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Em um dia 11 de março, há cinco anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a emergência sanitária global da Covid-19. A partir desta data, pessoas em todos os cantos do planeta Terra viveriam como se fossem personagens de um filme-catástrofe.
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Ruas ficaram desertas; pessoas se entrincheiraram em casa – não todas. Coube aos profissionais de saúde, em um primeiro momento, assumirem a linha de frente de uma batalha contra um inimigo invisível, um vírus desconhecido, que se materializava na forma de pessoas mortas: 7 milhões em todo o mundo.
No Brasil, entre 27 de março de 2020 e 1 de março de 2025, 715.295 pessoas morreram vítima da Covid-19. Que ainda provoca mortes. Precisamente, 34, somente este ano, no período entre 1 de janeiro e 1 de março.
– O mundo não está preparado para uma nova epidemia. Não estava preparado e continua não estando – afirmou o epidemiologista Rômulo Paes de Sousa, da Fundação Oswaldo Cruz de Minas Gerais, em entrevista para o A Seguir.
Ele integrou o Comitê Técnico Científico Consultivo criado pela prefeitura de Niterói para auxiliar o governo municipal no enfrentamento da Covid-19 como representante da Fiocruz-MG. Atual presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), Sousa é da opinião que o principal problema relacionado com a doença, hoje, é de governança:
– O esforço de cooperação entre países ficou pior com o novo governo norte-americano. O (Donald) Trump foi presidente durante a pandemia e voltou agora criando dificuldades para a governança global. Os Estados Unidos é o principal financiador da OMS. Isso é muito grave.
Confira a entrevista
Cinco anos depois, a Covid ainda mata. Qual o principal quadro relacionado com a doença?
Rômulo Paes de Sousa: Covid é, no mundo, o vírus dominante para quadros de Síndrome Respiratória Aguda Grave. E isso era esperado. Porém, se apresenta de forma menos grave por conta da vacinação e situação de imunidade das pessoas. O vírus atingiu, ao todo, 400 milhões de pessoas, levando 7 milhões a óbito.
Mas, e as variantes do vírus?
RPS: O processo de transformação do vírus, as cepas, hoje, são menos graves. Porém, essa é uma doença que pode levar a óbito principalmente os imunossuprimidos e os idosos – dependendo do país, a atenção maior é dada aos maiores de 75 ou de 65 anos. A questão é que o vírus vai continuar circulando.
Em Niterói, a cobertura vacinal da população cai se comparado da primeira com a quarta dose da vacina. Principalmente, entre as crianças que dependem dos pais para se vacinarem. O que acontece com as pessoas?
RPS: É comum, em todos os lugares, o número de pessoas vacinadas, ao longo do tempo, cair. É fruto do desinteresse ou falta de atenção para todas as vacinas de doses recorrentes, não somente a vacina contra Covid-19.
Parece que as pessoas já se esqueceram tudo o que passaram…
RPS: Um processo histórico traumático como foi a Covid, há uma tendência das pessoas quererem esquecer o sofrimento. Isso aconteceu também, por exemplo, no período entre guerras. Além disso, a Covid foi muito politizada, no mundo inteiro, e continua sendo.
Como assim?
RPS: Há um processo de negação que não tem relação com o trauma. Então, as pessoas tendem a negar a importância das imunizações. Isso afeta a vacinação de um modo geral. Essa politização também aconteceu na época da gripe espanhola (1918-19). A doença foi profundamente politizada e a cloroquina também apareceu, naquela época, como o remédio contra a doença, o que, mais tarde, se provou que não funcionava. A cloroquina apareceu (antes e na Covid) porque não basta negar a doença. Era preciso apresentar alguma solução. algo para substituir.
No Brasil, a eficácia de uma vacina nunca tinha sido questionada, até a Covid. O que aconteceu?
RPS: A vacinação sempre foi politizada no mundo todo. No Brasil é que costumava ser diferente. Por exemplo, no Japão e no Reino Unido, há forte resistência à vacina contra o sarampo. O Brasil se diferenciava porque não havia grupos anti-vacs organizados. Mas esses grupos passaram a se organizar no país, antes da Covid e ganharam força na pandemia. O congresso, atualmente, por exemplo, tem vários parlamentares anti-vac.
Em uma entrevista para o A Seguir, o senhor afirmou que uma espécie de efeito colateral da Covid seria o aumento das doenças mentais. Isso está acontecendo?
RPS: A Covid não foi só uma questão sanitária, mas social, econômica e política e tudo isso teve impacto na saúde mental das pessoas. Teve o isolamento, a solidão, o medo, os conflitos familiares que surgiram e tudo isso funciona como gatilho. Além disso, a Covid gerou alguns comprometimentos neurológicos. Houve casos de pessoas que ficaram um tempo sem andar, com problemas visuais, auditivo, sem olfato ou paladar. Houve mudanças na maneira de viver.
Na época do isolamento social, muito se falava que a humanidade se tornaria melhor após sobreviver à pandemia. Hoje, isso não parece verdade. Muito pelo contrário. Qual sua opinião sobre isso?
RPS: A pandemia provocou reflexões, mas não foi potente para alterar comportamentos. Seus efeitos na História não estão todos consolidados. Estressou o sistema de saúde, alterou a vida das pessoas por dois anos, mas ainda estamos compreendendo esse período histórico e estamos à mercê de novas situações semelhantes.
É possível uma nova pandemia?
RPS: A OMS mantém vigilância sobre isso. Surgem, a todo momento, “candidatos” a ocupar o lugar da Covid, mas não se materializou nada nesse sentido ainda. O vírus está em contato com o nosso sistema imunológico. Por conta das mudanças climáticas e da nossa relação desastrada com a natureza, estamos liberando novos agentes diariamente e cepas podem mudar e iniciar outro ciclo de doenças. Mas não há nada concreto, só especulações sobre isso.
Dá para se pensar em algo de positivo deixado após se enfrentar a Covid?
RPS: Um legado positivo da Covid é a capacidade tecnológica para produção de vacinas e diagnósticos. Vacinas para Covid estão em desenvolvimento até hoje. Também foram desenvolvidas abordagens hospitalares. O mundo aprendeu muito e investiu muito, também. Só no primeiro ano da Covid foram US$ 9,5 trilhões investidos no enfrentamento da doença.
Também é possível pensar que ainda temos problemas em relação à doença?
RPS: O principal problema é de governança. O esforço de cooperação entre países ficou pior com o novo governo norte-americano. O (Donald) Trump foi presidente durante a pandemia e voltou agora criando dificuldades para a governança global. Os Estados Unidos é o principal financiador da OMS. Isso é muito grave.
O segundo problema é o legado de se preparar melhor os sistemas de saúde. O mundo não está preparado para uma nova epidemia. Não estava preparado e continua não estando. Continuamos, na maioria dos países, não preparados. O Brasil ainda está melhor.
Que orientação o senhor deixa para as pessoas, em relação à Covid?
RPS: Niterói fez um trabalho exemplar durante a pandemia e continua fazendo. Minha principal recomendação é que continuem seguindo as recomendações da secretaria municipal de Saúde de Niterói, que se comportou tão bem durante a pandemia.
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