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Indicadores da Educação em Niterói mostram “perda de aprendizagem”, diz especialista

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Jornalista Antônio Gois alerta que ‘as competências do século passado continuam relevantes, mas não são mais suficientes’
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Gois acaba de lançar o livro “O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente”. Foto: Alice Vergueiro

Apesar de todos os recursos e de uma rede de escolas particulares entre as melhores do estado, Niterói patina no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB). Na rede pública, tanto entre os alunos mais novos, com nota média de 5,5, até no grupo mais velho, com 3,8, é nítida a “perda de aprendizagem”, como classifica Antônio Gois, jornalista e um dos fundadores da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), onde foi presidente por quatro anos e diretor por dois.

Alguns fatores ajudam a explicar a perda de uma educação satisfatória: a evasão escolar, agravada pela pandemia da Covid, aspectos emocionais, como a ansiedade, a depressão, a disparidade de renda e a desigualdade econômica e social. Fatores internos, que tangem o ambiente escolar, também têm seu peso: como o tratamento mais individualizado do professor e a capacidade de retenção de alunos pautada em um víeis de esfera nacional. Um projeto robusto de nação, em que são previstas metas coordenadas, sem deixar de levar em consideração a particularidade de cada local.

Em conversa com o A Seguir: Niterói, Antônio Gois discorre sobre os novos possíveis caminhos da educação, muito fragilizada pela pandemia, fala das revisões propostas para o Ideb, as disparidades sociais históricas e sobre seu mais recente livro, cujo título é autoexplicativo:O ponto a que chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente”. 

Confira os melhores trechos da entrevista abaixo:

A Seguir: Niterói: Seu livro aborda o atual quadro insatisfatório da educação brasileira, resultado de um longo histórico de descaso e de decisões equivocadas, que cobram um preço alto ao país até hoje. Quais são alguns dos elementos que colaboraram para isso?

Antônio Gois: Sob o ponto de vista de uma perspectiva mais histórica, porque o livro se propõe a isso, tem coisas que ficam muito claras. Uma delas é a desigualdade que revela porque o Brasil chegou “ao ponto que chegamos”, em alusão ao título do meu livro. A desigualdade explica o baixo investimento na educação porque primeiro tem toda a questão do próprio modelo de desenvolvimento econômico do Brasil. Se você compara o país com o Estados Unidos e Canadá, por exemplo, você percebe que são modelos de desenvolvimento econômico que não eram centrados em grandes latifúndios e na exploração de farta mão de obra intensiva.

No caso do Brasil, uma mão de obra escrava, no caso dos Estados Unidos, uma mão de obra principalmente de imigrantes que tiveram acesso à terra para sobreviver. Isso explica porque o acesso desigual às terras no Brasil concentrou muito poder político e econômico na mão de uma pequena elite. E no caso do Brasil uma elite escravocrata. Para essa elite, investir na educação de todos não era algo que faria diferença, ao contrário do norte dos Estados Unidos, por exemplo, que se beneficiava, de certa maneira, do investimento na educação, porque isso atraía mais imigrante.

O modelo brasileiro era de exploração de mão de obra escrava e isso continuou ao longo de vários anos. Um exemplo de como isso perdurou é que o voto aos analfabetos só foi permitido no Brasil em 1885. Durante todo esse período os analfabetos que eram, em tese, os maiores interessados em ter acesso à educação, eram proibidos de votar. As desigualdades de poder econômico e político explicam muito os atrasos educacionais no Brasil.

– Em uma coluna sua recente, você cita algumas sugestões de especialistas para o caminho do novo Ideb (Índice de Desenvolvimento de Educação Básica). Há algumas revisões propostas e uma delas é o maior alinhamento da base nacional comum curricular e levar em conta os jovens fora da escola. Como funcionaria isso na prática?

No que tange à base nacional comum curricular é algo relativamente simples de fazer. O Ideb atualmente é uma síntese de dois indicadores: o de aprendizagem, que é medido em teste de matemática e português dos alunos e o indicador de aprovação, ou seja, o percentual de alunos que foram aprovados. O que deve ser feito, neste sentido, é um ajuste na prova, que deve dialogar mais com a base nacional comum curricular.

A outra questão tem mais a ver com algo que o Ideb não mede tanto. O Ideb só avalia quem está dentro da escola. Então, se o aluno abandonou a escola, por exemplo, aos 13 anos, ele não é avaliado, então isso se perde. O que os especialistas estão propondo é que o indicador olhe para o aluno que está fora da escola. Uma maneira de se fazer isso é aplicar uma prova para este aluno, o que é mais difícil. Ou criar uma maneira para que o aluno que abandone a escola pese negativamente no Ideb. Isso não acontece hoje, porque o Ideb só olha para os indicadores da escola.

– De que forma a pandemia contribuiu para a evasão escolar, que observamos em Niterói e em outros municípios?

A pandemia impactou muito. Vamos saber na segunda semana de setembro com mais nitidez após a divulgação dos resultados do Ideb. Mas não há dúvida nenhuma de que houve aumento na desigualdade da aprendizagem. As redes de escolas adotaram uma medida acertada que foi a de evitar que o aluno fosse reprovado no período da pandemia, porque não teve as condições ideais de aprendizagem. Não seria justo.

A notícia triste é que muito provavelmente nós vamos ter o aumento da evasão escolar, seja porque o aluno efetivamente abandonou, seja porque se a aprendizagem não é recuperada, o aluno vai se desmobilizando no decorrer do tempo. Daqui a 3 anos podemos ter um aumento da evasão que será explicado também pela pandemia. O estudante que está aprendendo regularmente possui um risco de evasão muito baixo. A perda de aprendizagem é um fator que contribui para a evasão, além de fatores externos, como a crise econômica e social.

– A falta de acesso à internet e à estrutura necessária para o estudo remoto acabou escancarando a disparidade social, né?

Exato. Tem uma pesquisa que eu citei numa coluna recente que mostra que a pandemia trouxe esse prejuízo para todos. Provavelmente os alunos mais ricos, das melhores escolas particulares de Niterói, também tiveram perdas. Acontece que a dos alunos mais pobres foram ainda maiores. Mesmo que a gente tivesse entregado as condições ideais, como o fornecimento de uma internet de alta qualidade, equipamentos próprios, apoio emocional à distância, ainda assim teríamos visto o impacto da pandemia.

Qualquer estratégia de recuperação de aprendizagem que não considere também o aspecto emocional, não só dos alunos, como de professores, vai ser capenga. Não basta a aula de reforço, o aumento da carga horária. Não adianta aumentar o tempo na sala de aula, se não há preparo emocional.

Tem alguns fatores externos como a desigualdade de renda, a pobreza, o nível de escolaridade das famílias que influenciam muito. Os fatores internos, como se o professor tem um olhar mais individualizado. Numa mesma turma pode haver alunos com regressão de aprendizagem e outros em que é possível dar um passo adiante. Deve-se adotar uma estratégia diferenciada para esses alunos, com uma atenção maior aqueles que mais perderam. Isso ajuda a corrigir o Ideb, mas não a desigualdade.

O que deveria ser a meta de toda política pública é um cenário em que todos os estudantes apresentem uma melhora aliada à redução da desigualdade. Para isso, é preciso adotar uma estratégia pedagógica, fornecer material didático, tempo, para que o aluno compense na escola essa desigualdade que foi agravada durante a pandemia.

– Qual a importância do ensino para além da preparação para o vestibular? O conhecimento e acesso às artes cênicas, culinária, meio ambiente são recursos de aprendizado e contribuem para o maior preparo para o mercado de trabalho?

Tem um estudo feito por dois pesquisadores de Harvard que revela as habilidades mais valorizadas pelos empregadores na década de 70. As respostas mais comuns eram a leitura, a escrita e a aritmética. Já em 2015, as respostas mais comuns eram pensamento crítico, capacidade de resolver problemas complexos e criatividade. As escolas que valorizam a arte, como você citou, estão preparando seus alunos para lidarem com o que os empregadores exigem no século XXI. Mas isso acaba caindo numa vala comum.

O que as evidências mostram é que a gente tem que lidar com a agenda do século XXI sem ter ainda finalizado a agenda do século XX. Não podemos abandonar, é claro, a leitura, a escrita e a aritmética, porque elas são importantes na formação do pensamento crítico. As competências do século passado continuam relevantes, mas não são mais suficientes.

– Apesar de todos os recursos e de uma rede de escolas particulares entre as melhores do estado, Niterói patina no IDEB do Ensino Fundamental, na rede pública, tanto entre os alunos mais novos, com nota média de 5,5, até no grupo mais velho, com 3,8. Esses indicadores baixos são reflexos de uma má gestão de longa data?

Na época da gestão do Jorge Roberto Silveira sempre apareciam notícias de que Niterói era uma das cidades mais bem posicionadas no IDH, e entre elas, em educação. Mas quando você pega toda a população de Niterói, você está medindo toda a classe média e alta da cidade. Niterói é como se fosse a Zona Sul do Rio sem a Zona Norte. É uma cidade de grande poder aquisitivo. Isso significa que mais famílias levam as crianças para as escolas privadas.

Tem um elemento que interfere muito que é a inconstância nas políticas públicas. E Niterói tem um caso bem conhecido que revela isso. A primeira Escola Normal da América Latina, que ensina as normas da educação aos futuros professores,  foi criada em Niterói, em 1835. A proposta era um modelo de educação de formação mais técnica de professores. As escolas normais eram uma tentativa de garantir mais qualidade na formação do professor. A Escola Normal de Niterói, assim como tantas outras que abriram na sequência, logo foram descontinuadas. Vinha outro governo, deixava de valorizar e fechava a escola.

– Quais fatores ajudam a explicar essa política descontinuada?

Se deve a ausência de um projeto de nação. Aliás, no meu último livro eu cito isso e comparo o Brasil com a Argentina. Quando investiu no modelo de Escolas Normais, a Argentina o fez de uma forma unificada. Ou seja, tinha um plano nacional, com modelo pedagógico estipulado para todas as províncias. No caso do Brasil, criava-se uma Escola Normal e não havia uma coordenação nacional. As políticas ficavam muito fragilizadas. Até hoje isso acontece.

O Plano Nacional de Educação (PNE), por exemplo, é uma tentativa de blindar a educação da perda do seu rumo com a mudança do governo. O PNE consiste em metas para todos os setores, como equiparar o salário dos professores aos demais profissionais do Ensino Superior, aumentar os alunos em escolas profissionalizantes. Os programas que vão direcionar a essas metas cada governo tem o seu. Cada município terá a sua particularidade, mas é importante que se tenha um norte.

Há críticas em relação ao plano, porque ele é muito abrangente e não há qualquer punição ao abandono do plano, além da cobrança pública. Não é um plano em que as pessoas têm a obrigação de cumprir.

Antônio Gois é colunista de Educação do Globo e é um dos fundadores da Jeduca (Associação de Jornalistas de Educação), tendo sido presidente (2016-2018 e 2018-2020) e diretor (2020-2022) da associação. Cobre o tema desde 1996. Autor dos livros “O Ponto a que Chegamos: duzentos anos de atraso educacional e seu impacto nas políticas do presente”; “Quatro Décadas de Gestão Educacional no Brasil”, com depoimentos de ex-ministros da Educação desde o governo Figueiredo, e Líderes na Escola: o que fazem bons diretores e diretoras, e como os melhores sistemas educacionais do mundo os selecionam, formam e apoiam.

Foi bolsista dos programas Knight Wallace Fellows, na Universidade de Michigan, e da Spencer Education Journalism Fellowship, na Universidade de Columbia. Vencedor dos prêmios Esso, Embratel, Folha, Undime e Andifes, sempre com reportagens sobre educação. Trabalhou nos veículos O Dia, Folha de S. Paulo, O Globo, CBN e Canal Futura e é colaborador do Instituto Unibanco.

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