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A cerca de 35 Km de distância de Niterói, existe um portal que permite voltar no tempo. E não é pouco tempo não. São “apenas” 57 milhões de anos. São fósseis que datam dessa época, encontrados na região, que fazem do Parque Natural Municipal Paleontológico de São José de Itaboraí (PNMPSJI) um local de importância científica e turística, no Rio de Janeiro.
Não, não teve dinossauro por lá. Eles viveram no planeta há 66 milhões de anos. E exatamente por isso, o parque é tão importante para a paleontologia, especialidade da biologia que estuda a vida do passado da Terra e o seu desenvolvimento ao longo do tempo geológico.
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– Os fósseis encontrados no parque marcam o início da diversificação dos mamíferos que, antes, eram oprimidos pelos dinossauros, os grandes predadores – explica o paleontólogo Luis Otávio Castro, gestor do PNMPSJI.
O parque é considerado um dos mais importantes jazigos de fósseis, do Brasil, do período Paleoceno. São vestígios de vertebrados, vegetais, aves, anfíbios, répteis e mamíferos que, um dia, habitaram a região. Lá foi encontrado o mais antigo fóssil de tatu que se tem notícia, em todo o mundo. Não por acaso, o mamífero se tornou o símbolo do lugar. Dentre as aves, o local foi moradia de um ancestral da ema.
Para contar a história do parque, é preciso voltar no tempo até 1928. Nesse ano, pedaços de rochas chamaram a atenção de um fazendeiro, que levou o material para análise. Descobriu, então, que se tratava de calcário.
Calcário geralmente contém fósseis que fornecem aos cientistas informações sobre ambientes antigos e sobre a evolução da vida. Mas isso o fazendeiro não sabia (ou não estava interessado). O que ele sabia é que calcário é um tipo de rocha sedimentar, principal fonte do cal, que vem a ser matéria-prima para argamassas.
Resultado: a área foi vendida para a Companhia Nacional de Cimento Portland Mauá. Saiu de lá o cimento utilizado, por exemplo, na construção da Ponte Presidente Costa e Silva (Rio-Niterói) e do Estádio Mário Filho (Maracanã).
Até 1984, a exploração do calcário pela companhia foi sinônimo de progresso para o pacato bairro de São José. Porém, o calcário terminou e a empresa encerrou as atividades. Deixou para trás um buraco de 70 metros de profundidade, que foi progressivamente coberto com água da chuva e de veios subterrâneos, iniciando o surgimento de um grande lago. A natureza agradeceu o abandono e se regenerou no seu entorno e, hoje, o lago é o principal cartão postal do parque.
Em 1995 foram dados os primeiros passos, por parte do município de Itaboraí, para a transformação daquela então terra arrasada cuja importância foi sinalizada pelos paleontólogos. O Parque Paleontológico de São José (PPSJ) foi criado e logo foi eleito pela Comissão Brasileira de Sítios Geológicos e Paleobiológicos (SIGEP), órgão ligado à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), um dos patrimônios da humanidade.
Em 2018, o PPSJ foi reclassificado segundo o Sistema Nacional de Conservação da Natureza (SNUC), passando a ser denominado Parque Natural Municipal Paleontológico de São José de Itaboraí (PNMPSJI).
Com a eclosão da pandemia do Coronavírus, o parque ficou fechado por cerca de dois anos. Agora, novos ares voltaram a soprar para o local que começa a se livrar dos vestígios dos tempos de abandono.
Ao todo, o PNMPSJI ocupa uma área de 125 hectares. A antiga fazenda São José é a atual sede do parque que conta com quatro funcionários fixos e apoio da Guarda Municipal Ambiental de Itaboraí.
– É pouca gente para muito desafio. Porém, aos poucos, estamos recuperando as trilhas e vamos colocar placas de sinalização. Vários órgãos municipais de Itaboraí estão buscando soluções, dentro das suas áreas, que vão resultar em melhorias para o parque – conta Luis que se tornou paleontólogo porque nasceu e foi criado nas vizinhanças do PNMPSJI.
O local há tempos desperta o interesse da comunidade científica. Pesquisas de mestrado e doutorado de diversas universidades são feitas por lá. Uma delas, de doutorado, foi do próprio Luis que chegou a descrever um até então desconhecido mamífero.
Agora, cada vez mais, grupos de escolas de redes municipais estão visitando o parque. Ano passado, o local recebeu 2.700 alunos.
– Quando as crianças chegam, elas não têm ideia do que é um biólogo ou paleontólogo. Não têm ideia de como é possível extrair informações científicas de uma rocha. No final do passeio, alguns chegam a dizer que gostariam de trabalhar com algo assim quando crescer. Isso é o mais incrível para mim e compensa tudo – comenta Luís.
Três trilhas de diferentes tamanhos e graus de dificuldade são os caminhos que levam para a observação das preciosidades geológicas do parque. Qualquer pessoa pode visitar sozinha, mas é recomendável agendar a visita para que o passeio seja acompanhado por um guia que muito provavelmente será o próprio Luis:
– Quando você chega no parque, você é atraído pela beleza da natureza, o canto das aves e não dá a devida atenção para o que é, de fato, a beleza científica do local que são as rochas. A geociência é o nosso foco. Nas rochas estão os fósseis, que um olhar não treinado não vai reparar.
De fato. A repórter do A Seguir percorreu um trecho da Trilha Calcário Travertino, nome do calcário que durante 50 anos foi extraído para a produção de cimento. Teve a companhia de uma equipe da secretaria municipal de Turismo de Itaboraí que chegou ao local para conhecer melhor o parque e discutir com Luis alguns projetos.
A primeira parada foi justamente para observar a pedra e suas diferentes marcações que indicam diferentes períodos de tempo. Em seguida, um pedregulho teria passado totalmente despercebido, não fosse Luís chamar a atenção para ele: continha nada menos do que ossos incrustados na pedra de um crocodilo de 57 milhões de anos.
– Os répteis naquela época viviam mais na terra do que na água. Então, seus membros eram maiores do que os atuais. Eles não se locomoviam tão rentes ao chão – informou Luis.
Mais adiante, ele se abaixou e pegou o que também parecia uma pedra qualquer. Porém, nem pedra era. O que o paleontólogo tinha nas mãos era um gastrópode, vulgo caracol, também com seus 50 e tantos milhões de anos nas costas.
As outras trilhas se chamam Ankaramito e Morro da Dinamite. A primeira foi batizada com o nome da rocha vulcânica existente no parque que foi fundamental para que os pesquisadores fizessem a datação de suas descobertas. A segunda, de 8 km, leva para o local onde, no passado, eram feitas as explosões na rocha.
O parque conta com um museu onde se encontra a peça mais “instagramável” pelas crianças que o visitam: uma réplica em madeira de uma preguiça, de três metros de altura.
– A preguiça foi construída a partir das informações que encontramos, aqui, sobre o animal. Se tem 3 metros de altura é porque é uma jovem preguiça – explica Luis.
O museu também tem uma foto do Riostegotheirum: o tatu estrela do parque. Sala para projeção de vídeo e laboratórios também fazem parte da estrutura de visitação.
– O nosso grande desafio é mostrar para a população local a real importância do parque. São José, hoje, é um bairro dormitório. O parque pode fomentar o turismo e gerar emprego para a região. Sei que com a carência de tantas coisas básicas, a Ciência acaba ficando em segundo plano. Só sendo preservado que o parque será benéfico para a população local. Porém, só se preserva o que se conhece. E muita gente por perto não conhece o parque – observa Luis.
Parque Natural Municipal Paleontológico de São José de Itaboraí – Rua José de Almeida, s/n (antiga Estrada São José, Cabuçu – São José de Itaboraí, Rio de Janeiro
Para agendar visitas: visitas@ppsji.itaborai.rj.gov.br
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