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Inundações provocadas por chuvas extremas, aumento do volume das águas do mar e ressacas cada vez mais potentes e recorrentes, avançando sobre o litoral. É isso que Niterói deve enfrentar como consequência do aquecimento global, que está provocando aumento do nível dos oceanos.
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O quadro é apenas uma “ponta de iceberg”, se o “iceberg” não derreter antes, dos problemas apontados no recém-concluído “Cenário Otimista de elevação do nível médio do mar de 0,50 m e Possíveis Impactos Ambientais, Resultantes de Variações de Marés, na Cidade de Niterói”, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), entre eles, os professores Fábio Ferreira Dias (Departamento de Análise Geoambiental) e Rodrigo Amado Garcia Silva (Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente).
– Já não é mais uma simples hipótese a elevação do nível dos oceanos. A comunidade científica internacional trabalha, dentro de uma estimativa otimista, que essa elevação será de 0,50 m. A projeção pessimista é uma elevação de até 2,5 m. O que vai determinar esse nível é o CO2 que é lançado na atmosfera em consequência das nossas ações, dos seres humanos. Esse gás de efeito estufa está mudando o clima da Terra e provocando o derretimento de geleiras e a própria expansão térmica dos oceanos, o que causam o aumento do nível do mar – explicou Rodrigo, Engenheiro Civil e Ambiental, Coordenador do LABCOST (Laboratório de Modelagem de Processos Costeiros) da UFF.
É verdade que o aumento do nível dos oceanos vai acontecer de forma gradual e esse cenário, seja o otimista ou o pessimista, tem projeção para ser alcançado até 2100. O objetivo do estudo é ajudar cidades a se prepararem para o que vem por aí. E não só Niterói. Os professores já fizeram a “lição de casa” para outros sete municípios do Estado: Rio de Janeiro, Mangaratiba, Paraty, Angra dos Reis, Macaé, Cabo Frio, Búzios e devem iniciar, agora, a análise dos impactos das mudanças climáticas em São Francisco de Itabapoana.
Em Niterói, as regiões costeiras são as mais expostas, mas o impacto em cada uma delas será diferente. De acordo com o estudo, a Região Oceânica é a mais vulnerável de todas. Entre os bairros, esse “título” vai para Piratininga.
Documento elaborado pela secretaria municipal do Clima como contribuição às discussões relacionadas com o Projeto de Lei Nº 00161/2022, que trata do uso do solo e da reforma da Lei Urbanística de Niterói, utilizou dados do estudo da UFF. Diz o documento:
“A Região Oceânica é a mais exposta e suscetível a perdas de diversos ecossistemas, além de perdas econômicas, afetando cerca de 2.950 domicílios e mais de 9.000 moradores dessa região. Vale destacar também que não existe uma previsão temporal de quando este processo de elevação do Oceano, que está em curso, se dará na íntegra. Os autores argumentam, no que diz respeito à Região Oceânica, que a vulnerabilidade maior, em específico, do Sistema Lagunar Itaipu-Piratininga, ocorre devido à supressão da vegetação nativa, ou seja, do manguezal que funciona como uma barreira físico-natural, aliado ao processo de urbanização que no caso de Piratininga. As simulações mostram que nos dois cenários de inundações (otimista e pessimista), a Região Oceânica será a mais suscetível devido à concentração urbana em terras baixas, isto é, na planície costeira com até 10 metros de altitude” .
De acordo com o estudo, as terras situadas até 10 metros acima do nível médio do mar abrangem aproximadamente 29.940.417 m², o que significa cerca de 24,15% do município. Ou seja, as terras baixas de Niterói representam quase 1/4 da área municipal.
De forma resumida, o que o estudo aponta, no que diz respeito à região de Praia da Baía, é que essa área sofrerá, principalmente, em consequência de grandes alagamentos. Mais ainda quando chuvas extremas aconteceram em época de maré alta.
– Em janeiro deste ano tivemos um exemplo dessa situação quando Niterói enfrentou dias seguidos de chuva em grande volume, com maré alta. Praticamente toda a cidade teve grandes alagamentos sendo que Charitas foi o caso mais emblemático – lembrou Fábio, Geógrafo e Gestor Ambiental, Coordenador do Núcleo de Estudos em Ambientes Costeiros da UFF.
Em termos de avanço do mar, segundo os professores, imaginando a praia de Icaraí, como é hoje, no trecho entre as ruas Miguel de Frias e Joaquim Távora, a projeção é que a água chegaria até pouco mais da metade da areia.
Já na Região Oceânica, os desafios estão relacionados com ressacas. Fábio observou que essa situação também não é novidade na região que já teve seu calçadão à beira mar destruído várias vezes:
– A ‘novidade’ em relação às ressacas é que se tornarão mais recorrentes e cada vez mais potentes. E vão aproximando o mar de lugares em que não chegavam antes. Os estudos indicam que a beira mar vai avançar e se aproximar de onde hoje é o calçadão, mas não vai ultrapassá-lo. Nós usamos esse conhecimento do passado, os fatos que já aconteceram, para entender o presente e projetar o que pode vir a acontecer no futuro. A natureza avisa, o tempo todo. Nós decidimos se vamos dar atenção ou não aos avisos.
Em relação ao bairro de Piratininga, o estudo apontou como sendo a região mais vulnerável de toda Niterói porque, além da ressaca, na praia, sofrerá com inundações nas áreas no entorno da Lagoa, “devido à supressão da vegetação nativa”, como o documento da secretaria do Clima já mencionara.
Diante desse quadro, a secretaria do Clima apresentou três proposições como contribuição ao PL 161 que foram:
O documento da secretaria ainda informa que nas orlas costeiras em processo de urbanização, principalmente na porção leste da Região Metropolitana como na cidade de Niterói, “a proximidade das construções em relação às praias representa um risco potencial que pode ser minimizado com a adoção de faixas non aedificandes”.
Diz ainda o documento da secretaria do Clima:
“É sinalizado que a tendência de realinhamento das linhas de praia em busca de novos arcos de equilíbrio diante das novas direções dominantes de propagação das ondas, em virtude das Mudanças Climáticas, que atingem a praia, por se tratarem de efeitos persistentes, poderá trazer sérios problemas em arcos de praia em zonas urbanas, como as praias oceânicas do Rio de Janeiro e Niterói”.
Na opinião do arquiteto e urbanista Augusto Cesar Alves, integrante do Conselho Consultivo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) RJ – Leste Metropolitano, as contribuições da secretaria do Clima, para o PL 161, foram “diretrizes de ordem gerais”.
Ele chama a atenção para o fato de que, justamente em Piratininga, o texto do PL 161 não sofreu alteração, após o envio de sugestões nas Oficinas, relacionadas com as comunidades da Barreira e Ciclovia, que ficam às margens da Lagoa – uma área vulnerável, de acordo com os estudos da UFF:
– O PL manteve a possibilidade de construções na beira de lagoa de até 9 pavimentos. No momento, aquelas comunidades estão em processo de titularidade. Ou seja, poderão vir a vender suas propriedades para construtoras, se quiserem. O documento da secretaria é genérico, afirma conhecimentos já sabidos e não indica efetivamente, o que pode ou não ser feito para proteger a cidade. Lembrando que os bairros de São Francisco, Charitas e Piratininga já sofreram acréscimos por aterros. Além disso, ao longo de toda a praia de Piratininga existia uma duna – afirmou.
De acordo com os professores da UFF, Niterói como todas as cidades costeiras, precisa estabelecer “estratégias de resiliência” para enfrentar o que já se sabe que virá pela frente.
– Uma reforma urbanística é uma excelente oportunidade para se criar uma Niterói mais resiliente às consequências das mudanças climáticas. É preciso lembrar que a cidade ficará mais vulnerável às ressacas. O engordamento da Praia de Piratininga, por exemplo, é importante porque é uma estratégia de resiliência – afirmou Rodrigo.
O estudo “Cenário Otimista de elevação do nível médio do mar de 0,50 m e Possíveis Impactos Ambientais, Resultantes de Variações de Marés, na Cidade de Niterói” foi encabeçado pelo pesquisador Vilmar Leandro do programa de Pós-graduação em Engenharia de Biossistemas da UFF. Contou com a orientação dos professores Fábio Ferreira Dias e Rodrigo Amado Garcia Silva.
Alguns dados do estudo:
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