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‘Quero ser livre. Sem medo de sair na rua e ser confundido com um criminoso apenas por ser preto’

Por Redação
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Luiz Carlos Justino, músico da Orquestra da Grota que foi preso injustamente, diz ser reconhecido pelo seu trabalho
Luiz Carlos Justino
Luiz Carlos Justino, violoncelista, após apresentação no MAC. Foto: Arquivo
A música me salvou! Com essa frase o músico Luiz Carlos Justino, de 23 anos, morador da Comunidade da Grota, em São Francisco, Niterói, expressa seu alívio. Ele foi preso na noite do dia 2 de setembro e passou 5 dias detido. Amigos, parentes e músicos dizem que ele foi preso injustamente, por engano e vítima de racismo. Negro, violoncelista e integrante da Orquestra de Cordas da Grota desde os 6 anos de idade, Luiz também afirma ter sido vítima de crime de racismo. Numa conversa franca e emocionada com A Seguir: Niterói, ele falou um pouco sobre sua vida e alguns momentos do episódio sofrido na última semana. Confira:
 
A Seguir: Conte um pouco da sua história como músico na Orquestra da Grota.
 
Luiz Justino: Entrei na Orquestra com 6 anos de idade, pois meus dois irmãos eram professores lá e, como eles precisavam tomar conta de mim, eu sempre estava nos ensaios. Com isso, acabei mergulhando no mundo da música desde muito novo. Eu toco violoncelo, e levar minha música a várias cidades do país é muito gratificante. A Orquestra da Grota é minha família e é uma cadeia de sonhos, vamos alimentando os sonhos de cada um para que todos tenham seu espaço um dia.
 
Para você, o que a música representa para a sociedade?
 
Música é tudo. É vida, e traz também uma forma de protesto, porque é através dela que tocamos o coração das pessoas. Ser músico me fez crescer e conhecer novos lugares, novas culturas, pessoas de todos os tipos, e essa liberdade eu não teria trabalhando em outro lugar.
 
Qual seu maior sonho?
 
Nossa, meu maior sonho é ter a minha banda e rodar o mundo! (risos). Conquistar minha casa própria, viver da minha música e ver a minha filha crescer com saúde e segurança. Minha banda tocaria de tudo, como já faço na Orquestra da Grota, da música popular à clássica, do rock à erudita, misturando estilos e trazendo um pouco de tudo para as pessoas.
 
Como homem negro e morador de comunidade, sabemos que o preconceito ainda é algo muito latente na sociedade. O que passou pela sua cabeça no momento em que foi preso?
 
Um sentimento de revolta muito grande por ser discriminado pelo tom da minha pele. O que vivi foi crime de racismo, fui parado e conduzido para a delegacia, sem direito de avisar aos meus familiares. Sempre trabalhei, desde pequeno, para ajudar e trazer o pão de cada dia, nunca fiz nada de errado. Desde o momento que me levaram para a delegacia eles já não me ouviam mais. Quando você é preto, pobre e favelado, e entra lá, você já vira um bandido e é condenado automaticamente. Não me deixaram ligar para minha família, me oprimiram. Estou com medo de sair de casa e acontecer algo comigo novamente. Isso me afetou psicologicamente de uma maneira absurda.
 
Hoje em dia, muitas pessoas estão sendo presas injustamente, principalmente nós, negros e moradores de comunidade. A dor de ser algemado, de entrar em uma cela, eu nunca vou esquecer e não desejo essa sensação para ninguém. Temos que parar e pensar sobre isso, essa situação precisa mudar.
 
Você passou cinco dias preso. Pretende processar o Estado? Qual o próximo passo?
 
Vou tomar as medidas cabíveis sim, porém, nesses últimos dias tenho optado por descansar, pois as noites que passei preso eu não consegui pregar o olho, a cabeça deu uma pirada. Eu não tenho dormido bem, não relaxo. A única coisa que desejo no momento é “ser livre” novamente. Sem ter medo de sair na rua e ser confundido com um criminoso apenas por ser preto. Criminoso no Brasil tem cor! Sempre morei em comunidade e sofro preconceito desde que me entendo por gente. Isso é uma coisa que não pode acontecer.
 
Você tem uma filha de 3 anos. O que quer deixar de legado para ela e como pretende abordar o tema racismo, preconceito, minorias?
 
Eu fico muito triste de pensar que esse vai ser um assunto que será abordado com frequência. Nenhuma criança nasce racista, ela reproduz o que vê e ouve os pais fazendo e dizendo. Nós, como pais, precisamos mostrar aos nossos filhos o que é o preconceito, e isso, minha filha vai saber desde já, mesmo ela sendo tão pequena. É um assunto que precisa ser abordado sempre com eles. Eu acredito em um país melhor, mas isso depende das pessoas e de como vamos proteger nossos filhos.
 
Para você, o que falta mudar na sociedade para uma luta contra o racismo de maneira firme?
 
Em primeiro lugar, nós negros precisamos nos unir! Não faz sentido nos dividirmos em grupos, tipo, eu moro em comunidade e pertenço a um grupo, você que tem uma condição um pouco melhor, outro grupo. Temos que ser um só!
 
Existem muitos negros que são racistas e nem sabem, ou não se consideram negros, apenas por não ter a cor da pele tão escura. O racismo não escolhe vítima e pode acontecer com pobres e ricos. Precisamos quebrar essas correntes, porque agora, por exemplo, eu já não luto mais só por mim e sim por todos os negros, pois eu fui vítima e fui para a mídia, e isso me deu voz e vou saber usar para lutar contra isso. A música me salvou, eu tive como provar onde estava no momento do crime porque estava em uma apresentação com a Orquestra. Um dia dentro de uma cela vira um mês, é um inferno. Se você não estiver bem psicologicamente, você sai com sérios problemas com certeza!
 
Na sua opinião, a cultura e a música salvam vidas?
 
Não tenho dúvidas! A cultura, a música e a arte salvam vidas. E às vezes nos salva de nós mesmos. Em diversas ocasiões, estamos com problemas dentro de casa e a arte nos acalma e salva. A minha sorte é que eu estava na música, se eu fosse menos conhecido, estaria preso até hoje, meu caso não teria sido tão polêmico. Muita gente ainda está no escuro, preso por anos. Hoje sou reconhecido pelo meu trabalho, pelo que faço, e se posso ajudar outras pessoas, vamos juntos!
 
Qual recado você deixa para as pessoas que acompanharam seu caso e torceram por você?
 
Gostaria de agradecer cada um que lutou e batalhou comigo para ganharmos essa causa. As pessoas que ajudaram compartilhando e divulgando, porque sozinho eu ainda estaria lá ainda. Eu queria dar um abraço em cada um, mas infelizmente não é possível. Mas se alguém passar por mim na rua e me reconhecer, pode vir falar comigo, sou muito grato a todos que estiveram ao meu lado nesse momento tão difícil.

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