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Tinha uma pedra o meio do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra. No caso de Niterói, o obstáculo está longe da poesia de Carlos Drummond de Andrade. Quem anda a pé pela cidade vai encontrar com frequência trechos de calçadas da cidade apertados, completamente desnivelados, esburacados ou destruídos. Recentemente, um médico do Complexo Hospitalar de Niterói (CHN) disse ao A Seguir que a emergência do hospital atende praticamente todo dia alguém que se acidentou numa calçada da cidade.
Em vários bairros de Niterói, o estreitamento das calçadas se dá pela extensão do espaço dos estabelecimentos sobre a área da passagem de pedestres. Essa prática foi liberada pela Prefeitura durante o período da pandemia da Covid-19, priorizando o encontro ao ar livre. No entanto, segundo relato de moradores da cidade sobre o assunto, “as calçadas estão virando uma zona”.
Ao lado do restaurante Paludo, carros podem ser vistos estacionados sobre a calçada, com cobrança pelo serviço. Questionados sobre a prática, dois rapazes que operam a cobrança em uma barraca com uma bancada amarela entre os restaurantes Paludo e Sunsaki, explicaram que o espaço estava sendo usado como estacionamento para clientes do Paludo, enquanto o estacionamento oficial do restaurante ainda estava em construção a alguns metros dali. Ao ser perguntado se era permitido estacionar na calçada, um deles respondeu: “Claro que pode, aqui pode sim.”
Na orla de São Francisco, principalmente à noite, e nos fins de semana, são vários os pontos em que a passagem do pedestre é bloqueada pela presença de mesas e cadeiras, tamanho o avanço dos bares pela calçada. “É preciso pedir licença, como se estivéssemos causando um transtorno”, queixou-se uma moradora, diante do Bendito, um dos campeões de queixas no lugar.
Outro problema das calçadas é a falta de manutenção. Em ruas de diferentes bairros da cidade, encontramos calçadas cheias de buracos, desniveladas, destruídas e até mesmo invadidas pelo sistema de esgoto. Neila Souza é moradora do Fonseca, e na Travessa Filgueiras, onde ela mora, um lado da calçada está totalmente intransitável por conta conta de um vazamento de esgoto que destruiu a calçada, “Não dá para andar na calçada, ela está totalmente insalubre por conta do vazamento de esgoto que tomou a via. Já vi saírem ratos, baratas e lacraias imensas dali que podem até prejudicar a saúde de todos nós moradores”.
A moradora ainda contou que a prefeitura faz um “serviço paliativo”, com relação ao problema, só que isso não resolve os problemas. “Acredito que só com uma obra bem feita, a calçada poderá novamente se tornar, no mínimo, transitável, sem que os moradores corram riscos de queda, cortes e atropelamento”, completou Souza.
Sem dúvida, quem mais sofre com os problemas nas calçadas da cidade são as pessoas com deficiência de mobilidade, ou mobilidade reduzida. Lucas Portugal é cadeirante e morador do bairro de Icaraí, onde ele afirmou ser muito difícil andar porque tem ruas cheias de buracos, sem rampas e com árvores no meio das calçadas. “Niterói é um ótimo lugar para se viver, mas as ruas, calçadas e estabelecimentos sem rampas, a cidade não tem acessibilidade nenhuma”, disse Portugal.
Embora Niterói tenha sido uma das primeiras cidades do estado a adotar as rampas nas calçadas, Portugal contou que já se arriscou muito andando pela rua, “tem muitas ruas que são totalmente desniveladas e cheias de buracos mesmo, desde quando eu era mais novo eu tenho que me arriscar andando pela rua, por mais que hoje eu tente evitar isso ao máximo por conta do perigo”.
Além disso, ele ressaltou que ainda há muito a ser feito pela prefeitura, para que Niterói se torne minimamente acessível para pessoas com dificuldade de locomoção. “Parece que nós, pessoas com deficiência, não existimos, como se não saíssemos de casa. Mas é exatamente o contrário. Eu sou muito ativo e estou na rua o tempo todo”, afirmou.
Em entrevista, ele fez questão de destacar sua indignação com as gestões da Prefeitura de Niterói na questão da acessibilidade. “Eu acho que a prefeitura de Niterói e principalmente a Tânia Rodrigues, ex-secretária de Acessibilidade da cidade, fazem um péssimo trabalho, ela e toda equipe da prefeitura nos encheram de promessas e nada foi feito”.
Tania Rodrigues, citada por Portugal, é fundadora da Associação Niteroiense dos Deficiente Físicos (Andef) e exerceu mandato de vereadora da cidade duas vezes (1993 – 1996 e 2013 – 2016). Atualmente ela atua como subsecretária da pasta da acessibilidade da Prefeitura de Niterói. Após tentativa de contato, não tivemos resposta até a publicação desta reportagem.
Os espaços das calçadas da cidade ocupados pelos estabelecimentos devem respeitar uma certa delimitação, mas segundo Débora Franco, moradora do Jardim Icaraí, falta controle por parte da prefeitura. “A fiscalização por parte da prefeitura das calçadas deixa muito a desejar, temos muitos problemas na zona norte e na região oceânica, principalmente para PCD´S e idosos”, disse Franco.
Ela defende a ideia de que seja feita uma análise dos estabelecimentos caso a caso, “Se não atrapalhar a passagem, pode até ser uma solução para abrirem mais comércios na cidade, porém, não sou favorável aos estabelecimentos que obstruem a calçada e contribuem para sujar o espaço público”, pontuou.
Na rua Passo da Pátria, que liga os bairros de São Domingos e Gragoatá, existe um trecho totalmente intransitável. Ana Cotrim é moradora do Gragoatá e contou que muitas vezes, a única forma de passar por ali é pela rua, se arriscando em meio aos carros. “Passo diariamente pela Rua Passo da Pátria e sinceramente, acho uma falta de respeito essa calçada estar a tanto tempo toda esburacada desse jeito”.
Cotrim contou ter visto melhorias em vários pontos de calçadas da cidade, como o Centro, por exemplo. No entanto, lamenta que as ações da prefeitura não aconteçam em todos os lugares, “infelizmente, nesse trecho nada está sendo feito, na verdade, a Rua Passo da Pátria inteira tem vários pontos repletos de buracos”, ressaltou Cotrim.
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