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‘É nossa vez de dizer nossas questões’, diz artista às vésperas do Dia da Mulher

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Em entrevista ao A Seguir: Niterói, Germana Guilhermme fala da quebra de estereótipos no mundo pop e da sua trajetória no teatro e na música
Germana Guilherme
A atriz, cantora, compositora e professora de canto Germana Guilhermme, que morou metade da vida em Niterói. Foto: Bruno Ronsini

Atriz, cantora, compositora, diretora, professora de canto e interpretação e instrumentista, a cearense Germana Guilhermme tem  30 anos de carreira artística. De seus 56 anos de idade, metade foi passada em Niterói, cidade que diz amar e da qual fala com emoção. Agora lançando um trabalho autoral, a artista múltipla defende as minorias e fala da vez das mulheres. Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março, é a entrevistada pelo A Seguir: Niterói.

Germana foi backing vocal de artistas como Blitz, Daúde, Kelly Key, Sidney Magal e Beto Barbosa e fez direção artística de shows de artistas como Andrea Dutra, Suely Mesquita, Janaína Azevedo, Hugo Cazarini, Mariana Guedes, entre outros. Integrou o elenco de mais de 30 espetáculos teatrais e do Teatro Musical, tais como “South American Way – Carmen Miranda, O Musical”, “As Bruxas de Eastwick”, “A Noviça Rebelde”, “O Mágico de Oz”, “New York, New York – O Musical”, “O Beijo da Mulher Aranha”, entre muitos outros.

Leia mais: Roteirista da série de tirinhas Confinada, Triscila Oliveira diz que Niterói vai muito além de Icaraí e do Centro

A virada de chave para mostrar seu trabalho autoral veio após anos dedicados ao teatro musical. Como uma grande escola, o teatro exige muita técnica em cena para não demonstrar  nervosismo, além de ensinar a acolher a vulnerabilidade porque é muito apavorante estar exposto, muito desafiador.

A coragem de mostrar o seu trabalho e quebrar padrões e estigmas, como a ideia de que só a mulher jovem faz sucesso no universo pop, foi, de certa forma, a força motriz para a criação de um trabalho autoral pautado em uma sonoridade contemporânea, moderna e livre de amarras. No seu primeiro disco solo, a cantora trabalha em canções de temas universais que põe nos holofotes as minorias.

Foto: Bruno Ronsini

– É a nossa vez de dizer as nossas questões, e a única forma de dizermos é nos unindo. No videoclipe de “Minha vez” eu coloquei várias pessoas em cena porque é a nossa vez. Eu optei por fazer um recorte das minorias: as mulheres, negros, não-binários, lgbtquia+. Eu já tenho esse espírito jovem que transporta para minha música. Não fiz nenhuma intervenção no rosto, não gosto de agulha (mas tudo bem para quem fez também). Essa é a cara de uma mulher de 50 anos – sublinha.

Germana foi também preparadora vocal exclusiva da atriz Larissa Maciel na minissérie da TV Globo “Maysa, Quando Fala o Coração” e também está no elenco dos filmes “Bate coração” e “Se Arrependimento matasse”.

Dos seus 50 anos de vida, 25 foram passados em Niterói. Diz que é a sua segunda cidade e que a enxerga como um celeiro de músicos. Atualmente reside no Cosme Velho, mas conta que, em toda oportunidade que tem, costuma ir para a cidade.

– Eu amo Niterói. Tenho amigos de uma vida inteira na cidade. Estou fazendo um trabalho musical nesse momento com Paulo Sales (criador da rádio Pop Goiaba/UFF). É assim: me chama para Niterói que eu vou – resume.

Confira os melhores momentos da entrevista abaixo:

A Seguir:  Niterói: Você é uma cantora, compositora, diretora, atriz e preparadora vocal, e acumula mais de 30 anos nas artes. Tem uma área com a qual você tenha mais afinidade? Como começou sua carreira artística?

Germana Guilhermme: Eu comecei novinha como bailarina. Aquela coisa da mãe que coloca a filha para fazer ballet, mas profissionalmente eu tinha 17 anos quando entrei para uma academia de dança. Eu amava dança e fazia Psicologia na época (cursei 4 anos), o que dialoga muito com a minha composição artística. É tudo muito orgânico. Comecei a trabalhar como secretária da academia para ajudar a pagar as aulas de dança e depois como professora de jazz para crianças. Depois eu descobri o canto no coral da Universidade Federal do Ceará, quando cursava Psicologia. E uma coisa foi levando a outra. Logo depois que entrei para o coral, fui chamada para ser backing vocal em um festival.

Quando eu fui para o ensaio eu pensei: “Posso fazer isso para sempre, para o resto da minha vida. Posso ficar o dia inteiro cantando.” Depois desse festival, fui chamada para cantar com o Beto Barbosa (autor da famosa lambada “Adocica”). Por causa disso, tive a oportunidade de participar de uma turnê no Brasil inteiro. Eram 9 shows por semana às vezes. Uma loucura.

Quando voltamos, fizemos show no Canecão. Foi quando eu decidi ficar pelo Rio, porque nessa época tudo era concentrado no eixo Rio-São Paulo. Fiquei na casa do meu tio, até que conheci um cara, a gente se apaixonou, nos casamos, tivemos filho e fomos morar em Niterói. Na verdade, eu morei muito mais tempo em Niterói que no Rio. Foram 25 anos.

Praticamente metade da vida em Niterói… Como você descreve sua relação com a cidade? O que você mais gostava de fazer?

Niterói é a minha segunda cidade. Morava na Estrada Froes, mas também morei em vários cantos da cidade. Eu amava andar de bicicleta. Resolvia toda a minha vida de bike. A Praia de Itacoatiara era meu point. Ia todo fim de semana para lá. Campo de São Bento também. Sempre quando tinha a oportunidade passava por lá, ficava naquela ponte e comia um pastelzinho lá dentro. Os cinemas também adorava. Já cantei no Teatro da UFF. Cantareira também é incrível.

Eu amo Niterói. Tenho amigos de uma vida inteira na cidade. Estou fazendo um trabalho musical nesse momento com Claudio Salles (criador da rádio Pop Goiaba/ UFF). Niterói é um celeiro de músico. É assim: me chama para Niterói que eu vou.

Você tem mais de 18 anos no Teatro Musical, se apresentando em grandes palcos no Rio de Janeiro e em São Paulo, e já foi backing vocal de artistas como Blitz, Daúde, Sidney Magal e Kelly Key. Como essa experiência do teatro contribui para a espontaneidade do seu trabalho?

Isso é uma ótima pergunta, porque, realmente, espontaneidade está apoiada em muita técnica. Você adquire bastante técnica cênica. E eu estou nesse momento de repassar conhecimento. Por isso sou professora de canto e preparadora cênica. Não tenho a menor vontade de morrer com as coisas que eu sei. Mas a espontaneidade exige técnica em cena para não demonstrar o nervosismo e ensina a acolher a vulnerabilidade porque é muito apavorante estar exposto, muito desafiador.

Com o trabalho corporal do teatro, você consegue uma técnica que parece que você está completamente à vontade, mas ao mesmo tempo, se você fica presa na técnica, fica rígida. O teatro te deixa de tal forma firme e confiante em cena para exalar a espontaneidade. O teatro tem essa grandeza, de abraçar todas as artes, todas as idades. É muito livre. E é uma arte coletiva, tem a troca do público. É uma escola maravilhosa, você consegue empatia, se colocar no lugar de outras pessoas, acessa a emoção delas. Tinha que ser obrigatório no currículo. Agora eu trabalho no teatro como professora, mas não fechei a porta.

“O beijo da mulher aranha” foi a primeira grande peça em que atuei. Quando fiz o teste percebi que sempre fiz com o intuito de que o papel era meu e não com a ideia de competir, mas seguindo meu instinto. Fiz uma trajetória extensa com musicais e trabalhei com Miguel Falabela, Charles Möeller, Claudio Botelho. Foram mais de 40 peças. Eu cheguei a ficar um ano e nove meses em cartaz na primeira montagem da peça da Noviça Rebelde, de Claudio Botelho e Charles Möeller.

A faixa “Minha vez” fala sobre se conhecer, se aceitar, se entregar, acolher o medo e a própria vulnerabilidade e sobre a força do coletivo. Quando você acha que houve essa virada de chave na sua vida?

Meu irmão é compositor e eu fazia timidamente as minhas músicas. Acho que a virada de chave foi a coragem para mostrar meu trabalho. Meu ex-marido me dava maior apoio também. E teve o cantor e compositor Fred Martins, que olhou para mim e falou que minha música era legal. Ele me estimulou muito, me apoiava. Costumo dizer que ele é meu padrinho.

Germana no clipe “Minha Vez”. Foto: Reprodução de tela

Você diz que o mundo não está acostumado a ver uma mulher de sua idade lançando no mercado o seu trabalho musical. De que forma você acha que a mídia estigmatiza a juventude? E como o seu trabalho é um atestado de que é possível por esse padrão em cheque?

Acho que isso vem antes da mídia. É uma coisa que já está estabelecida, que nós viemos tentando quebrar. O que é a Bruna Lombardi, por exemplo? Quase 70 anos. Escreve, produz, faz programas. Mas é uma das pessoas ali. Acredito que minha geração, que tem por volta de 50/60 anos, faz parte de um movimento coletivo. E o coletivo tem essa força transformadora.

Por causa dessa educação machista e patriarcal, se criou a ideia de que o homem é a coisa mais importante e o mundo todo gira em torno disso. As mulheres que não têm um parceiro são menos, são desvalorizadas, e fazem qualquer coisa para ter valor na sociedade. Mas isso vem sendo desconstruído.

Eu já tenho esse espírito jovem que transporta para minha música. Não fiz nenhuma intervenção no rosto, não gosto de agulha (mas tudo bem para quem fez também). Mas essa é a cara de uma mulher de 50 anos. No videoclipe de “Minha vez” eu coloquei várias pessoas e não só eu, porque é a nossa vez. Eu optei por fazer um recorte das minorias: as mulheres, negros, não-binários, lgtbquia+. É a nossa vez de dizer as nossas questões e a única forma de dizermos é nos unindo.

Nice Silva, Azullllllll, Elaine Dual e Horsth Feghali em cena do videoclipe. Foto: Reprodução de tela

No videoclipe de “Minha vez” você mostra que “Ninguém pode ficar de fora” e aponta para um caminho de maior inclusão. Essa concepção também irá permear o seu disco? Aliás, como está o andamento dele?

Sim! Eu quero fechar o meu álbum neste ano ainda. Como eu sou uma artista independente, não tenho essa velocidade toda. Eu já lancei dois singles, na verdade: “Minha vez” e o “Amo quando você ama”. E eu percebi que não existe música sem clipe. Hoje em dia não tem como fugir disso. Acaba que os mais jovens se identificam rapidamente com a minha música pela sonoridade. Enquanto os mais velhos ficam surpresos por conta da minha idade. Mas a verdade é que eu continuo fazendo pop.

Eu quero fazer clipe de todas as faixas e estou me organizando para isso. O trabalho visual acaba trazendo novas informações. Tenho uma música quase pronta, uma iniciada, mas eu quero fazer um disco com 12 músicas, então vamos ter muito trabalho. E agora eu abri mais uma frente, o da direção e roteiro de clipe.

Foto: Bruno Ronsini

Você assina o roteiro e a direção do “Minha vez”. Como foi esse processo criativo? Você faz o roteiro deixando espaço para espontaneidade, para o improviso?

Nesse caso sim. Esse foi o primeiro clipe que assinei a direção e o roteiro, então foi muito intuitivo. Eu já fiz várias direção de espetáculos, mas nunca tinha feito de videoclipe. Nesse, eu fiz um roteiro baseado nos rituais de cura. Era importante eu mostrar que todos somos um, que todos têm o seu momento na frente. Essa coisa de “é a vez de todo mundo, mas quando é do outro, todos apoiam”.

O clipe mostra todo mundo dançando de acordo com sua maneira de ser. Tem uma cena de um saindo do outro, como se um complementasse o outro. Também mostro a constelação familiar. Quem fica no primeiro plano é o filho e atrás os antepassados. Tem o ritual da constelação e da benção. Eu consegui colocar tudo que eu queria. A cor tensa no fundo em preto deu um tom dramático. Depois disso, as pessoas começaram a me chamar para dirigir e roteirizar clipes. É uma nova frente que estou amando. Meu sonho é conseguir criar uma ONG para fazer clipe para os artistas independentes. Clipe é muito caro para fazer direito.

http://https://www.youtube.com/watch?v=Aw_j6KTf8YI

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