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Os professores Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega e Fabio Barboza Passos foram reconduzidos aos cargos de reitor e vice-reitor da Universidade Federal Fluminense, em uma concorrida cerimônia, de mais de duas horas de duração, realizada na terça-feira (17), que lotou o Teatro da UFF, em Icaraí. Dentre os presentes, por exemplo, estava o prefeito de Niterói, Axel Grael, vários secretários do município, além de deputados, como Chico D’Ângelo que vai assumir cargo no Ministério da Saúde.
O evento teve conotação política do início ao fim. Defesa enfática da autonomia universitária, da democracia e pedidos de punição aos envolvidos em recentes atos golpistas marcaram várias falas ao longo da cerimônia.
Houve também um momento de grande constrangimento quando uma mulher interrompeu a fala final do próprio Nóbrega. Ela afirmou ter sido estuprada por um professor, na Faculdade de Direito, e acusou o reitor de “engavetar” o caso.
Apesar dos problemas orçamentários, com os quais duelou durante sua gestão anterior, Nóbrega – que em 2023 completa 40 anos de UFF – coloca outras questões como principais desafios para seus próximos quatro anos à frente da universidade. Uma delas é a necessidade de aprofundar as políticas de inclusão, como afirmou em breve entrevista ao A Seguir, no final da cerimônia.
Confira:
Em termos de orçamento, como está a situação da UFF neste momento?
Por enquanto, o que a gente tem aprovado é a LOA, a Lei Orçamentária Anual, que foi feita pelo governo anterior com mais cortes. Nós estamos, nesse momento, em conversas com o Ministério da Educação para que possa ter uma recomposição. Estamos com 20% a menos do que era ano passado.
Quanto isso significa em valores?
R$ 140 milhões para tudo, em 2023, quando a gente precisa de R$ 200 milhões só para pagar as contas. Então, é um trabalho bastante difícil. Mas a gente não tem dívidas. Conseguimos fazer esse trabalho.
Qual o principal desafio para essa segunda gestão?
Tem a questão orçamentária, é preciso organizar mais ainda os aspectos da administração. Porém, eu aponto dois desafios. Um deles é aprofundar as políticas de inclusão. O Brasil vive uma grande onda de pobreza e fome, então, tivemos uma procura menor pelas vagas de graduação, algo que é grave a médio e longo prazo, para o país. Temos que ter políticas de inclusão mais agressivas para que as pessoas concluam seus estudos. Por que está ocorrendo essa queda na procura? Porque são pessoas empobrecidas que estão precisando trabalhar, que não conseguem se deslocar para estudar. Então, precisamos de políticas afirmativas de inclusão mais intensivas.
Com o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva o quadro pode mudar?
Essa é nossa expectativa. Ele tem no discurso e na prática ações concretas nessa direção.
Qual o segundo desafio?
Desenvolver conhecimento transdisciplinar. Ou seja, não em uma área específica, mas nas interações.
Que tipo de conhecimento?
Por exemplo, inteligência artificial. É tecnologia da informação, mas que tem aplicações na saúde, nas decisões de política pública, no Direito. Vamos desenvolver programas de indução de grupos de pesquisas transdisciplinares. Outro tema: sustentabilidade. Não é de uma área específica, mas pode ser usado em várias áreas. Outros temas: energia e combate à fome. Vamos criar o que estamos chamando de Observatórios, que não são somente grupos de estudo, mas vão produzir documentos para a sociedade.
Na sua opinião, sua reeleição replicou uma polarização existente no país? (a chapa “Juntos Pela UFF”, encabeçada por Nóbrega venceu no segundo turno das eleições com 50,86%)
Acho que não. A universidade é aberta, tem gente de diferentes perfis, mas há uma tendência, como um lugar questionador da realidade, lugar que estuda os movimentos históricos, tem um grupo de pessoas mais irrequietas com o status quo. O que eu quero dizer com isso é que são pessoas que não ficam passivas diante dos problemas da sociedade. Há uma concentração maior de pessoas que têm perfil de inclusão, de busca de excelência acadêmica. Então, não aconteceu essa polarização aqui.
O senhor tinha expectativa da vitória?
Sim, claro. O trabalho foi bem feito, eu acho. Nós fizemos uma campanha em cima do trabalho realizado.
As realizações da gestão Nóbrega-Passos foram enfatizadas em várias falas, ao longo da cerimônia. O tom político marcou presença desde o primeiro momento.
Coube à atriz e cantora niteroiense Soraya Ravenle abrir o evento, cantando, à capela, “Sonho impossível”, música que tem Chico Buarque entre seus compositores, que foi imortalizada na voz de Maria Bethânia. Ela encerrou seu pocket show, com “Sujeito de sorte”, de Belchior cujo refrão afirma: “Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”.
Em um vídeo, o futuro presidente da Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, parabenizou Nóbrega por ter lutado contra a pandemia do Coronavírus e “várias aberrações”. Também saudou a “saúde institucional da UFF” por ter reconduzi-lo ao cargo.
O decano da universidade, Francisco de Assis Palharini, fez uma enfática defesa da autonomia das universidades. Ele lembrou que outras instituições não tiveram a mesma “sorte” que a UFF de efetivamente terem como gestores o reitor eleito – cabe ao presidente da República a palavra final na escolha, a partir de uma lista dos mais votados da instituição.
– Está na hora de exigir que o governo federal respeite a liberdade acadêmica – afirmou sob aplausos.
Na sua fala, o prefeito Axel Grael lembrou da importância da UFF para a tomada de decisões relacionadas com a pandemia do Coronavírus:
– Foi na universidade que viemos buscar as orientações para enfrentar o Covid. Foi nosso reitor, que também é médico, que assumiu a presidência do nosso Conselho Científico, a quem pedimos recomendações. Com essa parceria, conseguimos superar os piores momentos da pandemia.
Grael também abordou outro tipo de parcerias firmadas entre a UFF e a Prefeitura de Niterói que permitiu, por exemplo, que o governo reformasse prédios da instituição, implantasse a pista de atletismo (cujas obras serão autorizadas nesta quarta-feira, 18) e iniciasse o projeto de reforma do Cine Icaraí.
Uma das formas que Nóbrega encontrou para driblar a crise financeira da UFF foi estabelecer parcerias público-privadas com várias prefeituras, uma vez que a universidade tem campi em diferentes cidades, além de diferentes instituições.
O vice-reitor Fabio Barboza Passos enumerou os pontos que irão nortear sua segunda gestão à frente da UFF: eficiência de gestão para “contribuir com a crise do orçamento”, além de “inovar na busca da balbúrdia do desenvolvimento de novos conhecimentos”.
Já Nóbrega afirmou:
– Se mexerem na democracia, a UFF será resistência. Eu serei resistência.
Quando Nóbrega começou sua fala, a última da cerimônia, um tumulto se formou à frente do palco. Seguranças e integrantes do cerimonial tentavam conter uma mulher. Com um estilete nas mãos, ela ameaçou cortar os pulsos caso alguém a segurasse ou fosse impedida de falar.
Partiu do reitor a orientação para que a deixassem falar.
Aos berros e chorando, ela afirmou ter sido vítima de assédio sexual e estuprada por um professor, há seis anos. Com dedo em riste apontando para Nóbrega, ela o acusou de engavetar o caso para defender o professor.
A mulher reconheceu uma ex-professora na plateia e, chorando muito, foi até ela e pediu desculpas pela situação. A professora, acompanhada de outras pessoas, a levou para fora do teatro. Depois, se recusaram, a dar informações sobre o caso para a reportagem do A Seguir.
Durante todo o tempo, Nóbrega manteve-se calado. Bem como a plateia.
Questionado pelo A Seguir, afirmou:
– É um momento que caracteriza a forma como a gente trabalha: com diálogo, com construção de soluções a partir das perspectivas diferentes. Não somos donos da verdade. Problemas complexos precisam de soluções complexas e precisam ser compreendidos na sua complexidade. Um tema tão sensível quanto o que ela trouxe não pode ser analisado por exposição de uma pessoa. É um problema bastante complexo, sobre o qual a universidade se debruçou em diferentes condições. Não é uma decisão do reitor. O que as pessoas precisam entender é que o reitor toma decisões subsidiadas. O reitor não é um déspota, não tem poder absoluto. É um caso complexo que está sendo tratado com toda a transparência e responsabilidade pela universidade.
O senhor se sentiu constrangido?
Não. Fiquei preocupado com ela. O que mais me incomodou foi o risco, de fato, dela se machucar. Era minha preocupação. Ela pode falar o que ela quiser. É lógico que a gente preferia que ela também respeitasse esse espaço, mas a gente entende que democracia é assim. O que importa é que ela saiu bem, não saiu ferida e o tema está sendo tratado de forma republicana.
O caso está encerrado?
Não posso falar sobre o caso, teve várias sindicâncias. Não posso emitir opinião sobre o caso.
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