A Seguir: Desde 1990 você se dedica a atividades que envolvam saúde e bem-estar. Por quê?
Ana Lúcia Lemos: A vida vai levando a gente para o lugar em que temos de estar. No início dos anos 90 perdi a voz por conta de estresse de trabalho. Na época, tinha um atacado de malhas e tecidos e, por isso, busquei a yoga para neutralizar esses impactos. Fiz um curso de alimentação higienista, e por aí fui indo, buscando caminhos fora da convenção. Já naquele momento eu era fervorosa consumidora e divulgadora de alimentos orgânicos. Em 95, o relógio biológico me fez dar uma guinada na vida, tinha 35 anos e queria muito ter um filho. Já havia perdido várias gestações e tomei a decisão de parar de trabalhar, pois a carga de estresse era incompatível com a tarefa de encarar uma gestação a ser vencida… Neste período, tive a feliz oportunidade de fazer tudo o que gostava e queria fazer, como curso de desenho e pintura e aulas no Parque Lage. Como tinha o tempo disponível, participei de grupos filantrópicos e também fiz meu primeiro trabalho como voluntária num orfanato em Ititioca. Tenho certeza que foi num abraço a um bebê que chorava que eu engravidei espiritualmente da minha filha, que hoje tem 23 anos.
Minha gestação foi de repouso absoluto, pude ler muito sobre questões quânticas e holísticas e sobre a natureza. Apesar de estar de cama e com toda estrutura para me sentir bem, tinha episódios de muito medo. O meu médico me receitava um calmante, eu dormia e acordava nova, mas isso me incomodava. Até que conheci uma médica que receitou florais e, de forma sutil, não precisei mais tomar o tal calmante… Depois de um tempo, me dei conta da benção que foi o floral na minha vida. A minha filha nasceu muito prematura, mas muito bem. Nos 45 dias de hospital, ela só se alimentou do meu leite e foi amamentada até os dois anos. Fomos morar na casa que estávamos construindo em Itaipu e começar uma nova etapa da vida… Casa, filha, natureza em volta, tudo diferente. Fiz cursos de florais, ervas medicinais, aromaterapia, me senti tão agraciada pelo florais que pensei em ser terapeuta, mas o momento foi me apresentando novos formatos.
Como essa vivência está relacionada à compostagem?
Eu queria cuidar do gramado da nova casa para minha filha brincar sem adubação química convencional. Orientada por um paisagista ecológico comprei 60 sacos de húmus de minhoca (tipo de adubo), mas fiquei pensando no gasto ao longo dos anos. Até que vi numa matéria uma experiência com compostagem num condomínio vertical em São Paulo, amei a ideia e fiz uma bem parecida em casa. Depois veio a questão ambiental. Queria que o local onde eu morava permanecesse arborizado, então comecei a fazer mudas de árvores no terreno ao lado e logo levei a ideia para o condomínio. Criamos um espaço de compostagem e viveiro de mudas numa área comum e mais tarde uma horta coletiva e um minhocário coletivo.
Como o seu hobby foi se tornando um trabalho?
Fui indo para além de muros e iniciei um trabalho de proteção ambiental, de 2007 a 2016, coordenando o trabalho da ONG Amadarcy, para obter proteção legal à Reserva Ecológica Darcy Ribeiro, que é a área limítrofe com meu condomínio. Hoje a área é protegida por lei. Em 2013, decidi fazer uma pós-graduação em Gestão e Sustentabilidade na FGV e comecei a trabalhar minha atuação dentro do Sistema Vigente. Em 2016, criei a empresa “Canteiro Urbano” nos moldes de sustentabilidade, com gestão de resíduos, e responsabilidade socioambiental. Foi um grande desafio, criei um produto que não existia no mercado, me esborrachei de trabalhar, mas aprendi muito. Logo depois surgiu a composteira Humi (composteira doméstica) e comecei então a praticar o que realmente gosto, um mundo com menos resíduos, comida no quintal, alimentação saudável, e muitas outras pérolas foram chegando. A questão de gerar impactos positivos com relação a resíduos está no meu DNA. Sempre levo esta ideia para onde estou em minhas rotinas. No tempo em que me dedicava à ONG Amadarcy promovia trabalhos no Rio Jacaré, que tem suas nascentes na área da reserva e deságua na Lagoa de Piratininga. Agora levo essas iniciativas para meu grupo de nado no Mar, com a BFSwin, em Camboinhas. As pessoas olham para mim e esperam este comportamento.
Você criou o Canteiro Urbano, projeto que alia o conceito de saúde, integrando alimentação e estilo de vida, transmitindo conhecimento e produtos sustentáveis. Como nasceu a empresa e qual sua importância para o meio ambiente?
O Canteiro Urbano nasceu da vontade de levar para o Sistema Vigente o trabalho que eu acreditava e praticava. Ser útil ao sistema atuando com meus dons e talentos, num negócio que acredito ser bom para mim, para os envolvidos, e bom também para o meio ambiente. Desenvolvi rótulo e embalagem sustentáveis, atuando feliz como um agente ambiental, que conscientiza e desperta valores, não vende só serviços e produtos, vende ideias, encantamento e possibilidades. O desafio é fazer estas ideias maravilhosas serem economicamente sustentáveis, pois tem que haver coerência no que se faz, fala e prática, mas sou aprendiz e gosto do novo. E aí veio a pandemia…. tudo que estávamos construído teve que ser repensado, e mais uma vez a vida apontando caminhos… Nos últimos tempos a demanda de reinventar o negócio e a vida como um todo foi grande, e a carga de trabalho home e house office foi extrema, estou quase tomando a decisão de focar os negócios na compostagem e afins.
De que forma seria a mudança?
Hoje estou num momento de tomada de decisões e a um passo de me dedicar exclusivamente à compostagem urbana. Já tenho um trabalho bem registrado em vídeos e estou organizando material para levar esta possibilidade a condomínios verticais e horizontais. O foco é levar a possibilidade da compostagem doméstica urbana às pessoas para que esta seja uma solução aos grandes geradores no âmbito coletivo. E que se fortaleça também de forma descentralizada, ou seja, que cada um cuide de seu resíduo orgânico. Aproximadamente 50% dos resíduos gerados são orgânicos, um número bem expressivo e que nos dá a dimensão do trabalho que temos a encarar.