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Xica Manicongo: qual o papel do Quilombo Urbano recém inaugurado em São Domingos

Por Amanda ares
| aseguirniteroi@gmail.com

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Espaço propõe parceria com UFF e poder público para causar impactos sociais na vida de moradores do entorno ao casarão histórico
Design sem nome (83)
Três coletivos vão gerir o espaço, nomeado em homenagem à primeira mulher trans e negra registrada no Brasil

“Um espaço para discussão e acolhimento social”, assim o professor Erik Barbosa define o Quilombo Urbano Xica Manicongo. Recém inaugurado na Rua Alexandre Moura 41, em São Domingos, o espaço ocupa um casarão antigo e leva o nome da primeira mulher negra trans de que se tem registro no Brasil. Segundo o jovem, que integra o coletivo Transparente, o projeto quer desenvolver ações diretas de apoio à população trans, às famílias e em especial às crianças que vivem em situação de vulnerabilidade no entorno da Cantareira, vizinhas ao casarão centenário que agora abriga o quilombo urbano.

– O quilombo, pra mim, é importante para unir as pessoas que se identificam, “aquilombar”, unir. Ele se propõe a abrir espaço pra discussões e acolhimento social por meio de projetos, atividades…

Casarão histórico de São Domingos agora abriga o Quilombo Xica Manicongo

Segundo os integrantes do grupo que agora gere o espaço, o local se propõe a ser “um centro de resgate da história, cultura e afro-brasileira e dos corpos travestigeneres. Será ponto de encontro, fortalecimento e articulação dos movimentos Negros e LGBTIAP+”. Assim, o local pretende ser um ponto de acolhimento, cultura e apoio às demandas de grupos socialmente mais vulneráveis, e que sofrem com diversos tipos de opressões.

 

A ideia é desenvolver pesquisas e projetos de extensão com a Universidade Federal Fluminense, vizinha à casa onde agora funciona o Quilombo Urbano. Os projetos desenvolvidos deverão ter cunho social e ser voltados para a população do entorno. Também está prevista a realização de eventos de arte e cultura afro-brasileira e indígenas.

– Estamos pensando parcerias com professores das áreas de História, Filosofia, Sociologia, pra que a gente possa pensar em projetos na casa. Então, a UFF está colaborando nesse sentido, nesse momento; explica o jovem professor.

Aquilombamento

O espaço é formado por três coletivos organizados: o Quilombo Alagbara, um coletivo de mulheres negras, autodenominadas Amefricanas; o Coletivo Transparente, que pauta questões de raça, classe social e gênero com seu trabalho artístico no teatro; e por fim, o Movimento Xica Manicongo, que reúne travestis e transexuais da região metropolitana do Rio de Janeiro. 

Os três grupos têm a mesma motivação: combater opressões que prejudicam e representam risco às vidas de pessoas negras, travestis e transexuais, da região metropolitana, através de trabalhos sociais e da arte. Cerca de 15 pessoas organizam o espaço e pensam em uma agenda de atividades, que também receberão apoio da Prefeitura e da Universidade Federal Fluminense.

Vereadora Benny Briolly esteve presente na inauguração do Quilombo Urbano

Segundo a vereadora Benny Briolly (Psol), o espaço vem sendo organizado por meio de doações e contribuição voluntária, a exemplo de outros espaços geridos comunitariament. A primeira vereadora trans de Niterói falou sobre sua preocupação com as consequências da especulação imobiliária para a população mais carente de São Domingos:

– [O Xica Manicongo] foi pensado a partir da luta por moradia da Mama Africa e outras ocupações do entorno contra especulação imobiliária que está cada dia mais nítida na região da Cantareira. Tem muita ideia boa sendo gestada ali dentro, e essa força de aquilombamento, sem dúvida, vai pautar as políticas públicas daqui por diante.

Quem foi Xica Manicongo

Uma denúncia feita aos Tribunais do Santo Ofício no ano 1591 é o registro de que Xica Manicongo foi a primeira mulher trans negra de que se tem notícia na História do Brasil. “Manicongo” era, originalmente, o título dos governantes do Reino do Congo, onde Xica nasceu. O termo pode ter sido usado como forma de deboche ou significar algum título, mas não se sabe ao certo. Ela foi traficada para o Brasil e escravizada em Salvador no século XVI, e no fim dos anos 1990, o pesquisador Luiz Mott reencontrou-a em documentos oficiais do período da inquisição, em seu estudo sobre a perseguição às chamadas “sodomias” no Brasil colônia.

Os estudos de Mott demonstram que Xica foi denunciada por um homem branco e cristão, que não gostava de seus hábitos e roupas femininas. Xica foi considerada criminosa e, para escapar de uma pena de morte, se reprimiu, passando a usar roupas tradicionalmente masculinas e a adotar seu nome de batismo.

Segundo o artigo “Xica Manicongo: A transgeneridade toma a palavra”, da doutora em Psicologia Jaqueline de Jesus, por séculos o nome de Xica, quando lembrado em alguma pesquisa sobre as inquisições na Bahia, foi trocado por “Francisco”, e ela fora citada no masculino. Apenas a partir do fim do século XX passou-se a compreender e respeitar sua identidade de gênero, identificada através de estudos.

Ao homenagear Xica, o espaço indica seu compromisso com a população trans e negra de Niterói. A escolha do prédio histórico próximo à Praça Leoni Ramos se deu pela proximidade com a população trans e pessoas em situação de vulnerabilidade que transitam por ali, além da existência de outros quilombos, como a Comunidade Cultural Mama África, na Rua Passos da Pátria.

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