subempregos. Então,  há um empobrecimento da população. A renda que a pessoa tinha, ela não tem mais. É uma situação que por si só já gera preocupação. A pandemia foi outro fator que impactou demais a população, não só em razão de uma situação econômica, mas em razão psicológica, diversas situações de famílias desestruturadas – completou.

Qual o papel do estado?

O Procon-RJ tem realizado mutirões para a renegociação de dívidas junto a instituições financeiras, concessionárias de empresas públicas e de telefonia e internet, mas, segundo o defensor público, não há um plano concreto de melhora da situação socioeconômica brasileira que não passe por uma correção dos problemas de ordem estrutural.

Além disso, Tostes chama atenção para o tratamento jurídico diferenciado concedido às pessoas jurídicas a despeito das pessoas físicas. Além disso, o especialista cobra o “mínimo de intervenção estatal no Seara” e a implementação da educação financeira na grade escolar.

– O tratamento que é concedido a uma pessoa natural não é o mesmo tratamento concedido a uma pessoa jurídica. Faço referência às benesses e todos os regramentos para a recuperação de uma empresa, que não é o mesmo aplicado a uma pessoa física. Você não pode fomentar o crédito, exacerbar isso tudo, se você não traz uma educação financeira para a pessoa física. Para elas saberem como contratar e como não contratar. É preciso ter o mínimo de intervenção estatal no Seara. Não dizendo para não permitir o livre exercício dessa atividade, mas para tutelar os consumidores.

Palestra

A Secretaria de Defesa do Consumidor/Procon Niterói realizou, nesta quinta-feira (20), no auditório da OAB de Niterói, o seminário de Defesa do Consumidor, em parceria com a Comissão de Defesa do Consumidor e Proteção de Dados. Eduardo Tostes foi o primeiro palestrante e abordou o tema do endividamento.

Confira trechos

“Uberização” no mercado de trabalho

Há toda uma inserção na sociedade de consumo, que a gente tem uma grande dificuldade de compreensão de como lidar com isso tudo, uma educação financeira adequada, grandes ofertas de crédito com valores e juros bastante elevados. São diversos fatores que acabam contribuindo para isso.

As pessoas acabam ficando desempregadas e retornando ao mercado de trabalho com subempregos. É uma “uberização“, que é até um fenômeno muito estudado pela comunidade científica, justamente por isso. A pessoa trabalha 10, 15 ou 20 horas para receber um salário baixo e sem nenhuma garantia e seguridade.

“Armadilhas” socioeconômicas

Se a gente já tem esse reflexo, esse retrato de uma população endividada, como ver o futuro para tentar diminuir ou pelo menos reverter essa situação? É muito difícil, porque vamos precisar de grandes transformações sistêmicas para alterar esse cenário delineado.

Vai ser necessário implementar bastante educação financeira, esclarecimento, prevenção e vedação de contratações de empréstimos que são ilícitos e ilegais. São cláusulas abusivas, são diversas situações que colocam as pessoas em uma armadilha doméstica e financeira. O controle de seu dia a dia.

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