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O Grupo de Estudos dos Novos Legalismos (GENI), da Universidade Federal Fluminense, afirma que operações como as que ocorreram no Salgueiro, em São Gonçalo, e no Morro do Palácio, em Niterói, onde o entregador Elias Lima de Oliveira foi morto, deveriam ser comunicadas ao Ministério Público antes de acontecerem, regra que a PM e demais polícias do Estado vêm desrespeitando.
As polícias Militar e Civil do Rio de Janeiro vêm realizando operações ilegais em comunidades, que ferem a ADPF 635. Conhecida como ADPF das Favelas, a normativa que proíbe operações durante a pandemia entrou em vigor após o assassinado do adolescente João Pedro, em maio de 2020, no Salgueiro (São Gonçalo), na sala de casa.
A coordenadora do GENI, Carol Grillo, relembra que a ADPF das Favelas entrou em vigor por causa da pressão de movimentos sociais, após o assassinato do adolescente:
– Já havia muitos relatos nesse pedido de medida cautelar, porque os postos de saúde tinham que parar de funcionar por causa das operações policiais, que rompiam com a rotina desses serviços. E também por causa da situação humanitária, os trabalhos de distribuição de cestas básicas e ajuda humanitária estavam sendo prejudicados por essas operações. Tudo isso contribuiu para a liminar ser aprovada.
A pesquisadora afirma que, pela norma em vigor, apenas operações previamente comunicadas ao MPF e com motivação imprescindível podem acontecer. Segundo ela, nem a do Salgueiro, que resultou na morte de nove pessoas, nem a do Palácio apresentavam características para serem imprescindíveis.
– Eles apresentaram para os jornais que era um patrulhamento para combater os traficantes que estariam se utilizando de escolas, ou seja, era operação. Mas ali não é um território onde a polícia faz patrulhamento. O tráfico de fato oferece resistência armada à polícia, e a própria polícia se recusa a realizar patrulhamento de rotina, e só vai em operação. Então, dizer que a polícia estava fazendo patrulhamento no Complexo do Salgueiro é uma irregularidade lógica. Isso só acontece quando há uma UPP, e aí sim passa a existir um patrulhamento em territórios ocupados. Mas não é o caso do Salgueiro.
Ela chamou 2021 de ‘um ano extremamente violento’, e disse que um fator preocupante é o desfecho destas operações, que acabam se tornando, como ela mesma chama, de ‘operações vingança’:
– Essa ação da PM no salgueiro ainda tem a justificativa de vingança. Então as justificativas são que houve um assalto e um policial reagiu e foi assassinado. Há uma retaliação, o que é absolutamente irregular, porque você submete uma população inteira de um bairro a uma operação de vingança, ao invés do caminho de investigar, julgar e prender.
O Novos Legalismos monitora operações policiais a partir de dados de imprensa, sites de notícias, impressos e dados públicos. Segundo Grillo, os dados mostram um aumento significativo de mortes por intervenção de agentes policiais a partir de 2013, intensificado em 2019. O índice só melhorou com a intervenção da ADPF 635, que poupou não só novas chacinas como as vidas dos próprios policiais.
A pesquisadora diz que, curiosamente, durante o mandato do ex-governador Wilson Witzel a ADPF das Favelas foi mais respeitada, e houve diminuição nas operações. O que não mudou foram os índices de criminalidade, que se não diminuíram, também não aumentaram, como argumentavam os contrários ao fim das operações:
– Houve diminuição nas operações durante um período de 4 meses, entre junho e setembro, sem que houvesse aumento de criminalidade, como nós [GENI] demonstramos.
O relatório “Medindo a Eficiência das Operações Militares” do grupo de estudo, mostra que as operações policiais não interrompem a ocorrência de crimes. O estudo usou como base informações do trabalhos das polícias do Estado do Rio de Janeiro nos últimos 40 anos:
– A gente observou que, após 40 anos de operações policiais, o crime não diminuiu no Rio de Janeiro.
Chamou a atenção a quantidade de policiais e carros para conter o ato pacífico dos moradores do Morro do Palácio, na última quarta-feira. Vizinhos e amigos do jovem entregador de aplicativo assassinado bloquearam as ruas tal e tal com lixo e seguraram cartazes, observados por muitos PMs, fortemente armados, perto de quatro camburões. Vigilância bem diferente de outros atos ocorridos na orla bem recentemente, como por exemplo o protagonizado por empresários pedindo o fim das medidas de restrição aos restaurantes e bares. A pesquisadora comenta a diferença na percepção do tratamento aos dois grupos diferentes:
– Isso tem a ver com a percepção de que essa população preta, pobre, não pode estar organizada demandando seus direitos nas ruas. Essa repressão pública vai depender de quem são os demandantes. Basicamente, é racismo.
Moradores fazem novo protesto
Os moradores do Morro do Palácio foram novamente às ruas nesta sexta-feira pedir pedir Justiça no caso do assassinato do jovem Elias, de 24 anos, morto na última quarta-feira em uma operação na comunidade. Dezenas de pessoas novamente gritavam pelo fim da violência nas favelas de Niterói e pediam transparência nas investigações, além de mudanças na forma de operar da Polícia Militar.
O ato começou por volta das 17h, na própria comunidade, e seguiu para Icaraí.
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