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Poder paralelo: 22,6% da população de Niterói vive em locais sob comando de grupos armados

Por Sônia Apolinário
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Comando Vermelho e Terceiro Comando Puro estão presentes em 77 comunidades da cidade, onde vivem um total de 109.303 pessoas
mapa grupos armados
Niterói no Mapa dos Grupos Armados. Foto: reprodução/Fogo Cruzado

Dois grupos armados dominam, atualmente, o território de Niterói: Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando Puro (TCP). Juntos, estão presentes em 77 comunidades da cidade, onde vivem um total de 109.303 pessoas, o que representa 22,6% da população. Os dados constam do Mapa dos Grupos Armados, feito pelo Instituto Fogo Cruzado em parceria com  o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (GENI-UFF), divulgado na última segunda-feira (15).

Dentre os dois grupos, a predominância é do CV, presente em 94,1% das áreas dominadas por grupos armados no município. De acordo com o levantamento, o Comando Vermelho foi o único grupo armado a avançar 8,4% seu domínio entre os anos de 2022 e 2023, na região metropolitana do Rio de Janeiro, enquanto as milícias apresentaram redução de 19,3%. O Mapa não aponta área de milícia, em Niterói.

CV X TCP

Em Niterói, o Terceiro Comando Puro (TCP) domina os morros do Palácio (Ingá), Estado (Morro do Estado) e da Otto (Engenhoca), onde residem cerca de 6 mil pessoas.

Porém, no morro do Estado, o TCP divide cerca de 10% da localidade com o CV. E ainda fica bem próximo do morro da Chácara (Centro) que é comandado pelo CV.

No morro da Otto, o TCP também divide parte do território com o CV, além de ser ladeado pelos morros do Pires (Barreto) e dos Marítimos (Engenhoca), dominados pelo CV.

O Terceiro Comando Puro foi criado a partir de uma dissidência do Terceiro Comando, De acordo com o Mapa, também sofreu redução na região metropolitana do Rio, tendo encolhido em 13%. O levantamento detectou que a facção Amigos dos Amigos (ADA) foi outra a sofrer uma redução dos seus domínios: 16,7%.

O Comando Vermelho é, atualmente, uma das maiores organizações criminosas do Brasil. Foi criado em 1979 dentro de uma penitenciária, o Instituto Penal Cândido Mendes, na Ilha Grande, em Angra dos Reis (RJ).

Segundo a polícia, o CV tem atuado em aliança com a milícia. O grupo possuiu ramificações em praticamente todos os estados brasileiros.

De acordo com o Mapa, as milícias, que em 2021 e 2022 eram o grupo armado com o maior domínio territorial, foram ultrapassados pelo do Comando Vermelho que, em 2023, concentrou 51.9% dos territórios controlados por grupos armados na região metropolitana do Rio de Janeiro.

CV e milícia

O CV também domina a região do Leste Metropolitano que, além de Niterói, engloba os municípios de São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, Rio Bonito, Cachoeira de Macacu e Tanguá. O grupo nunca controlou menos do que 70% desse território.

Em 2023, dos 111,04 km² de área do Leste Metropolitano dominada por algum grupo armado, 97,4% estava sob domínio do Comando Vermelho.

O levantamento detectou que, na Baixada Fluminense (Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim, Itaguaí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São João de Meriti e Seropédica), ocorre uma oscilação no domínio entre milícia e CV desde 2019.

Nos 16 anos analisados pelo estudo, a milícia cresceu expressivamente (177.2%) aumentando seu território em 48,99 km². Porém, a queda em 2023 (22.5%) fez com que o CV retomasse a liderança em cobertura territorial na região.

Para Maria Isabel Couto, Diretora de dados e transparência do Instituto Fogo Cruzado, a hegemonia do CV no Leste Metropolitano e seu crescimento na Baixada Fluminense explicam a liderança da facção em 2023.

– A série histórica mostra o crescimento consistente das milícias até 2021. Isso muda em 2022, quando o CV volta a crescer por dois anos consecutivos. Nos dois casos, enquanto não houver política pública voltada para a desarticulação efetiva das redes econômicas que sustentam os grupos armados e para a proteção de funcionários públicos que prestam serviços essenciais em todos os bairros do Grande Rio, conviveremos com essa oscilação onde num ano a milícia cresce mais e noutro o CV lidera. Essa oscilação é também consequência das escolhas do poder público, que privilegiam operações espetaculares de confronto armado que hora afetam mais um grupo, hora afetam mais outro, sem modificar a estrutura. O problema maior por trás disso são os conflitos incessantes que diariamente colocam a vida da população em risco e as dinâmicas de violência e extorsão às quais essa mesma população é submetida quando um grupo armado assume sua localidade – explicou a pesquisadora.

Série histórica

Ao todo, de 2.565,98 km² de área urbana habitada da região metropolitana do Rio de Janeiro (retiradas a cobertura vegetal, áreas rurais e bacias hidrográficas), 18,2% esteve sob o domínio de algum grupo armado em 2023.

Em 2008, as áreas dominadas representavam 8,8%. Isso significa que nos últimos 16 anos a área da região metropolitana do Rio de Janeiro sob controle de grupos armados dobrou (crescimento de 105.73%).

Daniel Hirata, coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, observou que, nos últimos anos, aconteceram muitos “episódios emblemáticos do conflito entre os grupos armados pelo controle territorial”:

– Agora vemos como isso tudo faz parte da dinâmica geral do controle de territórios e populações. A expansão do controle territorial se faz de forma muito mais frequente em áreas não controladas anteriormente, mas não é possível ignorar o conflito aberto no Rio de Janeiro. Sabia-se que o CV estava avançando em áreas das milícias e que isto levaria a intensificação do conflito. Neste ponto, a atuação das autoridades políticas e policiais deixou muito a desejar, seja porque não ofereceu a devida proteção aos moradores dessas áreas, em parte, inclusive, intensificando os conflitos através das operações policiais, mas também porque não atua sob as bases políticas e econômicas desses grupos e nem na lógica do controle territorial armado, que como o caso Marielle mostrou, é o estrutura o poderio desses grupos – afirmou.

As milícias foram o grupo que mais cresceu ao longo de todo esse período, triplicando o seu domínio territorial (+204,6%). E a ADA foi o único grupo que apresentou redução ao final do período (75,8%). CV e TCP cresceram respectivamente 89,2% e 79,1% nos últimos 16 anos.

Em 2023, dos 466,65 km² de área do Grande Rio dominadas por algum grupo armado, 38,9% estavam sob o domínio das milícias, 7,7% do Terceiro Comando Puro, 0,8% da facção Amigos dos Amigos, e 51,9%, sob o domínio do Comando Vermelho.

Com isso, em 2023, o CV retomou a liderança de área total sob o seu domínio (242,21 km²), que havia sido perdida em 2021 para as milícias.

Em 2021, dos 509,35 km² do Grande Rio dominados por grupos armados, 46,5% pertenciam às milícias e 42,9% ao Comando Vermelho. TCP e ADA dominavam 8,7% e 0,9%, respectivamente.

A retomada do Comando Vermelho foi impulsionada pelo crescimento na Baixada Fluminense e no Leste Metropolitano, que somaram 85% das áreas conquistadas pela facção em 2023. Enquanto as milícias, acumularam as maiores perdas na Baixada, seguida da Capital, principalmente na Zona Oeste.

Capital

Segundo o levantamento, a capital fluminense é uma região marcada pelo predomínio das milícias. Dos 155,33 km² de área da cidade dominada por algum grupo armado em 2023, 66.2% estavam sob influência das milícias em 2023. Comando Vermelho, Terceiro Comando Puro e Amigos dos Amigos concentraram 20,7%, 9,3% e 2,4%, respectivamente.

Apesar do forte domínio, as milícias perderam território na cidade, registrando uma queda de 15,4%. O Terceiro Comando Puro reduziu 9,6% de seu território e o ADA, 16%.

O Comando Vermelho foi o único grupo armado a expandir seu território na Capital, com um aumento de 9,12%.

 

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