29 de novembro

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Ricardo Campos: 50 anos de arquitetura, diversão e arte, em livro

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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O arquiteto fala da sua experiência como esportista, como conciliava as duas áreas na sua vida e aponta para as novas tendências do mercado
Ricardo Campos
Arquiteto, designer e escultor conversa com o A Seguir: “Desde o início eu tive essa preocupação com a execução dos projetos”. Foto: Divulgação

Foi como se tivesse caído de paraquedas. Num voo consciente de chegar onde se queria. Se debruçar em novos caminhos e aventuras sempre fizeram parte do percurso do arquiteto, designer e escultor, Ricardo Campos. O que iria encontrar pela frente ele não imaginava, mas estava disposto a encarar o desafio.

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O olhar aguçado para a novidade e para as soluções que pareciam escondidas foram alguns dos atributos que contribuíram, junto com a sua experiência, para um olhar mais direcionado para o funcional. O que deve vir primeiro a estética ou a execução? Como equilibrar essas duas facetas tão importantes em um projeto arquitetônico? Ou melhor, como conciliar a vida de um atleta com a de um arquiteto? De que forma a disciplina, o foco e a responsabilidade podem agregar na arquitetura?

Nascido, criado em Niterói e tendo a cidade como inspiração, Ricardo Campos é uma das referências da arquitetura na cidade. Dos seus 72 anos de vida, 5o foram na Arquitetura. Essa trajetória foi retratada com imagens e muitos relatos descontraídos de um cara que se edificou na profissão. No livro “Ricardo Campos 50 anos de arquitetura diversão e arte”, ele conta como começou sua relação com a Arquitetura, fala de histórias de clientes, dos seus hobbies e de como dosava o seu espírito de atleta com sua vocação para a Arquitetura.

Ricardo Campos posa ao lado do seu livro. Foto: Divulgação

Em entrevista ao A Seguir, Ricardo fala da sua paixão por Niterói, cidade que escolheu para instalar seu escritório e ateliê. Ele já carrega em seu currículo robusto mais de 1.800 projetos, entre eles para lojas como Animale, Shopping 126, Cantão, Wolner, entre outras. Na conversa, ele também faz as suas apostas para as próximas tendências no mercado e afirma o quanto os projetos comerciais expandiram.

Projeto arquitetônico feito para a Animale. Foto: Arquivo/Ricardo Campos

– No início, o movimento era 70% voltado para residência e 30% para o comercial. Hoje vivemos um cenário diferente. Temos um comercial de 70% e 30% de residência. Hoje você trabalha com detalhes mais aprofundados. Toda marca tem um cheiro, uma trilha sonora, um padrão de atendimento. As coisas estão ficando muito mais profissionais – ressalta.

Encelmar em Mangaratiba. Foto: Arquivo/Ricardo Campos

Confira a entrevista:

A Seguir: Niterói: Fale um pouco sobre como começou sua trajetória na arquitetura.

Ricardo Campos: Olha, até o Científico eu só pensava em ser projetista de carro. Era meu sonho desenhar carros. Gostava muito de corrida. Mas não sei porque  comecei a me inclinar para o Desenho Industrial e a Arquitetura. Não teve um motivo específico. Na época, lembro que o Design Gráfico estava meio complicado. Acabou que escolhi cursar Arquitetura.

Comecei a fazer faculdade e entrei logo para um estágio monitorado pelo Julio Braga, em Ipanema. Ele era mega detalhista e tinha uma clientela AA. Fazia tanto comércio quanto lojas com conceito inovador. E eu gostei daquilo. Quando estava perto de me formar pintaram meus primeiros dois projetos. Um deles foi o Marquinho, dono da Scott, marca de calça masculina em Niterói, que me chamou para fazer a sua primeira loja.

Depois disso, os trabalhos foram surgindo com o boca a boca. No início eu fazia mais residência do que comércio. Com o tempo foi aumentando muito a parte comercial, sem escolha e de forma natural. O escritório foi ficando com mais de 80% voltado para o comercial. No início o movimento era 70% voltado para residência e 30% para o comercial. Hoje vivemos um cenário diferente. Temos um comercial de 70% e 30% de residência. Contamos com cerca de 15 profissionais que são arquitetos atualmente no escritório.

Além de arquiteto, você é escultor e designer. Como você dialoga entre essas três áreas?

Foram acasos da vida. Logo que eu me formei, eu comecei a voar de asa delta. Na época eu trabalhava para a Shopping 126 e tive a ideia de associar o marketing com a arquitetura. E realmente foi um crescimento muito grande. Eu me dividia entre voar durante o dia e trabalhava à noite. Mas nesse meio tempo eu sofri um acidente num campeonato nacional e fiquei 6 meses com a cabeça parafusada no tronco sem poder fazer nada. Eu fiquei louco, desesperado, setindo uma dor enorme.

Até que uma arquiteta que trabalhava comigo falou que ia fazer um curso de jóia. E eu decidi fazer com ela. O Marcio Mattar, o professor dessa oficina, que foi meu guru. Ele me colocou no mundo das esculturas, da arte. Teve um dia que ele parou a aula e disse: “Olha, isso aqui que é uma jóia”.

No final da aula, ele falou comigo que gostava quando via algo diferente e que isso não acontecia com frequência nas aulas. Ele foi colocando pilha em mim e eu fui fazendo jóia, praticando isso. Comecei a fazer jóia para a Fabricato. E esse foi meu erro. Não imaginava a proporção que ia tomar. Quando eu fui ver já estava com 12 funcionários do meu escritório fazendo jóia. No início, eu fazia só o que eu gostava. Quando comecei a vender eu tinha que fazer o que o cliente gostava. Assim como foi na Arquitetura. Para fazer o mesmo, preferi ficar com a Arquitetura.

Aí decidi fazer escultura. Comprei uma série de forma e fundição, umas peças de madeira e foi o maior sucesso. Fechei uma exposição com uma galerista do MOMA, em Nova York. Logo pensei, “vou ficar milionário”, mas ela foi para a China, fazer uma coleção lá, e largou minhas esculturas ali no MOMA. Foi quando eu migrei para o Design. Deu muito certo no início, mas como não tinha capital de giro, migrei de volta para a Arquitetura.

Quais são suas principais referências na Arquitetura?

No Brasil eu gosto muito do Marcio Kohan e do Thiago Bernardes. E lá fora costumo ter o Frank Owen Gehry como ídolo.

O que mudou no cenário da Arquitetura dos últimos anos? O que se revelou tendência? 

Eu acho que o conforto tem sido levado muito a sério, principalmente no comercial. Antes a gente só pensava em estética e hoje é pensado muito no conforto. Os materiais também mudaram. Temos agora muito mais opção de material flexível e mais duráveis. A gente teve uma evolução muito grande e isso faz toda a diferença para a concepção dos projetos.

As cerâmicas estão mais leves, as películas impermeáveis, temos pisos maiores… Hoje a gente tem tudo que tem no mundo. Antigamente olhávamos um material lá de fora e não fazíamos ideia do que era. O e-commerce permite isso, uma facilidade muito grande.

E em termos de projeto, o que mudou?

Os projetos são muito cíclicos. Tinha uma época que as lojas eram muito pesadas, cheias de coisa, de informação. Depois passou a ser tendência o oposto a isso, ou seja, algo mais clean, mais minimalista. Depois, veio a tendência de muita cor. Hoje são vários caminhos, as composições são inusitadas.

As prioridades são outras. As lojas têm cabines mais confortáveis, uma área para o cliente sentar, uma iluminação boa. Hoje você trabalha com detalhes mais aprofundados. Toda marca tem um cheiro, uma trilha sonora, um padrão de atendimento. As coisas estão ficando muito mais profissionais.

No livro, “50 anos de arquitetura, diversão e arte”, sua trajetória é contada através de depoimentos verdadeiros sobre um trabalho de construções históricas, sem deixar suas aventuras de lado. Como foi a concepção do projeto do livro? Como foi feita a coleta de informações feita pela Irma Lasmar Sirieiro?

Nós temos mais de 1.800 projetos. Acho que o meu escritório foi um dos que mais participou da história do varejo no Brasil. A ideia foi eternizar essa história, através de fotografias, porque a Arquitetura é muito de imagem. Então eu sentei e contei minha história.

Para quem goste e quem não goste, essa foi minha vida. Contei a minha vivência na Arquitetura, minha família, meus hobbies e algumas histórias de clientes. Nós trabalhamos com algumas das marcas mais importantes do Brasil, fizemos a identidade visual de diversas delas, como a Shopping 126, Cantão (em uma época), a Animale, que já estamos na quinta identidade visual, a La Estampa, que fornecia tecido para todas essas marcas – essa chegamos a fazer uma sede na Lagoa – Foram muitas. Wolner, Imaginarium, Sara Jóias, enfim…

Um dos seus clientes e amigo falou que você é um gênio na descoberta de soluções onde não parecem existir. Como captura o invisível?

A maioria dos arquitetos que eu conheço fazem projetos e não lidam com obras. Eu faço obra também, então desde o início eu tive essa preocupação com a execução. Eu fui prestando muita atenção nisso. Meu olhar ficou dirigido para isso. Às vezes os arquitetos chegam para a gente com uns desenhos que são inexequíveis. Eu acho que o grande diferencial é esse. Não é por formação, estudo, é por prática mesmo.

Quais projetos arquitetônicos que mais te impressionam em Niterói?

O MAC, a estação do Catamarã, o Caminho Niemeyer (todo ele). O Cinema Icaraí tem uma arquitetura muito legal também. O Espaço Cultural Correios no Centro de Niterói, o Theatro Municipal, que tem uma escultura minha na porta.

O que te fez ficar na cidade até hoje?

Eu sempre quis ficar em Niterói. Fora do país vi vários escritórios fora do centro da cidade e vi que era viável. Então sempre bati pé com isso. Eu trazia o pessoal de São Paulo e outros estados para cá e levava para o Caneco do Mário. E era engraçado. Alguns clientes meus viraram fãs de carteirinha. Uma delas virou fornecedora de azeite do Mário.

Em Niterói eu sempre tive uma qualidade de vida muito boa. Aqui eu tenho escritório e oficina juntos. No Rio eu não teria isso. Eu teria o escritório na Zona Sul e a oficina na Zona Norte. Aqui eu faço tudo num só local. Tenho um escritório e um galpão, onde fazemos a pré-montagem.

Tenho cliente do Brasil todo. O escritório hoje está fazendo obra para Manaus, Belém, Fortaleza, Aracaju… Mas se fosse hoje eu iria para o Rio porque o trânsito está impossível.

Você estava falando mais cedo de quando andava de asa delta. Você realmente levou com afinco isso do esporte. Fale um pouco desse seu lado.

Eu fui semi-profissional da asa delta e costumava viajar o Brasil todo disputando campeonatos. Geralmente eles aconteciam em centros urbanos, então as marcas que eu trabalhava apareciam muito. Isso era visto. Chamava a atenção.

Depois eu voltei a velejar e coloquei as marcas patrocinando barcos. Comecei a participar de vários circuitos, em Angra, Búzios…

Como você fazia para conciliar tudo?

Se for para somar todas as horas não davam num dia, mas era possível. Eu voava à tarde e trabalhava de manhã e à noite. Quando tinha campeonatos eu tirava uma semana de folga e ia velejar em Ilhabela, Fernando de Noronha, etc. Hoje eu ainda velejo, e de vez em quando voo de asa delta.

Você é umas das maiores referências de arquitetura em Niterói. Quais orientações daria para quem está começando?

Eu sempre prestei muita atenção na funcionalidade. Primeiro eu resolvo a função e depois eu resolvo a estética. Adaptar a estética à função nem sempre dá certo. Vários projetos são lindos e não funcionam. A função vem sempre em primeiro plano.

Outra coisa é que sempre tirei muito partido dos erros. Prestar atenção no que está errado é muito importante. Fixar o olhar e pensar no que poderia sair dali. Prestar atenção no acaso também.

Ter um olhar resiliente é importante, né?

Exatamente. Tirar proveito do erro. E pensar em soluções inusitadas. Eu faço muito isso. Pegar um barril de chope e transformar em cuba para o lavabo. É isso. Olhar as coisas de forma diferente.

Quais são suas apostas para os próximos meses?

Acho que a tendência, pelo menos agora, vai ser aumentar o residencial e diminuir o comercial.

Projeto Rogério Cortez. Foto: Arquivo/Ricardo Campos

Sobre Ricardo Campos

Arquiteto, escultor e designer, Ricardo Campos nasceu em Niterói em 1951. Graduou-se em arquitetura na Universidade Federal Fluminense, em sua cidade natal (1975), e especializou-se em joalheria com Márcio Mattar, no Rio de Janeiro, em 1985. Adquiriu habilidades em escultura e design de maneira autodidata. É responsável pela elaboração de mais de 1.300 projetos comerciais e residenciais.

Já realizou exposições em diversos locais do Brasil e do mundo, como, por exemplo, no Ateliê Márcio Mattar – RJ, 1986; no Espaço Traesco – SP, 1993/1994; no Restaurante Ativa – Niterói, 1993; no Mix Moda Torre de Babel – RJ, 1993; no Rah Design – SP, 1994; no Centro Cultural Banco do Brasil – RJ, 1995; no Gallery – SP, 1995; no Shopping da Gávea – RJ, 1995; no Escritório de Arte Caribe – SP, 1995; no Concurso Design Museu Casa Brasileira – SP, 1995; na Artexpo, Nova York – EUA, 1996; no Marc Miller Gallery New York – EUA, 1996; no Museu de Arte Moderna – RJ, 1996; no Shopping São Conrado Fashion Mall – RJ, 1996/1998; no Centro de Artes UFF – Niterói, 1996; no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno – Niterói, 1996; na III Semana Barra Shopping – RJ, 1997; na Galeria do Poste – Niterói, 1998 e no Rio Design Center – RJ, 2001. Sua obra foi mencionada no Jornal do Brasil, 1995; no Jornal O Globo – Caderno “Niterói”, 1996; na revista Casa e Jardim, 1996 e na revista Casa Decoração, de Portugal, 1998.

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