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‘O que está em jogo é recuperar as instituições democráticas’, aponta cientista político

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Para o professor da UFF, Thomas Ferdinand, Bolsonaro se apoia no antipetismo; as políticas sociais não foram prioridade do governo
Políticos declaram apoio a Lula e Bolsonaro. Foto: Divulgação
Polarização política em Niterói: reflexo do cenário nacional. Foto: Reprodução/Internet

Trata-se do pleito mais importante desde a redemocratização do país. A avaliação é do cientista político, doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ), e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Thomas Ferdinand.

Em conversa com o A Seguir: Niterói, a poucos dias do segundo turno, ele explica que o que está em jogo, o que será definido neste domingo (30), é recuperar e fortalecer as instituições democráticas ou “permanecer assistindo sua corrosão progressiva”. Isso se dá, segundo ele, devido à emergência de novos atores descrentes em relação ao regime democrático e ao Estado de Direito.

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No primeiro turno, o atual presidente Jair Bolsonaro ficou atrás de Lula no total de votos, mas demonstrou grande força em algumas regiões do país, como no Sul e Sudeste. Para o pesquisador, a votação ainda decorre da rejeição ao PT:

– O eleitorado do Sudeste apresenta uma rejeição maior ao PT e ao ex-presidente e candidato Lula. A campanha do atual presidente assegurou importantes espaços nos interiores dos estados dado a repercussão positiva junto ao eleitorado mais conservador, da agenda de costumes conservadores. A dúvida é se a geografia eleitoral do segundo turno será igual ou similar – pontua Ferdinand.

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Na contramão da extrema direita, Niterói foi o único município do Rio de Janeiro no qual o ex-presidente Lula apresentou maior número de votos. Isso pode estar atrelado ao fato de que o ex-prefeito Rodrigo Neves permaneceu, ao longo da carreira, mais tempo filiado ao PT. Mesmo assim, foi acirrado. Lula, do PT, liderou com 46,56% dos votos válidos com 100,00% das urnas apuradas na disputa pela Presidência da República nas Eleições 2022. No segundo lugar no município, Jair Bolsonaro, do PL, recebeu 42,90%.

A cidade tem sido marcada nas campanhas eleitorais por uma grande polarização, que reflete o cenário atual do país. No primeiro turno, Icaraí, na zona sul da cidade e maior colégio eleitoral de Niterói, foi palco de grandes conflitos ideológicos. Esquina de grande movimentação do bairro, como a Lopes de Trovão com a Paulo Gustavo, ficou reconhecida por fortes divergências políticas, que se consolidaram com movimentos de apoio a Lula e Bolsonaro. A ponto das bancas de apoio à esquerda e à direita ficarem posicionadas quase uma colada à outra, compartilhando do mesmo espaço.

Segundo o especialista, a polarização não é uma característica exclusiva do Brasil. Na maioria das eleições recentes nos países da América do Sul, verifica-se resultados muito próximos, que assinalam uma clara divisão nas respectivas sociedades. O caso tanto do conservador Luis Alberto Lacalle Pou, no Uruguai, que venceu com 50,08 % dos votos, quanto na Colômbia de Gustavo Francisco Petro Urrego, que obteve 50,47 % dos votos, evidenciam isso. Ferdinand ressalta, porém, que as eleições no Brasil possuem uma “magnitude regional muito relevante” dado o tamanho da população, da economia, do território, entre outros fatores.

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– O pleito presidencial representa manter uma política externa acéfala ou retornar a uma tradição de 70 anos da diplomacia brasileira em protagonizar os esforços de integração na América do Sul. A mesma questão se dá em relação a outras instituições permanentes do Estado, como as Forças Armadas, por exemplo. O que o país quer? Forças Armadas com capacidade operacional cada vez mais crescente ou generais em palácios recebendo salários milionários em Brasília – questiona.

Terceira via: para onde vai?

Sem a presença da chamada terceira via, muito se questiona sobre para onde vão migrar os votos dados em Simone Tebet (MDB), que teve pouco mais de 4%, e em Ciro Gomes (PDT), que apresentou pouco mais de 3%. Alguns apontam para Bolsonaro, já outros acreditaram que eles podem se converter para Lula e há uma parcela da população que aposta no nulo, na falta de um representante que se aproxime mais dos seus ideais e anseios.

– Acredito que as três alternativas ocorrerão, mas creio que a candidatura Lula se beneficiará mais dos votos dos eleitores da Tebet e do Ciro. A discrepância entre os resultados se deve mais a um problema de amostragem na metodologia utilizada pelos institutos de pesquisa do que de mudanças de voto de última hora. Realmente Bolsonaro recebeu mais votos do que era previsto, mas não suficiente para sair do segundo lugar como apontavam as pesquisas – pontua.

Prioridades

Como observa Ferdinand, o campo da educação e o de políticas sociais não foram prioridade do governo Bolsonaro. Segundo o especialista, em uma eventual reeleição, estas áreas devem permanecer negligenciadas. Em relação à política econômica, ele acredita que “com certeza será mantida” e, com isso, o impacto negativo sobre a população será “avassalador”:

– O mandato do atual presidente representou uma década perdida em diversos setores fundamentais para o país. É o caso, por exemplo, dos investimentos pífios em ciência e tecnologia que condenam os brasileiros a ficarem cada vez mais longe da economia do conhecimento e, em termos gerais, mais longe de um futuro próspero e seguro. Todavia, se um governo do Bolsonaro foi uma catástrofe em todas dimensões, uma eventual reeleição terá um impacto muito maior no retrocesso institucional, econômico e social do país. Como desdobramento, o Brasil vai diminuir cada vez mais seu papel no concerto das nações até se tornar uma mera república de bananas, um caso raro na história mundial. A reeleição do Bolsonaro significa o compromisso da maioria do eleitorado com o fracasso e com o atraso, assim como a possível perda de esperança de um futuro melhor ainda neste século para o povo brasileiro.

Caso o Lula seja eleito, as demandas mais urgentes, segundo Ferdinand, devem ser pautadas por três principais metas: primeiro, construir uma ampla coalizão política que permita a governabilidade. Segundo, investir na diplomacia presidencial para superarmos a condições de párias internacionais; por fim, assegurar que a política econômica não somente proporcione o crescimento do país, mas como também e principalmente recupere condições de vida mais dignas à população.

*Sobre Thomas Ferdinand

Bacharel em História (1994) e Mestre em Relações Internacionais (1997) pela PUC-RJ. Doutor em Ciência Política (2005) pelo IUPERJ. Atualmente é Professor Adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Decano do Instituto de Estudos Estratégicos (INEST). Lidera o Laboratório de Integração Sul Americana (LISA) e é Coordenador do GT de Segurança Regional e Conselheiro do Fórum Universitário do Mercosul (FOMERCO). Membro do Conselho Científico do Multidisciplinary International Conference of Research Applied to Defense and Security. Tem experiência na área de Ciência Política e Relações Internacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: estudos estratégicos, segurança internacional, integração regional e defesa, gastos militares e orçamento de defesa.

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