COMPARTILHE
Em novembro, o tradicional Choro na Rua terá duas edições. A primeira delas será neste domingo (6). A atração voltará à rua Leandro Mota, no Jardim Icaraí, no dia 27, último domingo do mês, como é a praxe. A apresentação extra é para compensar a de outubro, que não ocorreu, por conta de uma Oktoberfest que ocupou o local.
Começa às 16h, sendo o cantor Marcos Sacramento o convidado especial do dia. O encerramento fica por conta da Sinfônica Ambulante que toca por cerca de meia hora, até às 19h30. É garantia de boa música brasileira e festa, gratuitos, para quem quiser chegar.
Dentre os 11 músicos que tocarão na rua está o trompetista e compositor Silvério Pontes, o próprio criador do projeto Choro na Rua e seu coordenador, em Niterói.
Aos 62 anos, o músico está com a agenda cheia. Como integrante da Banda do Síndico (ex-Vitória Régia, que acompanhava Tim Maia), por exemplo, se apresenta no dia 23 de dezembro no palco da Árvore de Natal da praia de São Francisco. Até lá, já terá lançado mais um CD, pelo selo Biscoito Fino.
Natural de Laje do Muriaé, no interior do Estado do Rio, Pontes se mudou para Niterói aos 17 anos para estudar. Teve, mesmo, foi que trabalhar. Ele, que tocava trompete desde os nove anos de idade, não achava que ganharia a vida como músico.
– Eu tentei fugir da música, mas a música foi me levando. Penso que fui abençoado, que sou um veículo, porque, através da música, eu passo amor para as pessoas – diz ele que é completamente apaixonado por Niterói, cidade que tem como sua.
Nesta entrevista para o A SEGUIR, Pontes fala sobre a sua trajetória e conta como surgiu o Choro na Rua.
Sua família é formada por vários músicos. Seu pai também era trompetista e você toca o instrumento desde os nove anos. Seguir a carreira musical era algo que estava claro, para você?
Não, ao contrário. Meu pai era músico, mas essa não era a profissão dele. Ele tinha um caminhão. No interior, a música faz parte da vida das pessoas, mas todos têm outras profissões porque era muito difícil viver de música. Eu queria, mesmo, era cursar uma faculdade de Engenharia, mas não deu.
Por que?
Eu vim para Niterói, no final dos anos 70, para estudar. Fui morar com um tio que também era trompetista e tinha uma pensão, ao lado do clube Canto do Rio, no Centro. A pensão não existe mais. Nessa pensão tinha muitos estudantes. Niterói sempre acolheu estudantes do interior do Rio de Janeiro. Eu fui abençoado de ter vindo para cá.
Vou perguntar por que outra vez
Como não consegui passar para uma universidade pública e não podia pagar uma particular, fui trabalhar. Eu trabalhava no banco, era digitador. No final de semana, tocava pelos bares. Nessa época, tocava tudo quanto é música. Com amigos da pensão montamos o grupo Casca. Era eu, Cadinho, Serginho Chiavazzoli, Weber e André Pirela. Só eu e o Serginho seguimos na carreira musical.
Tem muitas lembranças da Niterói daquela época?
Ah, Niterói mudou muito. Eu morava no Centro. Onde agora é o campus da UFF era um descampado. O Centro era muito abandonado, mas não tinha engarrafamento. Tinham muitas casas no Ingá e em Icaraí. Era uma cidade segura, dava pra andar a pé na madrugada. Tinham poucos ônibus. Lembro do circular 9, que rodava a cidade toda. Eu usava muito ele, principalmente, à noite. Niterói era uma cidade pacata com muitos jovens universitários. Sou da época em que a Mesbla era a maior loja da cidade. Tinha muitos bares, tanto que a gente se apresentava todos os finais de semana. Um dos lugares que mais toquei foi no Patati Patatá, no Ingá, no início dos anos 80.
Você tocava desde criança; jovem montou um grupo e, ainda assim, não achava que seguiria a carreira musical?
Pois é. Eu trabalhei no banco, no Rio, por um ano e, depois, fui trabalhar em uma fábrica de lingerie, em Vigário Geral. Como ficava muito longe ir e voltar, todos os dias, para Niterói, fui morar em Maria da Graça, em um quarto. Acabei, depois, morando na Tijuca e em Olaria. Foi nessa época que comecei a tocar profissionalmente, com Luiz Melodia. Isso foi em 1984, eu tinha 25 anos. Um músico que me indicou para a banda dele. Eu tentei fugir da música porque achava que era difícil viver de música. Com o Luiz Melodia fiz minha primeira turnê pela Europa. No ano seguinte, fui pra banda Vitória Régia, do Tim Maia. Fiquei dez anos na banda e, por conta dela, fiz vários outros trabalhos.
Seu nome é sempre associado ao Zé da Velha, que também é um trombonista…
Foi o Cláudio Camunguelo, um flautista, que me apresentou pro Zé. A partir desse encontro, foi que comecei a ver possibilidade de seguir, de fato, a carreira musical. A música foi me levando. O próprio Zé, durante um bom tempo, teve outra profissão. Ele foi aeroviário.
O que fez você finalmente, acreditar na carreira musical?
Foi a música que me fez acreditar que eu poderia viver de tocar um instrumento. Eu comecei a receber convites para tocar, gravar. A música foi me puxando para um caminho sem volta. Formei uma dupla com o Zé, que atualmente está com 80 anos, e gravamos seis discos. Trabalhei também na banda do Cidade Negra, então, foram muitas viagens. Até que chegou uma hora que decidi voltar para Niterói. Foi em 1992. Estava sentindo falta da cidade. Eu amo essa cidade. Já morei no Ingá, Centro, Santa Rosa, Icaraí. Agora, estou em São Francisco. Amo Niterói, é a minha cidade.
Quando o Choro na Rua entra nessa história?
O Choro na Rua começou por acaso. O André Diniz (ex-Presidente da Fundação de Arte de Niterói, pesquisador e acadêmico) escreveu a biografia “A menor Big Band do mundo – Zé da Velha e Silvério Pontes 30 anos”. Em 2016, lançamos o livro na Livraria Al-farabi, no centro do Rio. Para o dia do lançamento, providenciamos uma roda de samba, para dar uma animada. Deu tanta gente, que não teve espaço pra roda. Então, fomos tocar na rua. Juntou muita gente. E de repente, estavam vendendo cerveja em isopor, na rua para o público da roda. É muito legal tocar na rua. Às vezes eu tocava na rua porque o boteco onde iria me apresentar era muito pequeno. Vendo aquele movimento todo no dia do lançamento do livro, pensei que seria muito bom tocar pelas praças, para mais pessoas, para renovar o público. E assim foi. Criei o Choro na Rua e passei a tocar na praça Saens Pena e na Gávea, no Rio.
E Niterói?
Logo, Niterói me chamou. No Rio, eu passava o chapéu. Em Niterói, era a secretaria de Cultura que pagava – e ainda é. Começamos a tocar aqui em 2018. Paramos na pandemia e voltamos em abril deste ano. Desde o início, a ideia foi tocar no polo gastronômico para criar um movimento cultural naquele local.
O Chora na Rua em Niterói fez sucesso desde o início?
Sim, no polo sempre teve um público muito legal. Recentemente, com a política, vieram essas brigas idiotas, com gente que achava que a gente estava tocando para um ou outro político.
Houve reclamação?
Não, mas as pessoas se tornaram intolerantes. A gente quer tocar para o brasileiro. Todo mundo gosta de Cultura e a gente toca pra todo mundo, sem distinção. Fato é que a (secretaria de) Cultura abraçou o Choro na Rua. É um presente da Cultura para o polo gastronômico. É música boa, brasileira. E a gente toca com o coração. Penso que a tendência é aumentar, cada vez mais, a plateia porque é música boa, é Jacob do Bandolim, Pixiguinha, Ernesto Nazareth. A música brasileira vem do choro, precisa ser muito tocada nas ruas. Em um país evoluído, a música faz parte do currículo das escolas.
Niterói tem alguns projetos, nesse sentido
Sim, na cidade alguns colégios têm bandas e ainda tem o Projeto Aprendiz e a Orquestra da Grota. Isso é um diferencial. Quem toca um instrumento, deixa a música entrar no coração e na alma e isso ajuda na formação do indivíduo. Porém, quem aprende música não é obrigado a ser músico. Música é cultura. Tudo tem música e música aproxima os povos. Quando tinha o Projeto Aquários, no Rio, juntava um milhão de pessoas na Quinta da Boavista para ouvir música clássica. É disso que o Brasil precisa, de mais educação. Vejo pessoas brigando por política e nem sabem falar direito. Não tem que endeusar político, mas as coisas boas da vida.
Você tem três filhas. Elas estão seguindo os passos do pai?
Não, nenhuma delas é música, mas tocam um pouco de violão. Uma é médica, outra trabalha com hotelaria e outra é gerente de vendas. Elas adoram música. Está bom porque os músicos precisam ter bons ouvintes, boa plateia. Eu tenho quatro irmãos e nenhum deles é músico. Depende de cada pessoa. Eu fui abençoado, sou um veículo. Através da música, passo amor para as pessoas. Eu fui escolhido pela música.
Quais são os músicos que integram com você o Choro na Rua?
Só craques: Alexandre Romanazzi (flauta), Dudu Oliveira (sax e flauta), Daniela Spielmann (sax soprano), Tiago Souza (bandolim), Bebe Kramer (acordeon), Henrique Cazes (cavaquinho), Rogério Caetano (violão 7 cordas), Charles da Costa (violão), Netinho José (pandeiro) e Rodrigo Jesus (percussão). E a gente toca faça sol ou faça chuva.
Quando você não está tocando, o que gosta de fazer em Niterói?
Adoro pedalar pela orla. É uma beleza, tem um visual lindo. Costumo ir de bicicleta, quando tenho que ir no Centro. Não pego engarrafamento e vou curtindo a paisagem. Adoro a gastronomia da cidade. Gosto de ir no Caneco Gelado do Mário, no Seu Antônio, na Dona Henriqueta (Gruta de Santo Antônio) e no Da Carmine, mas o de Itaipu. Lá tem um piano. Às vezes, até toco, dou uma canja por lá. Frequento lugares com pontos de cultura como Reserva, Campo de São Bento, Theatro Municipal e Teatro Popular. Camboinhas é a minha praia preferida. Também adoro ir no mercado de peixe. Eu gosto de cozinhar. Então, gosto de ir lá para escolher um peixe pra fazer moqueca. É uma grande diversão ir lá. Mas a minha moqueca faço sem dendê porque acho difícil encontrar um bom dendê, na cidade.
COMPARTILHE