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Professores da rede municipal de Niterói promovem, nesta terça-feira (12), uma paralisação de 24h. O objetivo do movimento é reivindicar reajuste salarial pelo Piso Nacional da Educação, mas também alertar para a falta de estrutura, principalmente, nas Unidades Municipais de Ensino Infantil (UMEI) da cidade.
Na quarta-feira (13), haverá meia-paralisação para acompanhar, na Câmara dos Vereadores, a possível votação do reajuste salarial da categoria. Meia-paralisação significa trabalhar meio expediente e seguir para as manifestações.
Nesta terça-feira, o dia começou com uma assembleia na Escola de Enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Centro. Em seguida, foram à sede da Prefeitura. Chegaram a ser barrados, houve bate boca com seguranças, mas uma comissão foi recebida por representantes das secretarias Executiva, de Educação e de Administração.
Desde o reinício das aulas, cartas abertas ao público feitas por docentes estão sendo divulgadas para alertar para os problemas da rede pública de ensino de Niterói. Relatam o desmonte da educação pública na cidade e as condições precárias de aprendizagem, com salas superlotadas, falta de professores de apoio especializado para acompanhar a demanda de alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) e profissionais mal remunerados e sobrecarregados pela escassez de pessoal.
“Nós, professores e funcionários, entendemos que não é por falta de recursos públicos que a educação básica do município de Niterói vai de mal a pior. Acreditamos que, o que existe, é uma má administração dos recursos públicos e uma má utilização dessa verba, destinada a esse setor para a nossa sociedade. E nesse cenário atual, as demandas que nos movem a lutarmos pela educação pública e em especial pela educação infantil se fazem necessárias e urgentes”, diz um trecho da carta intitulada “A educação infantil não é depósito”, produzida pelos funcionários da UMEI Professora Denise Mendes Cardia, em São Domingos.
Dois em um
Há oito anos, um mesmo endereço abriga duas unidades da rede municipal de ensino de Niterói. No bairro de Santa Rosa, na rua Santos Moreira 58, funcionam a UMEI Senador Vasconcelos Torres e a UE Padre Leonel Franca. O ensino infantil ocupa o térreo e o primeiro andar do prédio; já os alunos da Unidade Educacional se dividem pelo segundo e terceiro andares. No local, só existe uma porta de entrada e saída. Como não tem refeitório, as crianças pequenas da UMEI comem na varanda.
Quem chegou primeiro ao local foi a UE, em 2010. A escola, originalmente, ficava na comunidade do Viradouro. Em 2014, a UMEI foi transferida do Jacaré (Piratininga) para lá. O motivo da mudança foi o mesmo: as escolas eram invadidas e, muitas vezes, ocupadas por traficantes da região.
No endereço de Santa Rosa funcionava o colégio particular Daflon cujo prédio foi municipalizado. A UMEI era para ser uma transferência provisória até que uma nova escola fosse construída. Funcionários informam que um terreno já está disponível há pelo menos cinco anos. Fica na rua Siqueira Campos, também em Santa Rosa, perto do colégio Salesiano. A obra, porém, nunca começou.
Reajuste
Em termos salariais, a categoria reivindica reajuste pelo Piso Nacional da Educação, na ordem de 28,9%. A prefeitura de Niterói ofereceu 8%. Trata-se do menor índice dentre os municípios do Rio de Janeiro, de acordo com uma tabela divulgada pelo Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (Sepe). Em Saquarema, por exemplo, o reajuste será de 38,54%; Maricá, 33,24%; Seropédica 20%; Mesquita, 12,48%; Piraí e Engenheiro Paulo de Fronti, 11%, para citar apenas alguns municípios.
Além disso, o Sepe informa que, “há tempos”, muitas merendeiras ganharam, na Justiça, a denominação de cozinheiras, uma vez que são as responsáveis pela preparação das refeições de várias unidades da rede escolar. A prefeitura de Niterói, porém, ignora a decisão judicial e não regulariza a situação das profissionais.
Problema recorrente
A diretora da Secretaria de Assuntos Educacionais do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (Sepe) em Niterói, Milena Monteiro, explica que “a falta de profissionais é um problema recorrente na rede” e a crise no sistema de ensino público da cidade se deve à má gestão dos recursos pela municipalidade e sua inércia em pensar o retorno efetivo às aulas, após 2 anos de pandemia, o que gerou novos problemas e agravou os já existentes.
“A questão do sucateamento da educação não é novidade em nenhum governo, mas Niterói é um município rico e que possui recursos para sanar as dificuldades que se apresentam. Mesmo com a alta arrecadação, a cidade mantém o piso salarial dos professores abaixo do piso nacional, o que é um absurdo, afinal o piso é uma garantia constitucional e por isso deve ser respeitado. Niterói vive sob o slogan de ” Cidade Educadora”, portanto, um salário digno e que honre com o previsto em lei é o mínimo que se espera.”, sustentou ela.
Ainda de acordo com a diretora do Sepe, “a oferta de uma educação de qualidade exige a manutenção dessa educação. O trabalho em qualquer condição precária não pode gerar bons resultados, sobretudo quando direcionado às crianças. Espaços com brinquedos, merenda de qualidade, profissionais capacitados, salas com quantidade máxima de alunos respeitada, rotina de planejamento para os educadores e condições de trabalho para todos os profissionais que atuam na escola. O universo infantil exige uma rotina específica de cuidados, pois as crianças nessa etapa da vida precisam ter suas condições e necessidades respeitadas.”
Contudo, como mostram os relatos de pais de alunos da Escola Municipal Anísio Teixeira, em São Domingos, esses cuidados não vêm sendo tomados pela Fundação Municipal de Educação (FME), órgão responsável pela gestão do ensino no município. Mãe da Maria Clara, de 9 anos, uma criança com altas habilidades e que, portanto, precisa de acompanhamento pedagógico especializado, a autônoma Fernanda Soares de Oliveira expressou sua preocupação com o ensino da filha. “A escola é uma excelente escola, era pra ser a menina dos olhos de Niterói, porque é uma escola integral, com profissionais capacitadíssimos, só que eles estão sobrecarregados por conta da falta de professores de apoio.”
“Estão exaustos, cumprindo tarefas e tapando buracos que na verdade deveriam estar sendo preenchidos com mais pessoal. Às vezes eles não têm hora pra almoçar, porque tem crianças que não podem ficar sozinhas e, por isso, precisam de um professor tomando conta para que o outro possa almoçar. Tem pais que estão buscando as crianças mais cedo na escola e às vezes nem levando porque não tem professor de apoio e isso é constrangedor. Como mãe, me preocupa muito, porque a profissional que deveria estar com a Maria Clara na hora da sala de recursos, está ocupada socorrendo ou cobrindo outros professores e, com isso, ela fica sem atendimento e é complicado porque vemos a mudança no comportamento dos nossos filhos.”, finalizou Fernanda.
“As turmas estão lotadas, nós temos salas muito pequenas com um volume enorme de alunos, as crianças ficam abarrotadas e em vez de abrir mais unidades, eles estão lotando as escolas que já estavam cheias. O professor chega em casa esgotado e às vezes ainda tem que levar trabalho pra casa, porque a gente passa o dia inteiro em uma sala de aula lotada e não tem tempo de sair para uma correção já que não tem profissional que cubra em sala de aula e quando alguém fica doente, é a gente que tá tendo que suprir. Estamos deixando de tirar nosso dia de planejamento, que é de direito, para poder dar conta da demanda pela falta de professores e quando chega o final de semana estamos exaustos, com muitas tarefas para executar, sem apoio, e desmotivados por ter que falar sempre o óbvio sobre um assunto que deveria ser uma prioridade, que é a educação.”, concluiu Karina.
Ofício para a FME
O Conselho Escola Comunidade (CEC) da instituição disse que vai enviar um ofício para a FME para esclarecer “a falta de professores de apoio educacional especializado, que compromete o funcionamento pleno das atividades desenvolvidas com alunos NEE e dificulta o processo de inclusão educacional dos mesmos, a falta de professores volantes, para cobrir o direito à faltas abonadas e tempo de planejamento garantidos por lei, o déficit permanente de cozinheiras escolares, a diminuição de verbas recebidas pela Escola para manutenção e aquisição de materiais de uso regular, como, materiais de higiene básica, limpeza, material de uso culinário, de uso pedagógico e afins e a necessidade de um profissional com formação em primeiros socorros, para atender as demandas da unidade escolar nos acidentes diários, durante o período que as crianças permanecem neste espaço.
O Sepe, por sua vez, informou que o sindicato vem monitorando as situações que acometem a educação infantil e outros segmentos que também apresentam diversas deficiências, como a falta de professores e estrutura adequada nas escolas e trabalha para pleitear as soluções necessárias. “Nós, do sindicato, pensamos a educação como um projeto de Estado e não uma política de governo. Entendemos e lutamos por uma educação digna para as classes populares e boas condições de trabalho para todos da escola e estaremos sempre em luta para que nossas pautas sejam respeitadas e atendidas. Tivemos reuniões com o secretário de educação e sua equipe, nas quais fomos enfáticos sobre a solução dos problemas que envolvem a educação infantil e temos, inclusive, uma ação [na Justiça] sobre o concurso de 2008, com a possibilidade de chamada desses profissionais, mas o governo insiste em recorrer [da decisão], trazendo morosidade ao caso e, em consequência, a impossibilidade de uma solução para todos.”, afirmou a entidade.
Em resposta à reportagem, a Prefeitura de Niterói informou que “a Educação Niterói vem empregando esforços para superar os desafios da educação especial. A Rede Municipal de Educação está realizando a contratação de 70 professores de apoio especializado que serão incorporados ao quadro para suprir as necessidades da Educação Especial a partir do segundo semestre. A previsão é que, até o fim do ano, o concurso público supra as contingências atuais do atendimento da Educação Especial.
A bidocência, caracterizada pela parceria entre professores do ensino comum e professores de suporte da educação especial, tem sido um dos focos de estudos com vista à resolução carência de professores na Rede Pública Municipal. Como consequência disso, foram criadas duas comissões especiais, através das Portarias nº 577/2022 e nº 578/2022, publicadas em maio, que têm como objetivo a elaboração dos editais do VII Concurso Público e de Contratação Temporária, que já está sendo executada”.
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