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O ano em que as mulheres ganharam voz na cena da MPB; livro sobre marcos da música em 1979 busca financiamento coletivo

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Obra escrita por artistas e jornalistas de Niterói revisita mais de 90 LPs lançados em 1979, ano marcado pela anistia, produção independente e ascensão das mulheres no mercado fonográfico
capa nelson sargento
Capa do disco do Nelson Sargento: samba de um sambista. Foto: Divulgação

O ano era 1979. O país vivia o início do período de anistia política e os artistas brasileiros começavam a ver a produção fonográfica independente como uma saída. As mulheres, cantoras e compositoras, se destacavam rumo à abertura de seu espaço no cenário musical. A cantora e compositora Joyce Moreno costuma dizer que “a MPB tem resposta para tudo e sempre prova”. Não por acaso, a música popular brasileira teve “resposta” e reagiu ao ano de 1979 de forma revolucionária. Foi inspirado nesse contexto que nasceu o livro “1979 – O ano que ressignificou a MPB”. Na obra, mais de 90 LPs da época ganham histórias escritas por artistas e jornalistas, que resgatam a memória de um ano em que a música popular brasileira falou por si só. Em forma de prosa, resenha, reportagem ou entrevista, cada autor dá a sua assinatura ao seu capítulo. A organização e a curadoria do conteúdo ficou a cargo do jornalista Célio Albuquerque.

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O lançamento está previsto para o segundo semestre de 2022 e depende do resultado da campanha de financiamento coletivo lançada pela editora Garota FM Books, comandada pela jornalista e pesquisadora musical, Chris Fuscaldo, na plataforma do Catarse. Até o momento, a campanha já arrecadou 60% do valor necessário para alcançar a meta. O financiamento fica no ar até o dia 27 de janeiro. Mais informações estão disponíveis pelo link.

O A Seguir: Niterói conversou com a diretora da Garota FM Blooks, Chris Fuscaldo, com o organizador do livro, o jornalista Célio Albuquerque, e com dois autores que colaboraram para a obra: o jornalista e pesquisador musical de Niterói Ricardo Schott e o escritor, historiador e ex-presidente da Fundação de Artes de Niterói (FAN), André Diniz.

A diretora da Garota FM Blooks conta que tudo começou quando, em 2013, o jornalista Célio Albuquerque lançou o livro “1973: o ano que reinventou a MPB”, composto por artigos, numa versão um pouco mais enxuta. No total, são 40 artigos feitos por jornalistas e pesquisadores musicais. O sucesso foi tanto que o Canal Brasil resolveu fazer uma série inspirada no livro.

– Os pesquisadores e jornalistas musicais têm o ano de 1979 como um ano muito fértil para a música brasileira. Foram tantos discos lançados em 1979 que mais que dobrou o número de autores do livro anterior. Virou uma bíblia. Um livro de quase 600 páginas. De Fabio Jr a Tim Maia, passando por Gilberto Gil, Roberto Carlos, Elba Ramalho…. É um livro que aborda muito as mulheres, porque foi um ano em que elas tiveram mais oportunidades no mercado.  O livro tem um artigo escrito pela Joyce Moreno, que foi uma das primeiras mulheres a abordar temas feministas em suas composições. Ela fala sobre “Essa mulher”, álbum da Elis que carrega o nome de uma música composta pela Joyce. O livro mostra essa entrada das mulheres – explica.

De acordo com a pesquisadora, atualmente menos de 8% das mulheres são responsáveis pela arrecadação dos direitos autorais no Brasil. O que significa dizer que, se o ano de 1979 foi considerado um ano fértil e de muito valor para as mulheres que viriam depois, é necessário ainda muito chão para alcançar outros patamares de visibilidade. “Se tem pouca mulher compondo música, imagina pesquisando”, completa.

Chris conta que muitas das vezes a cantora Joyce Moreno era obrigada a assinar a produção em conjunto com outra pessoa, mesmo sendo a única responsável pelo trabalho.

– A Joyce era muito a frente do tempo. Luli e Lucinha são duas pioneríssimas na produção, também com destaque no livro. Chegaram, inclusive, a fazer financiamento coletivo numa época que não existia esse nome ainda. Tem a Rita Lee também que tinha uma atitude de pé na porta, de deboche e de provocação – afirma.

Disco “Ave de Prata” de Elba Ramalho, lançado em 1979. Foto: Divulgação

– No livro, escrevo sobre o primeiro disco da Elba Ramalho. Ela já estava no Rio, em 1974, fazendo teatro, com a peça “Ópera do Malandro”, de Chico Buarque. Quando ela lança o disco, ela é super criticada. Dava para ver um preconceito muito grande em cima dessa mulher nordestina. O sotaque, o cabelo, o comportamento dela… Ela era muito revolucionária. No lugar de analisar o disco, eu optei por contar uma história que era um retrato de um momento de como em 1979, apesar do maior espaço às mulheres, tinha muito preconceito em torno delas. Elas não podiam ser exatamente o que elas queriam. A gente tem essas e outras mulheres tentando romper barreiras, mas um caminho muito lento e árduo e, sem dúvida, se não fossem elas, as de hoje não estariam fazendo nem metade do que estão fazendo – completa.

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O jornalista musical e organizador do livro, Célio Albuquerque, Lizzie Bravo, Joyce Moreno e Tiago Alves após gravação do programa Armazém Cultural, da Rádio MEC, apresentado pelo Tiago Alves. O programa foi uma homenagem aos 95 anos da rádio MEC e os 50 anos de carreira de Joyce Moreno. Foto: Arquivo Pessoal

Como tudo começou

O jornalista musical Célio Albuquerque conta que a ideia do livro surgiu após um curso que realizou no SESC junto aos jornalistas Rodrigo Faour e Mauro Ferreira. O processo todo do livro durou  dois anos, entre convites aos autores e composição dos textos. O sucesso de “1973: o ano que reinventou a MPB” também contribuiu para o projeto. A escolha dos artigos foi orgânica. Célio diz que o que definiu a escolha do artista de cada autor, em linhas gerais, foi a identificação com a obra de cada cantor e compositor e com as histórias que iam contar, além dos discos que iam analisar.

Capa do disco “20 palavras ao redor do sol”, de Cátia França. Foto: Divulgação

– É uma relação de identidade e afeto com a obra ou o disco. Os textos deste livro não obedecem um viés. Alguns são extremamente jornalísticos, em outros, o caráter mais pessoal fica em primeiro plano, não deixando de fora as informações, claro. É algo empírico. Às vezes os próprios autores do livro sugeriram nomes. É um livro que contempla autores de diversas regiões do Brasil. A gente se preocupou com essa diversidade de visões. Vários deles conversaram com os artistas e participaram efetivamente do livro. Há ainda discos muito fortes e contundentes que firmam a força da mulher – pontua.

“Agoniza mas não morre”

O livro, como bem aponta o escritor e ex-presidente da FAN, André Diniz, funciona como um almanaque. A ideia é que o leitor possa ir folheando e consultar aquelas obras que mais lhe interessam. No livro, André Diniz escreve, em conjunto com Diogo Cunha, o artigo “Nelson Sargento: sonho de um sambista.” O desafio foi resumir a contribuição do Nelson para o samba, sobretudo no século XX. André e Diogo também são autores do livro “Nelson Sargento: o samba da mais alta patente”, um perfil sobre o músico.

– O recorte que fazemos no artigo é de um disco emblemático que o Nelson lançou em 1979. Há comentários de cada faixa e, a partir dessas análises, vamos trazendo o perfil da trajetória do Nelson. É uma minibiografia contada a partir do disco dele lançado em 1979 – ressalta o escritor.

O sambista e compositor Nelson Sargento. Foto: Thiago Cortes

Pergunto para ele quais são as três contribuições mais presentes do Nelson Sargento para a cultura do samba. Ele me diz que um dos pontos mais fundamentais é a contribuição do músico para a Velha Guarda da Mangueira e as composições mais recentes.

O escritor e morador de Niterói André Diniz ao lado de Nelson Sargento. Foto: Arquivo Pessoal

– O Nelson era muito cultuado pelos compositores mais novos. Ele fazia essa ponte de memória com muita maestria. Não à toa ele vai ser parceiro póstumo do Cartola. Acho que outro legado que fica é que ele era multiartista. O Nelson escrevia poesia, era compositor e tem uma tradição muito forte. Ele era um sambista pintor, que retratava o próprio mundo. O terceiro legado é a obra que ele deixa. Ele não tem uma discografia muito extensa, mas era muito consistente com frases fortes, irônicas. No artigo, abordamos o “Primavera”, considerado um dos sambas enredos mais famosos da Mangueira, um dos mais elaborados, do ponto de vista clássico – explica.

O  jornalista e pesquisador Ricardo Schott fala do disco do Fábio Jr, lançado em 1979, que tem como uma das faixas a música “Pai”, maior sucesso autoral do cantor, muito marcado pela novela “Pai Herói” e acrescenta que se trata de um disco muito centralizado na obra dele e, por conta disso, muito autoral. Ele diz que reaproveitou alguns trechos de entrevistas que realizou com o Fabio Jr para alguns jornais, além de depoimentos do cantor para outros veículos.

Capa do disco Fabio Jr, lançado em 1979. Foto: Divulgação

– Eu tenho uma memória afetiva porque ouvia essa música em tudo que é lugar: na rádio, na TV, no disco que meus pais tinham. Nesse período da carreira dele, os arranjos tinham muita influência de black music. É um momento da música pop que é muito interessante de observar. As músicas que tocavam em rádio, em novelas, não são muito analisadas. Só de 20 anos para cá, quando o Paulo César Araújo lançou o livro “Eu não sou cachorro não” sobre música brega, que as pessoas passaram a ter um olhar diferente, uma nova perspectiva. Aqui no Brasil a gente tem grandes cantores de grandes nomes. É muito legal poder fazer parte de um projeto como esse, de valorização do livro, com tantas outras ferramentas disponíveis no mercado – conclui.

O jornalista e pesquisador musical, Ricardo Schott. Foto: Arquivo Pessoal

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