26 de dezembro

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Projetos promovem a ‘dignidade menstrual’ de mulheres de Niterói em vulnerabilidade

Por Livia Figueiredo

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O A Seguir: Niterói conversou com dois projetos sociais que atuam na distribuição de absorventes para mulheres em situação de rua
Beathriz Cortes, do coletivo Bravas em uma ação de distribuição de absorventes. Foto- Arquivo Pessoal
Beathriz Cortes, do coletivo “Bravas” em uma ação de distribuição de absorventes. Foto: Arquivo Pessoal

Pobreza menstrual. O termo pode ser estranho para muita gente, mas para quem vivencia a vulnerabilidade social extrema, ele é mais um triste dado da realidade. Longe dos olhares das classes média e alta, 4 milhões de jovens e adolescentes deixaram de ir à escola no período menstrual por não terem condições mínimas de adquirir absorvente. Segundo a Unicef, cerca de 29% das mulheres já passaram por dificuldades financeiras para a compra do item. O assunto ganhou uma nova camada de discussão, na última semana, após o veto da distribuição gratuita do produto por parte do Presidente Jair Bolsonaro. Diante da urgência do tema, cidades como Niterói criaram alternativas próprias para fornecer o item. Mas, aqui na cidade, a sociedade civil organizada já abriu essa discussão faz tempo e tem mudado a vida de mulheres sem ajuda oficial.

O A Seguir: Niterói conversou nesta segunda-feira (11) com duas mulheres que estão à frente de projetos de arrecadação e distribuição de absorventes, entre outros itens de higiene pessoal para pessoas em situação de vulnerabilidade. Beathriz Cortes, do coletivo de marcas “Bravas”, que reverte parte do lucro da venda de roupas para a compra de absorventes para doação, e com Talita Soares da Tô de Chico, que visa à arrecadação de absorventes, roupas íntimas e outros itens de higiene pessoal para redistribuir para a população em situação de rua.

Fundada há dois anos e meio, a Bravas é totalmente online e tem planos de expandir num futuro bem próximo devido à alta demanda. A ideia é criar um ateliê na Zona Sul do Rio até o fim deste ano. A marca, que já participou de várias feiras como a Lavradio, no Rio, e a de Gragoatá, em Niterói, tem produção própria de camisetas 100% algodão, geralmente confeccionadas por fornecedoras mulheres e normalmente de pequenos produtores. O projeto é todo pautado no consumo consciente e inteligente. Desde que foi criada, a Bravas já distribuiu mais de cinco mil absorventes para mulheres que se encontram em situação de vulnerabilidade.

– A ideia da iniciativa surgiu na minha monografia, que foi sobre a população de rua, de como a Pedagogia e a educação podem contribuir. A ideia partiu de uma percepção que eu tive durante o meu trabalho de campo. Quando eu tive contato com as mulheres em vulnerabilidade e situação de rua, eu vi a real necessidade de itens básicos de higiene, principalmente de absorventes. Foi quando tive um “estalo”. Eu precisava fazer algo para ajudar essas mulheres, porque muitas usavam pano sujo, jornal ou até mesmo não usavam nada. É desumano. Horrível. Então, resolvi criar a “Bravas”, para reverter parte do lucro de vendas para a compra de absorventes, que seriam, no caso, 10%.

Beathriz, 33 anos, é pedagoga formada pela UFF. O desemprego a levou para construção de sua marca, que foi criada sob uma condição: precisava estar atrelada a algo que fizesse diferença de fato na sociedade. Bia sempre foi engajada em projetos sociais. Já participou de diversos varais solidários em Niterói, campanhas de agasalho, entre outros.

Seu projeto começou apenas com camisetas, mas depois, conforme a adesão e a demanda do público, foi expandindo para saias, vestidos e agora a loja trabalha com peças variadas de vestuário. Bia que faz a roda girar, mas para isso, conta com o suporte de uma assistente social, a Viviane Azevedo, que a ajuda na entrega dos absorventes em cestas básicas e em igrejas que fazem distribuição de sopas para pessoas em situação de rua.

A fundadora do Bravas, Beathriz Côrtes. Foto: Arquivo Pessoal

– Nós também atuamos no Rio, mas em Niterói, especificamente, já fizemos entregas para mulheres em situação de rua na Amaral Peixoto, no Centro e no Gragoatá. A Viviane que faz esse trabalho junto comigo. Ela costuma pesquisar os locais de maior necessidade e a gente atua onde a situação está mais crítica. A pandemia afetou muito. No começo, fizemos ações para distribuir cestas básicas. Vendemos camisetas por R$ 30 e todo valor era convertido para as cestas. A população de rua quase triplicou nesse período, a miserabilidade aumentou muito, então basicamente a pessoa tem que escolher entre comprar comida ou absorvente.

E acrescenta: – Às vezes, os 10% repassados não são o suficiente, e a gente tem que entrar com mais dinheiro para suprir a demanda, porque o preço do absorvente aumentou muito. Por isso, o nosso lema é “seja bravas e faça a diferença” – explica Beathriz, fundadora da marca.

Uma das ações de distribuição de absorventes. Foto: Arquivo Pessoal

Outro projeto que visa à arrecadação de absorventes, roupas íntimas e outros itens de higiene pessoal para redistribuir para a população em situação de rua ou vulnerabilidade social é a “Tô de Chico”. A organização já doou mais de 30 mil absorventes e estima que, até o momento, cerca de 2 mil pessoas tenham sido beneficidas pelo projeto. Desse quantitativo, cerca de 40% são de Niterói. O projeto começou em dezembro de 2018, em uma conversa despretenciosa entre Talita Soares e Carolina Chiarello, que viriam a ser as fundadoras do projeto. Hoje a equipe é composta por cinco pessoas. Além de Talita e Carolina, Cecília Cruz integra à equipe como gestora de mídias sociais. A Bruna Bôa é a diretora de projeto e Matheus de Paula é o responsável pela consultoria de serviço social.

– Eu e a Carol estávamos conversando em um domingo à tarde sobre como era ruim estar menstruada e nos demos conta de que, naquele momento, tinham mulheres sem acesso nenhum à higiene menstrual. No mesmo instante decidimos criar uma iniciativa para arrecadar doações de absorventes e ir para rua distribuir. Logo no primeiro mês arrecadamos bastante doações e desde então nunca mais paramos – conta a cofundadora da Tô de Chico, Talita Soares.

A cofundadora da Tô de Chico, Talita Soares. Foto: Arquivo Pessoal

Atualmente a Tô de Chico trabalha com duas formas de arrecadação de absorventes. A primeira é feita periodicamente, após a seleção de uma região para arrecadar e concentrar todas as doações em um dia. A segunda é através da compra on-line da doação. Nessa, pode ser solicitada a entrega para um dos pontos de coleta. Para saber mais dos pontos de coleta ou como doar, Thalita dá o caminho das pedras: “basta mandar uma DM no Instagram ou uma mensagem no nosso WhatsApp”.

Talita e Carolina na entrega de kits de higiene pessoal, com absorventes. Foto: Arquivo Pessoal

Além das doações, a Tô de Chico se define como porta voz da erradicação da pobreza menstrual e reforça a importância do projeto não se restringir apenas às doações em si, mas também para as discussões de um tema, que ainda é tabu:

– Não somos apenas um projeto assistencialista, prezamos pela discussão do assunto. Cobramos nossos governantes e aproveitamos todos os espaços que temos para falar sobre a pobreza menstrual e quebrar os tabus sobre o tema. Durante a pandemia, tivemos um grande aumento na demanda. Em contrapartida, a pobreza menstrual ganhou finalmente uma visibilidade da mídia, o que fez com que muitas pessoas buscassem nosso projeto e nos ajudassem com as doações. Isso foi muito bom para conseguirmos ter continuidade no projeto.

Kit higiene pessoal. Foto: Reprodução/ Instagram

A alta dos pedidos, após negativa do governo

Após a negativa do governo federal em assegurar a distribuição de absorventes para meninas em extrema vulnerabilidade, a Tô de Chico está a todo vapor, fazendo o que é possível para suprir a alta demanda, que disparou após o anúncio do presidente Jair Bolsonaro.

– Estamos trabalhando dia e noite para conseguir recolher todas as doações de pessoas que conheceram o projeto e se identificaram com a causa. Em menos de uma semana, ganhamos quase 4 mil seguidores no Instagram. Infelizmente, veio desta forma triste que foi o veto do presidente Jair Bolsonaro. Mas ainda há esperança. Contamos com o Congresso para vetar a decisão do presidente. Higiene menstrual não é luxo. Higiene menstrual deve ser um direito a todas as pessoas que menstruam.

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