Niterói por niterói

Pesquisar
Close this search box.
Publicado

Niterói tem 189 quilombolas, segundo o Censo Demográfico 2022 do IBGE

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

COMPARTILHE

No município, o Quilombo do Grotão, no Engenho do Mato, é referência cultural. O Brasil tem um total de 1.327.802 de quilombolas
A entrada do Quilombo do Grotão. Foto: leitor
Entrada do Quilombo do Grotão, em Niterói. Fotos: arquivo

Pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) incluiu, na realização do Censo Demográfico, um levantamento para saber quantos são e onde vivem os quilombolas brasileiros.

O Censo Demográfico 2022 mostrou que a população quilombola residente no Brasil é de 1.327.802 pessoas, correspondendo a 0,65% da população. Do total de 5.568 municípios brasileiros, em 1.696 existem população quilombola. Niterói é um deles.

Na cidade, foram identificados 189 residentes autodeclarados quilombolas que vivem em 86 domicílios.

Leia mais: Domicílios desocupados em Niterói detectados pelo Censo entram no debate sobre o PL do Gabarito

Bahia lidera

Dentre os municípios brasileiros, Senhor do Bonfim (BA) destaca-se por ter a maior quantidade absoluta de pessoas quilombolas: 15.999, seguido de Salvador (BA), com 15.897; Alcântara (MA) com 15.616 e de Januária (MG) com 15 mil pessoas.

A Bahia é a Unidade da Federação com maior quantidade de quilombolas: 397.059 pessoas, ou 29,90% da população quilombola recenseada. Em seguida, vem o Maranhão, com 20,26% dessa população (269.074 pessoas). Juntos, os dois estados concentram metade (50,16%) da população quilombola do país. A seguir, vêm Minas Gerais (135.310), Pará (135.033) e Pernambuco (78.827) que, somados, reúnem 26,3% da população quilombola.

O Rio de Janeiro ocupa o 12º  lugar do ranking populacional quilombola com 20.344 pessoas.

 

Segundo Marta Antunes, responsável pelo Projeto de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE, a distribuição geográfica dos quilombos tem vínculo com todo o processo de colonização e escravização, mas também com a resistência a essa situação histórica que levou a várias ocupações territoriais com concentração perto e ao longo dos rios.

– A população quilombola se identifica não só pelo processo de escravização, mas principalmente pela resistência à opressão histórica – disse ela.

Territórios

Dos 1.696 municípios onde vivem quilombolas, apenas em 326 essa população reside em territórios oficialmente delimitados. Os maiores contingentes estão nos municípios de Alcântara/MA (9.868 pessoas), Abaetetuba/PA (7.528 pessoas) e Oriximiná/PA (4.830 pessoas).

Em Niterói, 100% dos moradores que se autodeclararam quilombola vivem fora de território demarcado.

Assim, de acordo com o Censo 2022, os territórios quilombolas oficialmente delimitados abrigam 203.518 pessoas, sendo 167.202 quilombolas, ou 12,6% do total de quilombolas do país.

– Com essa divulgação, o IBGE atende a uma demanda histórica da sociedade brasileira, dos órgãos governamentais e dos movimentos sociais. Conhecer o número de pessoas quilombolas e como elas se distribuem pelo país, no nível de municípios, vai orientar políticas públicas de habitação, ocupação, trabalho, geração de renda, e regularização fundiária – afirmou Marta Antunes.

Leia também: Niterói tem mais de 35 mil domicílios desocupados; veja o que o Censo 2022 revela sobre a cidade

Quilombo do Grotão

Niterói tem um quilombo célebre: o Quilombo do Grotão. Localizado no bairro do Engenho do Mato, em meio ao Parque Estadual da Serra da Tiririca, unidade de conservação de proteção ambiental, a área quilombola resiste por ali como valorização dos saberes e práticas ancestrais do povo negro há 66 anos. Sua história corrobora os dados que, agora, o IBGE divulga sobre os quilombolas brasileiros.

Renatão (D) e seus familiares no Quilombo do Grotão.

A história

Há cerca de um século, nos anos de 1920, Manoel Bonfim e sua esposa, Maria Vicência, descendentes de negros escravizados no estado do Sergipe, deixaram o Nordeste e cruzaram o país a bordo de um caminhão para trabalhar na Fazenda Engenho do Mato, de propriedade de Irene Lopes Sodré, responsável pela produção em larga escala de farinha, banana prata (até 3 mil quilos por mês) e hortifrutigranjeiros.

Foi depois de 28 anos de lavoura, principalmente em bananais, que a história da família de Renato com a terra que hoje é o Quilombo do Grotão começou de fato a ser escrita. Na década de 50, o negócio faliu. A partir daí, Manoel e Maria ganharam, como indenização, cerca de dois alqueires e meio de terra, além de duas mil mudas de banana para recomeçar a vida.

A vida da família Bonfim transcorreu com normalidade até 1956, quando a especulação imobiliária começou a assolar pelas terras do bairro, nomeado atualmente como Engenho do Mato, homônimo à antiga fazenda. Nos anos de 1960, o Estado precisou intervir para dividir as terras e assegurar que a família de Manoel e Maria permanecesse com a sua área.

– Meu avô veio de Sergipe para trabalhar aqui. A escravidão havia sido abolida há pouco, mas as condições de vida não mudaram muito. Minha avó contava muita história da escravidão quando morava no Sergipe. Ela tomava conta dos filhos dos senhores de engenho. Então eles vieram Trabalhar para ter onde morar, e ainda pagavam parte da produção que conseguiam por fora. Quando a propriedade fechou, eles ficaram na terra. Eram 30 famílias. Descendentes de apenas 15 delas continuam aqui – contou o líder comunitário do local, José Renato Gomes da Costa, o Renatão do Quilombo.

A briga pela terra

Depois de resistir por 55 anos, o Quilombo do Grotão passou a travar uma batalha pelo território. Com a demarcação do Parque Estadual da Serra da Tiririca (Peset) pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA), em 1991, para a proteção ambiental, um plano de manejo elaborado em 2003 previa a remoção dos residentes da área.

Diante desse cenário, os moradores, liderados por Renatão, se mobilizaram. Com a intenção de dar visibilidade àquela ameaça e arrecadar verbas para a fundação de uma associação própria, passaram a promover uma programação cultural no local para atrair a atenção pública.

– Houve uma reação, que dura até hoje. Começamos a fazer algumas feijoadas na lenha para arrecadar dinheiro e criar nossa associação – explicou.

Naquela época, eles não poderiam imaginar que a feijoada do Quilombo do Grotão se tornaria uma referência gastronômica de Niterói.

Reconhecimento

A ameaça de desapropriação foi parcialmente sanada com uma emenda à lei estadual de criação do parque. Além disso, também o Decreto Federal nº 4887, de 2003, fortaleceu a comunidade ao garantir o reconhecimento e a delimitação da propriedade, pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), de toda terra ocupada por remanescentes de quilombolas, segundo sua trajetória.

Nesta época, oficializou-se seu nome, inspirado nas grandes grotas d’água existentes na subida ao local.

Hoje, na sexta geração da família Bonfim, o Quilombo do Grotão consolidou-se como celeiro da resistência da cultura negra na cidade. Com cerca de 60 pessoas, o local foi reconhecido, em 2016, pela Fundação Cultural Palmares, órgão vinculado ao Ministério da Cultura voltado para a preservação da cultura afrodescendente. A Fundação certificou a autenticidade da comunidade tradicional que se autodefine como quilombola.

Desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, é assegurado aos quilombolas o direito à terra. As comunidades formadas e nas quais hoje moram descendentes de pessoas escravizadas têm direito à titulação de suas propriedades. Apesar de reconhecida pela Fundação Palmares, o Quilombo do Grotão nunca teve a documentação regularizada.

Ponto de cultura afro-brasileira

Quilombo do Grotão promove aulas em prol da cultura afro-brasileira.

O Quilombo do Grotão se tornou Ponto de Cultura, pelo programa Rede Cultura Viva de Niterói, que traça um mapeamento de toda a produção cultural da periferia do município, com o objetivo de aumentar a interlocução entre a prefeitura e as ações realizadas em nível local.

Lá são realizadas atividades que vão desde oficinas com ervas medicinais para a produção de sabonetes, até aulas de percussão, capoeira e artesanato. O Grotão se tornou um espaço de referência também para os amantes da tradicional feijoada à lenha e da roda de samba “raiz”, como é orgulhosamente chamada.

O dinheiro dos eventos é revertido em obras de saneamento, sinalização, água, eletricidade e sustentabilidade. A preservação do meio ambiente, aliás, é objeto de grande defesa dos moradores, conscientes de sua origem na agricultura e da relação direta da natureza com uma vida de qualidade.

O Quilombo do Grotão fica na Rua 41, sítio 77 Manoel Bonfim, Serra da Tiririca, no Engenho do Mato.

 

COMPARTILHE