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Pelo calor, hora e quilometragem, Edson Nogueira já sabe quando vai levar passageiro para Itacoatiara. O motorista de aplicativo e soldador tem 37 anos, é casado e pais de dois filhos pequenos. Morador de Maria Paula, ele só vai à praia durante a semana, entre 8h e 10h da manhã, porque, segundo o próprio, é o horário mais vazio tanto na areia quanto no trânsito.
– Fim de semana nem pensar. Não frequento a praia e nem rodo com o carro no turno da tarde, já para evitar de levar passageiro para lá. Fica tudo caótico, não compensa. É muito carro e muita gente –, explica, brincando que outro dia viu um meme nas redes sociais em que Itaipu passava a “coroa” de praia do “povão” para Itacoatiara.
O tal meme sobre Itaipu “passar a coroa” de rainha da praia do povão para Itacoatiara surgiu depois de uma confusão generalizada que aconteceu no último dia 23 de janeiro, em que muitos banhistas, homens e mulheres, brigaram na areia de Itacoatiara. O vídeo viralizou nas redes sociais, levando a Sociedade dos Amigos e Moradores de Itacoatiara (SOAMI) a publicar uma nota protestando contra o que chamou de “mais um sinal da decadência do bairro”.
Não é de hoje. Para o bem e para o mal, Itacoatiara mudou muito nos últimos anos, e a presença do poder público, com fiscalização e regras, jamais acompanhou o ritmo de crescimento do fluxo de banhistas e de carros para Itacoatiara.
É bonita? É, é linda. Uma praia que não chega a um quilômetro de extensão, com montanhas e florestas de um lado e do outro, mar azul nos dias de sol, com ondas mais encorpadas que dão até um ar mais selvagem, mais bucólico à praia do bairro residencial. Um espetáculo, mas que nos últimos anos virou sinônimo de programa furado nos fins de semana e feriados.
Na mesma nota em que protestava contra a selvageria na areia, com troca de socos e pontapés, a associação de moradores afirmou que a cada fim de semana ou feriado o bairro registra uma série de irregularidades, como superlotação de carros estacionados em locais proibidos, invasão e depredação da restinga e muito lixo jogado na areia e nas ruas.
– Itacoatiara era a praia dos surfistas, frequentada por moradores. Hoje, com uma multidão enorme nos fins de semana e sem qualquer fiscalização por parte da Prefeitura, é lixo pra todo lado, som alto, desrespeito a quem está do lado… Outro dia montaram até uma barraca para cortar cabelo na areia, perto do Costão, mas alguém chamou a polícia. Claro que esse fenômeno acontece em outras praias e em outras cidades, e a praia é de todo mundo, democrática, mas as pessoas precisam ter mais consciência em relação ao lixo, ao respeito aos direitos dos outros – diz Sergio Machado, de 59 anos, que frequenta Itacoatiara há 45 anos e tem casa lá há 12.
Itacoatiara é a segunda parada do A Seguir: Niterói numa série de reportagens sobre as praias da cidade neste verão. A primeira foi Itaipu.
Com espaço na praia e vagas para estacionar, só muito cedo
Para o dia mais quente do ano, até que a quinta-feira de 27 de janeiro foi relativamente tranquila. O clima “esquenta” mesmo é depois das 10h. Com um detalhe: hoje em dia a praia fica cheia para além do pôr do sol. Muitas vezes até 19h30m ainda tem muita gente em Itacoatiara nos fins de semana e feriados de verão.
– De manhã estava vazia, desértica, agora à tarde é que está enchendo mais –, disse um jovem frequentador que, no contrafluxo, ao meio-dia, já se arrumava para ir embora.
A tranquilidade atípica naquela quinta-feira também se manifestou no mar: calmo, estilo “piscininha, amor”, para alegria dos banhistas, principalmente das crianças que fizeram a festa pulando e se jogando nas pequenas ondas que surgiam. O evento não é comum na praia oceânica conhecida por ser “point” dos surfistas e ter um dos mares mais perigosos do país. Ela já foi frequentada, por exemplo, pelos surfistas de ondas grandes Pedro Scooby e Lucas Chumbo.
A praia
Localizada em bairro majoritariamente residencial de mesmo nome, a praia de Itacoatiara é uma das oceânicas de Niterói, com 700 metros de extensão de mar azul, que divide o espaço com a restinga, uma grande faixa de areia e as pedras que compõem a Serra da Tiririca.
Quem chega não nega a beleza exuberante: foi eleita a 12ª praia mais bonita do Brasil pelo Trip Advisor, na pesquisa de 2017. “Itacoá”, como é carinhosamente chamada pelos frequentadores, é dividida em três partes: Costão (no canto esquerdo), Meio e Pampo (no canto direito). Tem também a Prainha, localizada um pouco depois do Pampo, com águas mais rasas e calmas.
Ao longo da orla, sete quiosques oferecem comes e bebes diversos. Para quem quer mais do que um lanche e busca uma refeição praiana, há opções no Corona, Noi e Cacildis. No último, a pedida pode ser o ceviche tradicional.
Alguns quiosques, à noite, também têm programação mais badalada, como é o caso do Quiosque Tunel Crew, que todas as sextas-feiras realiza o “Sexta roots”, no fim da tarde, sem horário definido mesmo. Aos domingos, um pouco mais cedo, acontece o “Sons de Domingo”, e eles garantem: música boa, bebidas geladas e galera reunida em clima de família.
Em Itacoatiara, as ruas têm a singeleza de terem nome de flor. É na altura da Rua das Camélias, inclusive, que fica localizado um pequeníssimo polo gastronômico no bairro, com lanchonete, restaurante e sorveteria, para aliviar o calor do verão.
Destaque para o Puro Suco, que tem o famoso “italiano”, querido salgado dos niteroienses, que cai muito bem com um açaí no pós-praia. Se for um dia de praia cheia, no entanto, pode contar que estará proporcionalmente “craudeado” (a versão abrasileirada da gíria surfista “crowded”, que significa lotado), com longas filas de espera.
Parte da história
Há também histórias simbólicas que deixaram sua marca no imaginário niteroiense. Quem não conhece o tradicional sanduíche do Marcelo? Frango, ovos, batata palha, cenoura e maionese, acompanhado do mate gelado com limão: fórmula mágica completa há 35 anos na areia da praia. Um clássico, que de tanto sucesso passou a ser revendido em vários estabelecimentos, bancas de jornal, academias etc.
A barraca do Aranha e da Mary Help é outra relíquia de Itacoá. Há 25 anos, os dois começaram a trabalhar juntos na barraca, localizada no Meio, um ponto mais vazio, onde costuma ventar mais e o mar é mais agitado.
– A gente chegou aqui na década de 90, no Meio mesmo. Não tinha quase ninguém. Era mais restinga, havia poucos barraqueiros. A gente está nessa luta até hoje. Conseguimos esse espaço aqui e estamos com uma clientela boa, atraindo um público legal – conta Aranha, que agora inicia a carreira artística como MC Aranha de Itacoatiara.
– Eu também agora estou ingressando na música como MC, para quem quiser acompanhar meu trabalho é só procurar MC Aranha de Itacoatiara nas principais plataformas de música. As letras falam de amor, polêmicas, políticas, drogas, enfim, a realidade que a gente vive – conta. Hoje em dia é o Aranha que o pessoal encontra quando chega na praia. Mary Help precisou se afastar das areias depois de sofrer um Acidente Vascular Cerebral (AVC), mas tem feito boa recuperação.
A principal mudança que ele observou nesses 25 anos foi no público frequentador.
– As pessoas que frequentavam aqui, que eram mais “crias” do lugar, não estão mais. Alguns casaram, outros estão trabalhando, têm outras correrias. Foram-se muitas histórias. Mas para quem quiser visitar e conhecer vai gostar, isso aqui é um paraíso – convida.
Enquanto ele falava, mais um vendedor passa um sonoro “naturaaal aê oh, mate!”.
Estrutura
Em Itacoatiara, os banhistas que quiserem podem alugar cadeiras e guarda-sol nas barracas que ficam localizadas ao longo da areia, geralmente perto da restinga, destacada das demais. Os valores em média do aluguel do guarda-sol são de R$15 e o da cadeira custa até R$10. A maioria aceita cartão e até pix.
Um problema que frequentadores da praia, trabalhadores dos quiosques e guardadores de carro reclamam: Itacoatiara não tem banheiro, muito menos chuveiro. Muita gente acaba usando a própria natureza para se aliviar nos momentos de aperto, o que acaba provocando a destruição de trechos de restinga.
Acesso
Há linhas municipais que dão acesso à praia e chegam até o ponto de ônibus localizado dentro do bairro, próximo à guarita do Departamento de Polícia (DPO) de Itacoatiara. Embora eles não possam passar dali, desembarcam bem perto as pessoas que seguem a pé para a praia. Tem há uma linha de ônibus intermunicipal, para quem vem do Rio, que para no mesmo ponto. Dali, uma caminhada de cinco a dez minutos, no máximo, até a beira-mar.
Para quem vai de carro, o estacionamento custa R$5, mas a depender do dia e da hora, as vagas acabam rapidamente. Sexta, sábado e domingo, com o movimento mais intenso, às 11h30m já não tem mais onde estacionar, nem na Rua Matias Sandri, na Avenida Beira Mar ou mesmo nas ruas mais distantes da praia.
“Às vezes, se encontrar vaga, encontra lá na entrada apenas”, avisou um guardador da Prefeitura.
Risco de afogamentos
O mar de Itacoatiara é conhecido por ter correntezas fortes e ondas perigosas. Quando em ressaca, as ondas podem chegar a 5 metros de altura. No meio da praia tem um posto guarda-vidas do 4º Grupamento Marítimo do Corpo de Bombeiros da região, que marca toda a praia com bandeiras de sinalização sobre a segurança do mar. A bandeira vermelha indica a presença de correntezas e alto risco de afogamento, a amarela, risco médio e a verde, baixo risco.
Só no mês de janeiro, foram registrados 203 resgates na praia de Itacoatiara. No último dia 31 de janeiro, um adolescente se afogou e sumiu depois de entrar no mar, que estava revolto, mesmo com a sinalização da bandeira vermelha. Surfistas, bombeiros e outros profissionais tentaram ajudar o menino no momento do afogamento, mas não conseguiram. Segundo relatos, ele submergiu muito rapidamente. As buscas continuam nesta sexta-feira (4).
Conexão e respeito à natureza
Ainda assim, a praia continua sendo considerada por muitos um paraíso perdido – ou achado – da cidade, como afirma a frequentadora Melissa Pinto, de 30 anos.
– Essa praia é especial, tem uma energia diferente das outras. É muita natureza em volta e uma força muito potente. Eu nem sei explicar, me sinto conectada a algo maior. Acho que o chegar com respeito à natureza e ir se conectando mais com o lugar é a chave para ter uma experiência boa aqui – disse ela ao A Seguir: Niterói.
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