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Nada de trenós: Papai Noel, em Niterói, conduz ônibus

Por Gabriel Mansur
| aseguirniteroi@gmail.com

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Conheça a história do motorista que se fantasia de Papai Noel e distribui balas e lembrancinhas para passageiros
Motorista de ônibus se fantasia de Papai Noel em Niterói. Foto: Gabriel Mansur
Motorista de ônibus se fantasia de Papai Noel em Niterói. Fotos: Gabriel Mansur

Reza a lenda que, na noite da véspera de Natal, um velhinho gordinho e simpático percorre os céus por todo o mundo, à bordo do seu trenó, puxado por Rudolph e outras oito renas. Com ele, leva presentes às crianças que se comportaram bem durante o ano. Como uma boa fábula infantil, esta, em particular, tem suas variações.

Leia mais: “Está tudo caro”. O aperto de moradores de Niterói para preparar a ceia de Natal

Em Niterói, em meio a motocicletas e carros barulhentos, não há trenó e nem renas. Muito menos elfos ajudantes. É na companhia de seu fiel escudeiro trocador, ao volante de um ônibus de 18 metros de comprimento e quase 15 toneladas, que o motorista Mauro Nascimento dos Santos, de 55 anos, escreve seu próprio conto natalino.

Antes do “mergulho” na história, é importante deixar claro que, como qualquer ficção, esta tem uma brecha à licença poética. Dito isto, lá vai: Mauro não é o verdadeiro Papai Noel que percorre o mundo. Também não trabalha como motorista regularmente. Na verdade, ele é o inspetor geral da Viação Pendotiba, empresa de ônibus de Niterói. Mas, que as crianças não saibam desses detalhes.

Há 15 anos, Mauro Nascimento dos Santos enfeita um ônibus da empresa onde trabalha como inspetor geral.

Todo mês de dezembro, há 15 anos, Mauro coloca um gorro vermelho, uma longa barba branca e usa uma roupa vermelha com detalhes em branco. Fantasiado como manda o figurino, ele sai pela cidade na condução de um ônibus repleto de apetrechos e decoração natalinos, com direito a canções de Natal como som ambiente. Pelo caminho, oferece doces e lembrancinhas, não apenas aos passageiros, mas também aos curiosos que não se olham, porém se esbarram pelas ruas.

– Eu amo enfeitar o ônibus para poder levar alegria para os passageiros neste período especial. Estou há 15 anos fazendo isso aqui na Viação Pendotiba. As pessoas ficam muito felizes, o que também me deixa muito emocionado. Tem senhoras que entram e choram com a decoração, com a fantasia, dizem que eu mudo o dia delas – destacou.

Fazer o bem sem olhar a quem

Na época do Natal, as crianças costumam escrever uma carta para o Papai Noel dizendo o que querem ganhar. Só que, neste caso, Mauro é o Papai Noel. Ele lê os pedidos da criançada, principalmente as mais vulneráveis, e faz questão de atendê-los.

No dia 25 de dezembro, antes da ceia com a família, ele roda comunidades carentes de Niterói com seu “saco de presentes”. Uma vez se endividou para comprar algumas bicicletas. Isso mesmo, mais de uma. Segundo ele, valeu a pena.

Mauro também usa uma bengala como parte do figurino.

– Eu só perco dinheiro com isso. Teve uma vez que fiquei pagando meu cartão, em parcelas, durante mais de um ano. Isso porque pedi para as crianças escreverem cartinhas e muitas delas pediram bicicleta, celular e essas coisas. Fui comprando no cartão para levar para as comunidades, sozinho, por conta própria, e acabei me endividando. Mas valeu a pena – ressaltou, com olhos lacrimejados.

Era uma vez…

Tudo começou há 38 anos. De origem pobre e com outros 12 irmãos, Mauro conta que sua mãe não tinha condições financeiras para comprar presentes ou preparar a ceia para todo mundo. Por 16 anos, durante toda sua infância e adolescência, a data passou em branco. Até que, no verão de 1984, uma vizinha o convidou para ser o Papai Noel da comunidade.

Na época, o motorista morava no bairro Taquara, Zona Oeste do Rio de Janeiro. No dia 24 daquele ano, ele se fantasiou de Bom Velhinho pela primeira vez. Desde então, repete a ação anualmente.

O ônibus do Papai Noel de Niterói.

– Eu tive uma infância muito difícil. Minha mãe teve 13 filhos e era difícil no Natal ter um presente. Quando usei a roupa de Natal, pela primeira vez, aos 17 anos, foi maravilhoso. Vi muitas crianças emocionadas, então, não parei mais desde então – ilustrou.

Passageiros se emocionam

Na quinta-feira, dia 22 de dezembro, o A SEGUIR: NITERÓI embarcou no ônibus do Papei Noel. Ele saiu da garagem da Viação Pendotiba, em Várzea das Moças, e dirigiu até o terminal Rodoviário João Goulart, no Centro. Durante toda a viagem, aliás, ele cantava, dançava e buzinava “sinfonicamente” aos pedestres.

Logo no primeiro ponto, os usuários da linha 46 formaram uma fila para tirar fotos com o Bom Velhinho. Ao longo do trajeto, em meio a 62 paradas, muitos outros repetiram o gesto.

Passageiros pedem para tirar foto com Papai Noel motorista.

– É curioso como esse tipo de ação tem o poder de mudar nosso dia. Às vezes a gente acorda cedo, levanta de mau-humor por qualquer motivo, nem sempre relevante, e passa 24 horas estressado. Hoje tinha tudo para ser assim, mas agora estou aqui sorrindo. Essa decoração, essa fantasia, foi tudo uma excelente ideia – destacou Enésio Tenório, de 67 anos.

Neide Costa teve uma opinião semelhante. Primeira passageira a entrar no ônibus, por volta das 8h10, a cabeleireira registrou o momento. Ao final da viagem, ela deixou uma caixinha de Natal para Mauro e o trocador, Alexsandro.

Mauro é requisitado para fotografias. Foto: Gabriel Mansur

– Fiz questão de dar um dinheiro para o motorista e também para o trocador. Eu sei que toda essa ornamentação não foi barata, e isso é o mínimo que eles merecem. Se todos fossem assim, o mundo seria muito mais bondoso do que realmente é – finalizou.

Os pedidos para o bom velhinho

Encontrar o Papai Noel é como ver uma estrela cadente: impossível não fazer um pedido. A recepcionista Mariana Melino fez sua parte. Segurou na mão de Mauro e pediu paz e saúde para 2023.

– Depois dessa pandemia, a única coisa que eu peço é saúde para mim e para os meus. Vimos muita gente morrendo nesse período, muita gente doente, e sabemos que, sem saúde, qualquer outro pedido vira algo um pouco superficial. Mas também não dá para viver com medo de andar nas ruas. A violência é um terror, tanto em Niterói quanto em qualquer lugar. Então saúde e paz bastam – destacou.

Passageiros formam fila para andar no ônibus do Papai Noel. 

Menos violência, aliás, é o principal desejo dos moradores.  Prova disso é Ítalo Dias:

– Tenho um teto para dormir e comida na mesa todo dia. Isso é o mais importante. Eu prefiro agradecer pelo que tenho, mas, se tivesse um desejo, pediria menos violência. E talvez um salário melhor do que eu ganho atualmente – concluiu.

Já que é Natal, o autor da reportagem, também faz um pedido, se não for muito incômodo, claro: menos trânsito na cidade. Vai que o Papai Noel motorista consegue fazer milagres como nos filmes infantis…

Onde encontrar o Papai Noel

Àqueles que ainda não tiveram a oportunidade de “viajar” ao lado do motorista Papai Noel, em Niterói, têm até o dia 31 de dezembro para fazê-lo. Mauro e seu ônibus costumam passar pela praia de Icaraí, no período da manhã, com a linha 46.

Por ser o ônibus principal da empresa e por exercer uma função de chefia frente aos outros motoristas, ele tem a autonomia de alterar a linha. No dia da reportagem, por exemplo, o trajeto de volta, mudou para o da linha 48, que passa por Pendotiba e Maria Paula. O destino final é Rio do Ouro. Normalmente, faz quatro viagens, entre 8h e 13h.

A partir de janeiro, o ônibus volta ao verde original do consórcio Transoceânico. Mauro, ao mesmo tempo, retorna para o Polo Norte, quer dizer, ao escritório da empresa, onde tem a função de inspecionar os outros motoristas.

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