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Um improvável ônibus de turismo, em visita a Niterói, saído do Rio ou vindo direto do aeroporto, atravessaria em seu percurso pela cidade, mais de 30 km à beira mar. O roteiro exibiria as praias da Baía de Guanabara, o litoral recortado por montanhas e mata nativa, até avançar pelo oceano Atlântico. No trajeto, barcos de pesca, canoas, lanchas, veleiros, surfe. No percurso sinuoso da Fróes, com uma regata em andamento em São Francisco, o guia tomaria o microfone para anunciar aos visitantes:
– Aqui é cidade do iatismo. Niterói tem nove das 19 medalhas que o Brasil conquistou nas Olimpíadas.
Poderia dizer também, ao passar na porta do Sailing, na verdade Rio Yatch Club, que a história da vela passa pelo clube, fundado em 1914. Foi ali, ou melhor, aqui, que imigrantes ingleses, que se estabeleceram em Niterói no início da industrialização do país, para trabalhar na rede de ferrovias, multinacionais de navegação e serviços bancários, entre outras atividades. O engenheiro e velejador dinamarquês Preben Schmidt faz parte da história do clube, que, mais de 100 anos depois, ainda não aceita lanchas, e se dedica apenas à vela.
Preben é o inspirador do maior clã de atletas olímpicos do país, a família Grael, de Torben, Lars e Martine, que colecionam medalhas desde as olimpíadas de Los Angeles, em 1984. Uma história que começa com o barco Aileen, usado por três velejadores dinamarqueses nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, de 1912, trazido para a cidade e ainda preservado pela família. Foram os filhos de Preben, os gêmeos Erick e Axel, os primeiros a conquistar um título mundial de iatismo no Brasil, em 1961. A irmã, Margrete, falecida precocemente em um acidente aéreo, também campeã de vela.
A vocação de Niterói cravou a orla de clubes de remo e vela. Mas, com o tempo, alguns desapareceram e a grande maioria passou a atrair frequentadores abrigando lanchas.
O Sailing não deve ter mais de 200 sócios, e os nomes estrangeiros são maioria. Lathan, Schmidt, Causer, Swans… Um território protegido da vela – como a Gália dos heróis dos quadrinhos Asterix e Obelix. Mas não há poção mágica, aqui, apenas a paixão pelo esporte e o contato com a natureza. Não atoa, o irmão que não se tornou velejador Olímpico, Axel, virou ambientalista e hoje, Prefeito. Motor, no Sailing, é motivo de briga.
Torben é filho de Ingrid Schmidt e do Coronel Dickson Grael. Ganhou cinco medalhas – duas de ouro, uma de prata, outras duas de bronze. Tornou popular no país os barcos Laser e Star. Mas navegou em todas as categorias e já venceu a American Cup, a regata que dá a volta ao mundo e é considerada a mais difícil de todas. Lars tem duas medalhas de bronze.
A paixão pela vela, neste clube – e nesta família -, passa de pai para filho. Os filhos de Torben e Andrea, também velejadora, pode-se dizer que, se não nasceram dentro de um barco, cresceram dentro de muitos deles. Marco e Martine carregam o DNA olímpico. No caso de Martine, ela agora carrega também duas medalhas de ouro. No fim de semana, estarão todos de volta ao Brasil, e naquele território da vela, a conversa será animada, com cerveja e pastel de palmito. Estarão discutindo a estratégia de Martine e Khaena de escolher a corrente que nenhuma adversária conseguiu enxergar, e que levava ao caminho do título, em Tóquio.
De volta ao ônibus, o guia continuará apresentando a cidade. Olhando em frente, vocês poderão ver a Fortaleza de Santa Cruz – e à esquerda, do outro lado da Baía, o Pão de Açúcar. Dizem que é a mais linda vista da cidade. “Mas vocês vão ver Itacoatiara…”
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