25 de novembro

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Niterói está vulnerável à elevação do nível do mar, com aquecimento global, diz a UFF

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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A cidade terá mais ocorrências de alagamentos e ressacas. Piratininga é o bairro mais vulnerável de todo o município
Lagoa de Piratininga
Estudo calcula que 1/4 de toda a área do município, nas chamadas “terras baixas”, pode ser afetada pela elevação do nível dos oceanos. Foto: arquivo

Inundações provocadas por chuvas extremas, aumento do volume das águas do mar e ressacas cada vez mais potentes e recorrentes, avançando sobre o litoral. É isso que Niterói deve  enfrentar como consequência do aquecimento global, que está provocando aumento do nível dos oceanos.

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O quadro é apenas uma “ponta de iceberg”, se o “iceberg” não derreter antes, dos problemas apontados no recém-concluído “Cenário Otimista de elevação do nível médio do mar de 0,50 m e Possíveis Impactos Ambientais, Resultantes de Variações de Marés, na Cidade de Niterói”, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), entre eles, os professores Fábio Ferreira Dias (Departamento de Análise Geoambiental) e Rodrigo Amado Garcia Silva (Departamento de Engenharia Agrícola e Meio Ambiente).

– Já não é mais uma simples hipótese a elevação do nível dos oceanos. A comunidade científica internacional trabalha, dentro de uma estimativa otimista, que essa elevação será de 0,50 m. A projeção pessimista é uma elevação de até 2,5 m. O que vai determinar esse nível é o CO2 que é lançado na atmosfera em consequência das nossas ações, dos seres humanos. Esse gás de efeito estufa está mudando o clima da Terra e provocando o derretimento de geleiras e a própria expansão térmica dos oceanos, o que causam o aumento do nível do mar – explicou Rodrigo, Engenheiro Civil e Ambiental, Coordenador do LABCOST (Laboratório de Modelagem de Processos Costeiros) da UFF.

É verdade que o aumento do nível dos oceanos vai acontecer de forma gradual e esse cenário, seja o otimista ou o pessimista, tem projeção para ser alcançado até 2100. O objetivo do estudo é ajudar cidades a se prepararem para o que vem por aí. E não só Niterói. Os professores já fizeram a “lição de casa” para outros sete municípios do Estado: Rio de Janeiro, Mangaratiba, Paraty, Angra dos Reis, Macaé, Cabo Frio, Búzios e devem iniciar, agora, a análise dos impactos das mudanças climáticas em São Francisco de Itabapoana.

Vulnerável

Em Niterói, as regiões costeiras são as mais expostas, mas o impacto em cada uma delas será diferente. De acordo com o estudo, a Região Oceânica é a mais vulnerável de todas. Entre os bairros, esse “título” vai para Piratininga.

Documento elaborado pela secretaria municipal do Clima como contribuição às discussões relacionadas com o Projeto de Lei Nº 00161/2022, que trata do uso do solo e da reforma da Lei Urbanística de Niterói, utilizou dados do estudo da UFF. Diz o documento:

“A Região Oceânica é a mais exposta e suscetível a perdas de diversos ecossistemas, além de perdas econômicas, afetando cerca de 2.950 domicílios e mais de 9.000 moradores dessa região. Vale destacar também que não existe uma previsão temporal de quando este processo de elevação do Oceano, que está em curso, se dará na íntegra. Os autores argumentam, no que diz respeito à Região Oceânica, que a vulnerabilidade maior, em específico, do Sistema Lagunar Itaipu-Piratininga, ocorre devido à supressão da vegetação nativa, ou seja, do manguezal que funciona como uma barreira físico-natural, aliado ao processo de urbanização que no caso de Piratininga. As simulações mostram que nos dois cenários de inundações (otimista e pessimista), a Região Oceânica será a mais suscetível devido à concentração urbana em terras baixas, isto é, na planície costeira com até 10 metros de altitude” .

De acordo com o estudo, as terras situadas até 10 metros acima do nível médio do mar abrangem aproximadamente 29.940.417 m², o que significa cerca de 24,15% do município. Ou seja, as terras baixas de Niterói representam quase 1/4 da área municipal.

De forma resumida, o que o estudo aponta, no que diz respeito à região de Praia da Baía, é que essa área sofrerá, principalmente, em consequência de grandes alagamentos. Mais ainda quando chuvas extremas aconteceram em época de maré alta.

– Em janeiro deste ano tivemos um exemplo dessa situação quando Niterói enfrentou dias seguidos de chuva em grande volume, com maré alta. Praticamente toda a cidade teve grandes alagamentos sendo que Charitas foi o caso mais emblemático – lembrou Fábio, Geógrafo e Gestor Ambiental, Coordenador do Núcleo de Estudos em Ambientes Costeiros da UFF.

 

Trecho de Charitas alagado em 10 de janeiro de 2023 Foto: Nittrans

Em termos de avanço do mar, segundo os professores, imaginando a praia de Icaraí, como é hoje, no trecho entre as ruas Miguel de Frias e Joaquim Távora, a projeção é que a água chegaria até pouco mais da metade da areia.

Já na Região Oceânica, os desafios estão relacionados com ressacas. Fábio observou que essa situação também não é novidade na região que já teve seu calçadão à beira mar destruído várias vezes:

– A ‘novidade’ em relação às ressacas é que se tornarão mais recorrentes e cada vez mais potentes. E vão aproximando o mar de lugares em que não chegavam antes. Os estudos indicam que a beira mar vai avançar e se aproximar de onde hoje é o calçadão, mas não vai ultrapassá-lo. Nós usamos esse conhecimento do passado, os fatos que já aconteceram, para entender o presente e projetar o que pode vir a acontecer no futuro. A natureza avisa, o tempo todo. Nós decidimos se vamos dar atenção ou não aos avisos.

Em relação ao bairro de Piratininga, o estudo apontou como sendo a região mais vulnerável de toda Niterói porque, além da ressaca, na praia, sofrerá com inundações nas áreas no entorno da Lagoa, “devido à supressão da vegetação nativa”, como o documento da secretaria do Clima já mencionara.

Diante desse quadro, a secretaria do Clima apresentou três proposições como contribuição ao PL 161 que foram:

  • Propõe-se que quaisquer intervenções de ordem física no litoral/sistema lagunar da cidade atentem-se aos cenários e simulações inerentes aos fenômenos naturais intensificados pelas Mudanças Climáticas, tais como: Aumento do Nível Médio do Mar, Processo erosivo das ondas no mar tanto no cordão arenoso das praias quanto nas áreas urbanas e de calçadões, Inundações, Precipitações;
  • Propõe-se a implementação do Sistema de Adaptação às Mudanças Climáticas, como preconizado no Plano Diretor de Niterói (Lei nº 3.385/2019), a fim de buscar formas de adaptação do tecido urbano aos fenômenos extremos individualmente, ou em ações sinérgicas;
  • Propõe-se, no âmbito da jurisdição municipal, a proteção das Áreas de Preservação Permanente (APP), e o cuidado em seguir a legislação Estadual das Faixas Marginais de Proteção (FMP), ou seja, às margens de corpos d’água, destinadas à conservação de sistemas fluviais e lacustres, englobando nascentes, rios, lagos, lagoas e reservatórios são, portanto, faixas non aedificandes, que têm como função assegurar uma área que permita a variação livre dos níveis das águas, em sua elevação ordinária;

 

O documento da secretaria ainda informa que nas orlas costeiras em processo de urbanização, principalmente na porção leste da Região Metropolitana como na cidade de Niterói, “a proximidade das construções em relação às praias representa um risco potencial que pode ser minimizado com a adoção de faixas non aedificandes”.

Diz ainda o documento da secretaria do Clima:

“É sinalizado que a tendência de realinhamento das linhas de praia em busca de novos arcos de equilíbrio diante das novas direções dominantes de propagação das ondas, em virtude das Mudanças Climáticas, que atingem a praia, por se tratarem de efeitos persistentes, poderá trazer sérios problemas em arcos de praia em zonas urbanas, como as praias oceânicas do Rio de Janeiro e Niterói”.

Resiliência

Na opinião do arquiteto e urbanista Augusto Cesar Alves, integrante do Conselho Consultivo do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) RJ – Leste Metropolitano, as contribuições da secretaria do Clima, para o PL 161, foram “diretrizes de ordem gerais”.

Ele chama a atenção para o fato de que, justamente em Piratininga, o texto do PL 161 não sofreu alteração, após o envio de sugestões nas Oficinas, relacionadas com as comunidades da Barreira e Ciclovia, que ficam às margens da Lagoa – uma área vulnerável, de acordo com os estudos da UFF:

– O PL manteve a possibilidade de construções na beira de lagoa de até 9 pavimentos. No momento, aquelas comunidades estão em processo de titularidade. Ou seja, poderão vir a vender suas propriedades para construtoras, se quiserem. O documento da secretaria é genérico, afirma conhecimentos já sabidos e não indica efetivamente, o que pode ou não ser feito para proteger a cidade. Lembrando que os bairros de São Francisco, Charitas e Piratininga já sofreram acréscimos por aterros. Além disso, ao longo de toda a praia de  Piratininga existia uma duna – afirmou.

De acordo com os professores da UFF, Niterói como todas as cidades costeiras, precisa estabelecer “estratégias de resiliência” para enfrentar o que já se sabe que virá pela frente.

– Uma reforma urbanística é uma excelente oportunidade para se criar uma Niterói mais resiliente às consequências das mudanças climáticas. É preciso lembrar que a cidade ficará mais vulnerável às ressacas. O engordamento da Praia de Piratininga, por exemplo, é importante porque é uma estratégia de resiliência – afirmou Rodrigo.

Ressaca em 2016, na praia de Piratininga. Em setembro de 2022, local ganhou um calçadão reforçado.

O estudo

O estudo “Cenário Otimista de elevação do nível médio do mar de 0,50 m e Possíveis Impactos Ambientais, Resultantes de Variações de Marés, na Cidade de Niterói” foi encabeçado pelo pesquisador Vilmar Leandro do programa de Pós-graduação em Engenharia de Biossistemas da UFF. Contou com a orientação dos professores Fábio Ferreira Dias e Rodrigo Amado Garcia Silva.

Alguns dados do estudo:

  • Em se tratando das áreas situadas até 10 metros acima do nível médio do mar, a classe “urbano” representa a maior parcela, com 52,33%, seguida de “cobertura vegetal” com 19,76% e de “corpo hídrico” com 15,32%. As demais classes encontram-se distribuídas da seguinte maneira: “industrial” = 3,96%; “ocupação desordenada” = 3,33%; “praias” = 1,65%; e “agrícola”, apenas 0,01%.
  • Se forem consideradas as classes relacionadas à urbanização (urbano, ocupação desordenada e industrial), somadas, representam quase 60% destas áreas – o que denota forte concentração urbana na faixa litorânea do município
  • As terras situadas até 10 metros acima do nível médio do mar abrangem aproximadamente 29.940.417 m² (em torno de 24,15% do município e 64% das três regiões de planejamento). Ou seja, as terras baixas de Niterói representam quase 1/4 da área municipal e mais de 3/5 das regiões administrativas suscetíveis a eventuais elevações do nível das águas oceânicas. A Região Norte, nesta faixa, possui 3.702.546 m² (12,67%), a Região Praias da Baía, 9.230.789 m² (30,83%), e a Região Oceânica, 16.917.081 m² (56,50%).
  • Na Região Norte, o setor industrial (predominantemente de reparo e construção naval) poderá ser fortemente afetado e precisará se adaptar durante os próximos 80 anos; e as comunidades, que se configuram como mais vulneráveis socioeconomicamente, tenderão a sofrer muito intensamente os efeitos adversos da subida das águas.
  • Na Região Praias da Baía, as vulnerabilidades socioeconômicas apresentam-se também de maneira significativa e refletem grandes contrastes, principalmente no centro da cidade, onde ocorrem grande adensamento populacional e baixa renda per capita, e nos bairros de classe média, onde a densidade demográfica em terras baixas é bastante expressiva.
  • Na Região Oceânica, a observância de duas realidades: no segmento litorâneo, voltado para o Oceano Atlântico, onde a dinâmica costeira é dominada por ondas, maior suscetibilidade em temos naturais/físicos; e, nas porções que circundam o complexo lagunar Itaipu-Piratininga, sujeitas às inundações, possíveis impactos mais pautados em aspectos socioeconômicos (tal qual as Regiões Norte e Praias da Baía) e naturais/biologicos, considerando a provável perda de ecossistemas, representados por mangues e restingas.
  • De modo específico, as simulações realizadas no município de Niterói revelaram que, em condições otimistas de elevação do nível médio do mar (0,50 m), tanto durante as máximas marés astronômicas, quanto nas máximas marés meteorológicas, a Região Administrativa Oceânica será a mais atingida pelas inundações. Nesta região, em ambos os cenários, a “cobertura vegetal” será a classe mais impactada: poderá haver de 12,06% a 16,30% de áreas suprimidas – em especial os manguezais do entorno do complexo lagunar Itaipu-Piratininga.
  • No que se refere às áreas residenciais, incluindo as classes “urbano” e “ocupação desordenada”, estima-se que sejam atingidos, nas máximas marés astronômicas e máximas marés meteorológicas, em torno de 0,20 km² e 1,03 km², respectivamente, onde se encontram, aproximadamente, 500 e 4.868 domicílios, e 1.565 e 14.490 pessoas residentes. Na Região Oceânica, em especial, as inundações deverão abranger entre 0,14 km² e 0,73 km²: estimam-se cerca de 490 a quase 3.000 domicílios e 1.537 a 9.113 pessoas residentes atingidos pelas águas. Em observações de campo, verificou-se que as ocupações humanas, nesta região, ocorrem muito próximas às margens, normalmente em áreas visivelmente aterradas como o entorno da Lagoa de Piratinga.
Ressaca na Praia de Icaraí, em 2021.

 

 

 

 

 

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