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Histórias que podem surgir no metrô, na volta do trabalho, numa mesa de restaurante, numa troca de mensagens, numa ida ao supermercado. Pequenos recortes do cotidiano. É o que propõe a escritora nascida em Curitiba que vive em Niterói desde o fim de 2017. A sensibilidade de observar uma situação que poderia passar despercebida e incorporar elementos ficcionais é o que move a jovem escritora Izabella de Macedo, mais conhecida como Iza, que acumula 134 mil seguidores no seu perfil do Instagram. O sucesso foi tanto que só este ano Iza, de 31 anos, lançou oito romances, alguns com continuação, totalizando 12 livros digitais. O primeiro livro, “Mulheres normais”, que teve versão impressa, foi lançado no início de 2020.
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O processo de criação de Iza nasce do que ela chama de testes, mais conhecidos como erro e acerto. A dinâmica das histórias, a forma como o público vai se relacionar e onde ela irá desembocar: tudo depende da reação de suas leitoras, de comentários e do diálogo. As histórias são geralmente no formato de mini-contos, sob o ponto de vista feminino.
– Não são histórias minhas, mas sempre sobre protagonistas mulheres, com pequenos recortes do dia-a-dia, como o cara que desmarca o encontro, uma ida à dermatologista, uma frustração sobre um determinado tema. A minha escrita é muito construída junto com o público. Não é só minha. Talvez ela nunca tenha sido. Justamente porque eu comecei a escrever no Instagram, que é uma plataforma de interação. Eu nunca conduzi a minha escrita sozinha – explica.
De um quarto de hotel em Trancoso, na Bahia, onde passa dias de férias, a escritora conversou com o A Seguir: Niterói sobre seu processo criativo, seus planos na literatura e sobre sua relação com a internet:
“Nunca fui uma mulher de rede social. Uso para interagir com meu público, para o trabalho”.
Confira a entrevista na íntegra abaixo:
A Seguir: Niterói: Quando começou o seu interesse pela escrita? Conte um pouco da sua relação com o texto.
Iza de Macedo: Acho que a minha experiência como mediadora de conflitos, como advogada, me ajudou na escrita, com as técnicas de comunicação, de negociação. Essa minha base me ajuda muito a escrever hoje. Eu estudei muito o relacionamento na base da comunicação e isso me trouxe ideias de soluções para conflitos. De alguma forma, isso se relaciona com o que eu escrevo hoje nos meus textos no Instagram. Mas eu comecei em 2018, com mini-contos. Cada texto era de uma protagonista diferente. Não são histórias minhas, mas sempre sobre protagonistas mulheres, com pequenos recortes do dia-a-dia, como o cara que desmarca o encontro, uma ida à dermatologista. O tamanho do texto comportava o limite de caracteres do Instagram.
E quando eu comecei a postar, em 2018, tive um retorno que eu não esperava. Foi meio surpreendente. Era uma forma de primeiro canal, como um teste. Como quem começa na escrita com um blog, eu acabei optando pelo Instagram. As mulheres começaram a curtir, compartilhar, a me seguir e isso acabou guiando meu primeiro ano na escrita.
E, apesar do protagonismo feminino, não há um eixo temático estabelecido. Olhando seu Instagram, a gente percebe a multiplicidade de assuntos. Mas tem um tema com o qual você se identifica mais?
Eu acho que o conflito sobre o qual escrevo é sempre em torno de um sentimento feminino. É a partir de algum recorte de uma sensação de uma mulher em uma determina situação que eu escrevo. É a frustração, por exemplo, que provoca uma história, uma crônica ou um conto. O eixo temático aborda várias situações cotidianas da mulher, mas meu foco é a sensação e as emoções que despertam frente a essas situações.
Como é o cronograma das suas postagens? Você estabelece uma linha temporal, tem uma periodicidade pré-definida ou é algo mais espontâneo?
É totalmente orgânico! Eu escrevo basicamente na hora que eu posto. Eu tenho um filho pequeno e trabalho de casa. Então, a hora que ele dorme por exemplo é o momento que eu escrevo alguma coisa e já posto. Eu não consigo escrever e guardar para depois os textos que eu posto no Instagram. O que eu posto é muito o que eu estou pensando na hora ou algo que eu observei de alguma questão que está fervendo em mim. Isso me ajuda porque, no momento que eu posto, eu já tenho um retorno do público e consigo entender melhor a dinâmica do que eu escrevo.
A minha escrita é muito construída junto com o público. Não é só minha. Talvez ela nunca tenha sido. Justamente porque eu comecei a escrever no Instagram, que é uma plataforma de interação. Eu nunca conduzi a minha escrita sozinha. Não consigo seguir um planejamento.
O primeiro livro que eu publiquei, o “Mulheres normais”, é um compilado das histórias que mais marcaram no meu perfil do Instagram. Ele está disponível tanto em e-book quanto na versão impressa e tem uns quatro textos inéditos. Foi publicado em 2020. E, neste ano, lancei vários e-books de romance.
É algo bem espontâneo, né? Você não costuma anotar num bloco de notas do celular ou num caderninho?
Exatamente. É super espontâneo. Às vezes eu observo um casal tomando café na mesa de um hotel. Pelo que acontece ali, naquela dinâmica, eu já imagino toda a história e já faço um post. Nesse processo, eu aprendi a usar o Canva, que é uma plataforma de edição de imagens e de design. E de lá salvo e já coloco no Instagram. É super prático porque eu já escrevo para o formato de carrossel (aquele que você vai passando as imagens para o lado). Funciona como capítulos. Tem histórias que eu crio a partir de mensagens que recebo das minhas amigas ou um áudio. Eu já imagino todo um decorrer a partir dali.
Tem uma mistura de elementos ficcionais com a realidade, então, pelo que você está me contando. É isso?
Eu geralmente pego um recorte da realidade, uma cena que eu vejo, alguma lembrança que eu tenho de alguma conversa com uma amiga e a partir desse recorte, muito pequeno, eu preencho com ficção todo o resto. Os romances que eu crio a partir de histórias do Instagram eu crio toda uma história da personagem, como de onde ela vem, a história da família dela. Aquilo que acontece depois, as saídas que a protagonista vai dar, os caminhos, os sentimentos que ela vai ter a partir dali. É tudo criação, é tudo ficção.
Como é o seu processo de criação?
Quando lancei meu primeiro livro, a pandemia estava começando, então o lançamento foi todo frustrado. O livro que estava previsto para ser entregue pela editora em março foi entregue em maio. Eu fiquei cheia de livro em casa sem saber o que fazer, até porque só se falava em pandemia. Era o que a mídia abordava. Então, resolvi aproveitar o cenário digital. Decidi que não ia mais mandar imprimir um monte de livro. No final do ano passado, resolvi criar histórias, divididas em capítulos, e fiz um teste para ver se o público se interessaria. Antes, eu postava os mini contos e as pessoas pediam por uma história mais completa, ficavam curiosas. Então em dezembro eu comecei a escrever capítulos diários da mesma protagonista, contar a história dela completa. E foi sucesso. Mais de mil comentários. As pessoas falavam: “Iza, continua, pelo amor de Deus”.
Em janeiro deste ano decidi fazer um romance com esses textos. Perguntei para o público e a resposta foi muito positiva. Entreguei de 15 a 20 dias depois o que foi vendido em pré-venda. Deu super certo. A partir daí, adotei esse método. Todo mês eu publico uma nova história e, se as leitoras acharem que vale a pena lançar um romance no formato e-book, eu faço o pré-lançamento daquela história que começou no Instagram. Eu não escrevo sozinha. Sou totalmente guiada pelo meu público. É legal porque vira um ambiente de discussão entre as próprias autoras.
Já teve alguma vez que você mudou o enredo da sua história depois de algum comentário do público?
Já aconteceu de eu perceber alguma discussão em pauta que eu não tinha pensado. Porque eu vejo que foi criada ali uma demanda daquilo que eu não tinha enxergado ainda e aí eu proponho algumas reflexões sobre a pauta. A minha ideia central é sempre expor sentimentos femininos que a gente tende a esconder por orgulho, vergonha, tabu.
E como está seu planejamento para os próximos anos? Você tem vontade de se arriscar em outro gênero literário? Ou se debruçar num tema que não tenha abordado ainda?
Neste ano eu lancei 12 e-books. No total, são oito romances. Alguns se desmembraram e tiveram continuação. Foram cerca de 4 mil livros digitais entregues em 2021. Eu tenho plano de expandir para outras redes para não depender de uma só e para atingir outros públicos, mas ainda estou avaliando como fazer isso. Porque faço tudo sozinha. Desde a escrita à interação com as leitoras, o design das artes, o planejamento do e-book, o lançamento. Tudo. Mas ainda não tenho desenho de uma estratégia. Estou atualmente só com o Instagram, mas é ele que entrega as cartas do jogo.
E qual a faixa etária do seu público?
99% são mulheres que estão localizadas nas cidades grandes, que trabalham fora, precisam pagar boleto e sofrem nos seus relacionamentos afetivos de forma geral. São mulheres que estão buscando independência, mas ainda possuem muitas pendências emocionais. A faixa etária é geralmente entre 25 e 35 anos.
Você se inspira em algum projeto já existente que você já tenho visto? Quais são suas referências?
Da forma como eu escrevo e interajo com meu público eu não me inspiro em ninguém, mas eu tenho na própria escrita. Meu sonho é ser alguém entre a Luiza Mussnich e a Aline Bei. Para mim, elas são as maiores autoras contemporâneas brasileiras. Mas eu venho de uma escola de ler muitos cronistas como a Tati Bernardes, a Camila Fremder, a Martha Medeiros. E como romancista a pessoa que mais me inspirou no sentido de me mostrar que o romance feminino traz realidades que não são românticas foi a Ana Maria Machado. Os romances femininos dela são incríveis, como “Canteiros de Saturno” e “A audácia dessa mulher”.
Quais mecanismos você recorre para interagir com seu público?
Eu nunca fui uma pessoa de mexer com redes sociais. Não gosto de ficar no Facebook, etc. Eu criei o Instagram para postar meus textos. Eu entro muito direcionada a responder a meu público, para responder às mensagens, aos comentários, ouvir o que elas têm a me dizer. Foi um ambiente que eu encontrei de ter uma relação direta com minhas leitoras. Eu respondo a dezenas de mensagens por dia. A conversa é toda pelo direct do Instagram. Como meus textos falam muito de sentimento, automaticamente é gerada uma identidade, então a mulher se vê naquela situação. Ela acaba falando comigo como se eu fosse a amiga dela. Eu não sou terapeuta, mas é um lugar de escuta que eu abri. E isso acaba criando um arsenal de consulta gigantesco, que contribui para o surgimento de outras histórias.
Não vejo na rede social um local de exposição da minha vida pessoal, é mais como um canal aberto para diálogo. Claro que esbarra nos algoritmos e a entrega nunca é 100%, mas eu vou muito por intuição e testes, erro e acerto.
Como é sua relação com Niterói?
Eu escrevo em casa. Minha relação com Niterói passa mais pelas praias, pela vida mais tranquila. Não é muito urbana. Eu sou de Curitiba, então aquilo que a cidade proporciona para mim é mais o contato com a natureza, que eu não tinha na minha cidade de origem. Até a minha própria casa é muito rodeada de verde. Eu vou pouco a lugares que não são abertos e gosto muito das praias de Itacoatiara, Piratininga e Itaipu.
Alguma dica de livro, uma série ou um filme?
Eu recomendo a leitura do livro “Pequena coreografia do adeus”, da Aline Bei. É um livro que muda a gente. Ela é maravilhosa. E poemas da Luiza Mussnich. Em relação à série, Maid, que está super em alta. Incrível também.
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