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Pastor Henrique Vieira, deputado eleito por Niterói, condena extorsão da fé por Bolsonaro

Por Gabriel Mansur
| aseguirniteroi@gmail.com

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Eleito deputado federal, niteroiense deixa claro “que não estará em Brasília para defender os interesses da igreja”
Pastor Henrique Vieira foi vereador em Niterói. Foto: Reprodução/Instagram
Pastor Henrique Vieira foi vereador em Niterói. Foto: Reprodução/Instagram

Eleito deputado federal pelo Rio de Janeiro com 53.933 votos, o niteroiense Henrique Vieira, do PSOL, vai exercer seu primeiro mandato a partir de 2023. Henrique é ator, escritor e professor, mas, acima de tudo, ele sustenta o título de pastor da Igreja Batista do Caminho. O termo, aliás, foi enfatizado durante sua campanha eleitoral.

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Ele decidiu ressaltar sua experiência religiosa para mostrar que é possível ter fé em Deus e, ao mesmo tempo, defender o estado laico, a diversidade e a democracia, em clara referência ao conservadorismo e consequente bolsonarismo no meio político. De antemão, Henrique se posiciona contra o fundamentalismo religioso que se juntou à extrema-direita e deixa claro “que não estará em Brasília para defender os interesses da Igreja, mas sim do povo”.

– Eu não vou estar em Brasília para defender os interesses da Igreja, eu vou estar em Brasília para defender as causas e interesses do nosso povo. Achamos, enquanto equipe, que reafirmar que sou pastor, a serviço do bem comum, da justiça social, do estado laico, da democracia, e combatendo o fundamentalismo, que isso seria importante e pedagógico, além de um sinal necessário para o nosso tempo – disse o parlamentar durante entrevista à Band News.

Henrique foi o 36º deputado mais votado no estado. Em Niterói, sua cidade natal e onde foi vereador por um mandato, entre 2013 e 2016, ele sequer ficou entre os 10 mais lembrados, o que pode ser justificado pelo desconhecimento de parte do eleitorado. Vale destacar que, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Niterói foi a cidade com maior percentual de votos em candidatos ideologicamente ligados à esquerda.

Em contrapartida, ele ganhou notoriedade no estado, como um todo, por conta de trabalhos artísticos. Participou do álbum “AmarElo”, do rapper Emicida, atuou no filme “Marighella”, de Wagner Moura, e desfilou no carnaval da Mangueira em 2020, interpretando um Jesus mendigo, montado em um burrinho.

Formado pelo Seminário Teológico Batista, Henrique prefere ser identificado como um cristão que ama o Evangelho e defende o povo negro, os LGBTs e as mulheres. No 2 º turno, ele vem intensificando seu discurso para que os evangélicos não se sintam “capturados” por pastores que os mantêm sob ameaças, constrangidos e impelidos a votar no presidente Jair Bolsonaro, do PL, que ele considera como o verdadeiro anticristo.

– Tenho medo do Deus do presidente. A Bíblia diz que Deus é amor. O Evangelho conta do Jesus que resumiu tudo no mandamento do amor. Mas o deus do presidente é outro: Ele comemora a morte; é vingativo; não têm compaixão; tem prazer na violência; é indiferente ao sofrimento; não tem apego à Criação; é bélico e elimina tudo que é diverso; é frio, autoritário e sem graça; odeia arte; comanda e não ama; condena e não perdoa – ponderou em publicação no Twitter.

Pastor Henrique Vieira apoia Lula nessas eleições. Foto: Ricardo Stuckert

Para que os cristãos se vejam livres e possam escolher seu presidente sem a chantagem dos orientadores religiosos, Henrique Vieira lançou nesta semana uma série de vídeos explicando biblicamente que Jesus retrata a paz e, por isso, se põe ao lado dos que mais sofrem. Diante disso, ele afirmou na entrevista à Band que pretende também ser um líder religioso contra a bancada evangélica no congresso.

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Confira:

Por que o título de pastor nas urnas?

Não pretendo levar a religião para Brasília. Eu escolhi levar o termo pastor, primeiro, porque é verdade. Eu sou pastor desde 2012, me formei no seminário, fiz teologia, fui ordenado e sou pastor da Igreja Batista do Caminho. Em segundo lugar, eu decidi usar esse termo justamente para fazer uma disputa de sentido e mostrar que é possível, sim, ter fé e, no meu caso, ser pastor, e defender a democracia, o estado laico, o respeito a diversidade, fazer um debate em prol do país, buscar o bem comum.

Eu não vou estar em Brasília para defender os interesses da Igreja, eu vou estar em Brasília para defender as causas e interesses do nosso povo. Achamos, enquanto equipe, que reafirmar que sou pastor, a serviço do bem comum, da justiça social, do estado laico, da democracia, e combatendo o fundamentalismo, que isso seria importante e pedagógico, além de um sinal necessário para o nosso tempo.

A disputa pelo voto evangélico

Podemos afirmar, por meio das pesquisas e até pelo resultado do primeiro turno, que Bolsonaro, de fato, tem a maior parte dos votos evangélicos. Essa é a expressão correta. Ele não tem o voto evangélico. Lula chega a 30%, às vezes mais do que 30% das intenções e dos votos dentro do campo evangélico. Repare que não são 5%, 10% ou 15%, em média 30% dos eleitores evangélicos votam no Lula. É maioria? Não é maioria. Mas, do jeito que às vezes é colocado, parece que é 98% contra 2%. E não é essa a realidade.

Existe resistência e pluralidade dentro do campo evangélico. O outro aspecto é que, de fato, existe um ultraconservadorismo dentro e fora do campo evangélico que o bolsonarismo sabe captar muito bem. Um outro e último aspecto, que tenho ressaltado muito nas entrevistas, é que essa eleição não se dá numa disputa dentro dos marcos da democracia. O que quero chamar atenção: máquina do ódio, máquina de fake news, dinheiro que a gente não sabe de onde vem, e mecanismo subterrâneos da internet, na minha opinião, isso distorce e muito a possibilidade de um debate fraterno, transparente e democrático de ideias.

Existe pluralidade dentro do campo evangélico, é verdade que Bolsonaro, hoje, tem a maioria dos votos, é verdade que tem traços ultraconservadores, mas também tem lideranças com poderes políticos e econômicos e midiáticos com grande capacidade de reverberação de suas ideias. Além disso, para terminar, há centenas de denúncias que nós estamos recebendo, de pastores lamentavelmente usando as igrejas como palanque, e pressionando irmãos e irmãs a votar no Bolsonaro. Se você pegar um recorte por classe e renda, por exemplo, até um ou dois salários mínimos, dentro do campo evangélico, o voto em Lula cresce significativamente.

Exploração da religião dentro da política

A fé é legítima, o problema é quando ela se torna um projeto de poder. Esse é o risco do fundamentalismo. O fundamentalismo prega uma visão religiosa e quer, por meio do estado, da política e das leis, impor a única forma de crer e existir. Na história, isso sempre gerou muita violência, é o que você está percebendo: a utilização da experiência religiosa como projeto de estado e como projeto e poder. Eu insisto que isso é perigoso e atualiza a fogueira da inquisição. Isso é capaz de causar muita violência e até mesmo morte.

Quando a experiência religiosa é simplesmente uma inspiração para buscar o bem comum, para buscar a justiça, para buscar a paz, quando a experiência religiosa é mediada pelo amor, pela solidariedade e pela compaixão, então ela não é um projeto de poder sobre o estado e sobre a sociedade. É importante não condenar a religião, porque ela pode ser muito boa e favorável para o conjunto da sociedade.

Dialógo com o bolsonarismo

O que eu mais quero é debater o Brasil. Quando eu falo de Erika Hilton, Sônia Guajajara e Guilherme Boulos (todos do PSOL), por exemplo, estou falando dos parceiros de projetos de sociedade. Mas é óbvio que quero estar no parlamento para conversar e até divergir, mas sempre com respeito, porque na democracia cabe a diversidade de ideias. 

O problema do Brasil hoje é que tem setores que negam o debate de ideias, negam a possibilidade da divergência, que não respeitam a democracia e exaltam a tortura e torturadores e fazem política com arma na cintura.

Não existe um diálogo fraterno e democrático entre duas pessoas em que uma está discutindo ideias, e a outra está com arma na mão e dizendo que você deve morrer se você pensa do jeito que pensa. Lidar com a diversidade no parlamento, para mim, não é um problema. Vou lidar bem com isso, estou pronto para isso. Eu tenho problema com quem nega a diversidade, com quem quer fechar o parlamento, com quem exalta a ditadura.

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