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Sindicato relata aumento de casos de assédio moral em condomínios na pandemia

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Média é de 50 denúncias por mês, quase três por dia; saiba como o trabalhador deve proceder
Sindicato relata aumento de casos de assédio moral em condomínios na pandemia
Sindicato dos Empregados de Edifícios de Niterói (SEEN). Foto: Divulgação

Acusar os trabalhadores de erros que não existem de fato, forçar o empregado a pedir demissão, brincadeiras ofensivas e constrangedoras, impor metas abusivas ou de difícil alcance, humilhações públicas ou privadas, causar punições injustas, não dar as instruções necessárias. São diversas as atitudes que configuram assédio moral. De acordo com o Sindicato dos Empregados de Edifícios de Niterói (SEEN), durante a pandemia houve um “boom” de denúncias feitas pela categoria. Dez já foram parar na justiça e outras 30 estão sendo avaliadas. A média é de três denúncias por dia e cerca 50 casos de assédio moral por mês. Desorientados, abalados psicologicamente e às vezes até mesmo fisicamente, muitos trabalhadores não sabem como proceder nesse tipo de situação, uma vez que nem sempre há testemunhas. O temor de represálias é outro fator que contribui para o silêncio das vítimas.

O A Seguir: Niterói conversou com duas pessoas que sofreram assédio moral recentemente, com um advogado trabalhista e com o Diretor de Administração e Representante legal da Diretoria Colegiada do SEEN, José Juvino da Silva Filho, para falar sobre a alta dos casos de assédio moral durante a pandemia e como as pessoas podem recorrer para alcançarem seus direitos.

– Já fui chamado de burro, de ignorante. Não foi a primeira, nem a segunda. Cansei de pedir material de limpeza e não ser atendido. Ratos passam na guarita (de vigilância) e o sindico nunca chamou um dedetizador. Fui muito maltratado nos últimos três anos. Às vezes faltava uma coisa na portaria, ele falava que ia entregar, mas ficava enrolando. Dificilmente um funcionário que esteja trabalhando em uma empresa vai querer entrar com uma ação contra o trabalho. E, mesmo assim, o condomínio pode até ter algumas dessas filmagens, mas eles não vão fornecer, porque podem se prejudicar. Tinha um colega meu que num dia de muita chuva ficou sentado na guarita com água até o joelho e foi impedido de abandonar o posto de trabalho. São essas coisas, sabe? Esse tipo de situação – contou uma das vítimas.

Desde maio deste ano, José (nome fictício para preservar a vítima) é pressionado a pedir demissão. As mudanças de horários, por parte do chefe também eram pedidas, incessantemente. Em uma delas, José foi ameaçado de demissão. O pesadelo teve seu fim, mas as ofensas e sequelas emocionais são condições de difícil reparação. Ele foi demitido recentemente junto com outro funcionário.

– Fomos demitidos porque agora o condomínio terá portaria remota. A justificativa foi que ficaria mais em conta, mas a gente vê que há desperdício de dinheiro. Um gasto sem tamanho desnecessário. Ele não sabe administrar. A portaria estava em condições precárias. O mal cheiro do banheiro entra todo dentro da guarita e nunca foi feito nada. Eu ia lá para trabalhar, nunca recebi advertência. Nesses últimos dois anos, eu fui muito ofendido, maltratado. Eu trabalhei lá quase 12 anos, tinha tempo de casa e fui humilhado. Cheguei em um ponto que eu queria ir embora mesmo – completou.

Zelador de um condomínio há 27 anos, Rodrigo (outro nome fictício) foi demitido em julho, diante de dois funcionários, sendo um deles, a pessoa que tomaria a sua posição. Além de ser constantemente xingado pelos seus supervisores, Rodrigo diz que sua família também foi vítima de danos morais. Agora, o condomínio quer reparar a situação através de um acordo judicial. O zelador acredita que seja uma estratégia para que ele não consiga recorrer a mais nada, já que estaria com tudo “quitado”.

– Eles pediram todas as chaves de acesso na frente da funcionária que ficaria no meu lugar e pediram para eu assinar toda a documentação para eu sair do prédio. Eu me senti muito humilhado. A síndica me chamava atenção na frente dos outros. Tenho um livro de relatório com todas as ocorrências. São várias páginas – conta.

O Diretor de Administração e Representante legal da Diretoria Colegiada do SEEN, José Juvino da Silva Filho, explica que o empregado de edifícios está mais vulnerável ao assédio moral porque a média de moradores ultrapassa cem pessoas, com opiniões e comportamentos variados.

– Quem reside em um condomínio são as classes média e alta. São os doutores, os contadores, pessoas que podem ver o trabalhador como uma pessoa inferior. Sem contar o conflito de opiniões. O assédio moral para esses empregados é muito expressivo. São muitas ameaças veladas que essas pessoas estão sujeitas. Nem todos sabem o que caracteriza um assédio moral. Eles pensam que pode vir apenas do patrão.

O impacto da pandemia

Juvino explica que a pandemia intensificou o assédio. O maior tempo em casa provocou mudanças que prejudicaram o trabalhador de diversas formas. Ele passou a ter mais demandas e precisou estar mais disponível, isso tudo em meio a um cenário de maior estresse, riscos e perdas.

– A quantidade de trabalho cresceu muito porque, por exemplo, as pessoas começaram a produzir mais lixo em suas casas, porque passaram a ficar mais tempo em casa. Sem contar os contratempos entre os porteiros e os entregadores de delivery. Às vezes eles entregam errado e isso recai na portaria. Enfim, é gritante como estamos ouvindo mais casos agora. Houve um aumento substancial – conta.

O que o SEEN recomenda ao trabalhador, nesses casos, é que ele tenha sempre por perto um colega de trabalhado ou até mesmo um morador que seja sensível a essa causa. É importante que tenha sempre testemunhas e não tenha medo de denunciar.

Segundo Juvino, o Sindicato só é acionado quando há um acúmulo de agressões, quando a pessoa não suporta mais o assédio. Nesse ponto, em geral, a vítima já está com a saúde mental fragilizada. Por esse motivo, o apoio da entidade é multidisciplinar: jurídico, médico, psicológico e de recursos humanos. O expediente é de segunda a sábado e o contato pode ser feito pelo e-mail: seen@seen.org.br ou pelo telefone: 2622-4976. A sede de Niterói fica na Rua Dr. Fróes da Cruz, 26, no Centro, e possui um departamento jurídico, onde é feita a assistência quando necessário. A SEEN também possui um convênio com uma empresa de advocacia, a Santos & Ribeiro.

Confira algumas situações que a entidade classifica como assédio moral:

– Mudança do contrato do trabalho sem a opinião do trabalhador;

– Remanejamento do funcionário para vagas hierarquicamente inferiores;

– Ameaças de demissão;

– Regras absurdas, como proibição de ir ao banheiro

Como se portar?

O advogado Matheus Cardoso, do escritório Amorim Advogados Associados, de Niterói, explica como os trabalhadores devem se portar em situação de assédio, em que há danos morais. Em primeiro lugar, o empregado deve comunicar ao superior hierárquico ou, em casos em que o assédio parte do superior, deve entrar em contato com a diretoria da empresa para relatar o episódio. Isso tudo porque é fundamental que o trabalhador formalize a agressão de alguma forma.

– Ele pode enviar um e-mail para o RH da empresa ou para a diretoria. A situação é delicada, porque em alguns casos, o assédio vem do superior e as pessoas, naturalmente, ficam com medo de serem prejudicadas. É muito importante que a pessoa procure a figura de um advogado especializado em direito de trabalho para que analise se há possibilidade de rescisão indireta, que é quando o empregado dá uma justa causa ao empregador por uma falta grave dele ou por uma falha no contrato de trabalho. Isso está previsto no artigo 483 da CLT. Com essa rescisão, a pessoa sai do trabalho, mas é como se ela estivesse sido dispensada sem justa causa, com todos seus direitos trabalhistas garantidos, como recebimento integral das rescisórias, saque do seguro desemprego, do FGTS…

 

Mas o que caracteriza o assédio moral, como reconhecer?

Segundo o advogado, que trabalha com direito trabalhista, o assédio é caracterizado por tudo aquilo que é contrário aos bons costumes, à lei ou ao contrato de trabalho. É quando a pessoa se sente constrangida, inferiorizada, menosprezada por um ato praticado, que pode abalar psicologicamente o empregado. Um rigor excessivo por parte dos supervisores. Quando há uma perseguição intencional daquele trabalhador. Ou quando o superior profere humilhações, expõe o trabalhador, impõe trabalho excessivo se comparado ao de outros funcionários.

– Às vezes as pessoas percebem que estão sendo assediadas moralmente quando elas estão muito estressadas e começam a apresentar sinais disso, como atestados médicos, começam a faltar trabalho. Algumas vezes, elas precisam começar a tomar calmante, remédios para a ansiedade, por conta das atividades que precisam desempenhar no ambiente de trabalho.

O advogado explica que o assédio moral pode vir de todas as partes e níveis hierárquicos, não se restringindo apenas aos superiores. Nesse caso, quando vem de outros colegas, também é importante que o assédio seja reportado.

– Às vezes o colega está te difamando dentro do ambiente de trabalho, tem comportamentos preconceituosos, como gordofobia, racismo, intolerância religiosa, homofobia. Quando isso acontece, o superior hierárquico tem a obrigação legal de penalizar essa pessoa. Se for uma falta de caráter leve, essa pessoa deve ser advertida ou pode ser imposta uma suspensão. Quando for uma causa ainda mais grave, como crimes, o superior tem a obrigação legal de demitir esse funcionário abusador por justa causa. É normal que as pessoas fiquem com medo de levar isso à frente, com medo de “manchar” a carteira de trabalho. Mas isso deve ser levado à Justiça, esses atos precisam ser repreendidos. É preciso fazer valer seus direitos para que a justiça seja feita – explicou.

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