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Cortes do governo Bolsonaro geram revolta na UFF

Por Gabriel Mansur
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Sem outra fonte de renda, visto que a bolsa da Capes exige exclusividade, cerca de 200 mil pesquisadores são afetados no Brasil
Pesquisadores ficam sem dinheiro para pagar contas. Foto: Bruno Campos
Pesquisadores ficam sem dinheiro para pagar contas. Foto: Bruno Campos

Pesquisadores que tiveram o pagamento de bolsas suspenso após bloqueio orçamentário do Ministério da Educação (MEC) enfrentam um cenário de insegurança, medo e desespero. O dinheiro, que deveria ter caído na conta dos mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos até esta quarta-feira (7), não foi transferido até a data limite, o que compromete a continuidade de pesquisas e impacta a vida dos cientistas.

O estudante Caio Gatto, de 29 anos, está em fase de conclusão do mestrado em história pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Desde abril de 2021, quando teve a dissertação aprovada, ele recebe R$ 1,5 mil por mês da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Com a falta de previsão dos pagamentos, Caio não sabe como pagar as contas.

Leia mais: UFF informa ter perdido R$ 4 milhões do orçamento após bloqueio do governo Bolsonaro

– Perdi o clima de Copa do Mundo totalmente, não tenho nem saído pra ver os jogos. Depois de processo estressante de qualificação da dissertação, nem consegui comemorar a aprovação por causa desses cortes da CAPES. Para piorar, é no último mês do ano, cheio de parcelas de cartão com contas que vão atrasar. Sei nem como vou pagar as contas esse mês, nem mesmo o mercado. Estou desesperado – lamentou.

O desespero de Caio – e de outros 200 mil bolsistas pelo Brasil – é ainda maior porque o contrato com a Capes exige exclusividade. Ou seja, com a premissa de que precisam se dedicar integralmente às pesquisas científicas, os estudantes não podem ter uma outra atividade remunerada. Além disso, o valor das bolsas não tem reajuste desde 2013. Do mesmo modo, bolsistas não têm direito a FGTS, INSS, férias ou 13º.

Capes é a responsável pelo pagamento de bolsas. Foto: Marcello Casal JrAgência Brasil

– Esse termo é até um dilema para a galera que pretende lutar por melhorias no debate público em relação às bolsas. Quando você fala bolsa, o imaginário popular, o senso comum, entende como auxílio, como algo que represente algum benefício, alguma esmola, que o governo está oferecendo para você só estudar. Mas aí perde o caráter de trabalho e ganha um caráter de estudante. Mas também se você fala salário, acaba escondendo que esse é um trabalho ultra-precarizado, sem os direitos como FGTS, 13º, férias – observou.

“Sem dinheiro para comprar remédio”

Milena Monteiro, de 23 anos, tem autismo de grau dois e, no ano passado, abriu mão de uma pensão do governo federal para fazer um mestrado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com bolsa de R$ 1,5 mil da Capes. Ela, que toma cerca de 20 medicamentos por dia para lidar com a sobrecarga sensorial do autismo, afirmou que o atraso na bolsa já causa prejuízos à sua saúde.

– A bolsa costumava cair no dia 2 e desde então comecei a ficar preocupada, a abrir o aplicativo da Capes toda hora, com ansiedade. Resolvi esperar até o 5º dia útil, que era o prazo máximo (nesta quarta-feira, dia 7), e nada. Meu aluguel já venceu e estou sem poder comprar remédios. Não consigo levantar porque minha cabeça fica girando, dá sensação de mal-estar – contou em entrevista à Folha de São Paulo.

“Dependo da bolsa”

Natália Teixeira, de 31 anos, faz doutorado em direito pela UFRJ desde 2020. No início do curso, ela também trabalhava como pesquisadora em uma ONG, e por isso não tinha bolsa. Até que, no primeiro semestre deste ano, surgiu uma oportunidade para ela se tornar bolsista. Natália, então, abriu mão do emprego que tinha para poder se dedicar integralmente à pesquisa e à Capes. Agora, ela teme pelo futuro.

– Quando a gente escolhe se tornar bolsista da Capes, não pode exercer outra atividade profissional. Eu escolhi a bolsa da Capes para ter tranquilidade em fazer pesquisa. Daí, eu acordo com essa notícia. Eu não tenho outra fonte de renda nesse momento. Eu dependo da bolsa – afirmou.

72 horas para explicar bloqueio

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, deu prazo de 72 horas para que o governo federal dê alguma justificativa sobre o decreto do presidente Jair Bolsonaro que levou ao bloqueio dos recursos para o pagamento de mais de 200 mil bolsas destinadas a alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.

O ministro é o relator de uma ação da União Nacional dos Estudantes (UNE), pela Associação Nacional dos Pós-Graduandos (ANPG) e pela União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), apresentada nesta quarta-feira (7) ao Supremo contra a medida do governo federal. Na ação, um mandado de segurança, o grupo pediu a suspensão do decreto, sustentando que a medida configura abuso de poder e ilicitude.

Mobilização dos estudantes

Em todo o Brasil, estudantes de universidades e instituições federais têm passado pela mesma situação. É o caso da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade de Brasília (UnB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), entre outras.

Em defesa de uma universidade pública de qualidade, a União Nacional dos Estudantes (UNE) está em diálogo com as gestões das universidades e divulgou um calendário de mobilização para pressionar a reversão do bloqueio.

Verba liberada para Assistência Estudantil

O Ministério da Educação (MEC) liberou cerca de R$ 300 milhões, nesta quinta-feira (8), para cobrir o pagamento integral de bolsas e auxílios do Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes). O programa garante apoio de moradia, alimentação, transporte e outros a alunos de universidades federais vulneráveis.

Em geral, os beneficiários do Pnaes são estudantes mais vulneráveis, de famílias que têm até um salário e meio per capita e que, sem esses auxílios, não conseguem ir às aulas, pagar pela moradia e até pela alimentação. No fim, acabam desistindo dos cursos.

Dados do Censo de Educação Superior apontam que o país teve em 2021, último ano disponível, 257 mil universitários da rede federal recebendo algum tipo de apoio social. Esse número era 26% maior em 2019.

Corte de verbas

No dia 2 de dezembro, o Ministério da Economia informou ter bloqueado R$ 1,6 bilhão do MEC para atender a regra do chamado teto de gastos. O corte foi anunciado horas após o MEC desistir de congelar R$ 344 milhões das contas das universidades e dos institutos federais.

Como resultado do bloqueio orçamentário, a Capes, órgão vinculado ao Ministério da Educação e responsável pelo pagamento das bolsas, divulgou nota oficial na noite desta terça-feira (6) informando que não teria dinheiro para os pesquisadores neste mês. Os depósitos deveriam ser feitos até esta quarta (7).

No comunicado dirigido à comunidade acadêmica, alunos e pesquisadores, a Capes informou que o decreto do governo Bolsonaro congelou recursos financeiros impedindo, além do pagamento das bolsas, a manutenção administrativa da entidade.

A coordenação ressaltou ter cobrado a imediata liberação dos recursos “não apenas para assegurar a regularidade do funcionamento institucional da CAPES, mas, principalmente, para conferir tratamento digno à ciência e a seus pesquisadores”.

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