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No Carnaval de 2025, a Estação Primeira de Mangueira apresenta, na Marquês de Sapucaí, um enredo que mergulha na história e na resistência do povo negro no Brasil. Com o título “À Flor da Terra – no Rio da Negritude entre Dores e Paixões”, a escola de samba vai contar a narrativa retratada no livro À flor da terra: o cemitério dos Pretos Novos no Rio de Janeiro, do professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), Júlio César Medeiros da S. Pereira. A obra, fruto de uma extensa pesquisa acadêmica, aborda a memória do Cemitério dos Pretos Novos, local onde escravizados eram enterrados de forma precária, “à flor da terra”, refletindo a desumanização e o descaso da época.
A Estação Primeira de Mangueira é a última a se apresentar no primeiro dia de desfiles do Grupo Especial, no domingo (2), logo após a passagem da Unidos do Viradouro pelo Sambódromo.
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O enredo, idealizado pelo carnavalesco Sidnei França, estreante no Carnaval carioca, promove uma reflexão sobre o apagamento e a invisibilidade do povo preto desde a chegada dos escravizados ao Cais do Valongo, no Rio de Janeiro. França, que acumula cinco títulos em São Paulo, optou por explorar as influências dos povos bantos na cultura brasileira, ao dar destaque à sua contribuição para a formação sociocultural do Rio de Janeiro.
A pesquisa de Pereira, que serviu de base para o enredo, revisita uma das páginas mais sombrias da história do Brasil e investiga as práticas de sepultamento dos escravizados africanos recém-chegados ao país entre 1722 e 1830. O trabalho, originalmente uma dissertação de mestrado, utiliza documentos históricos como livros de óbitos, relatos de viajantes, jornais da época e dados arqueológicos para reconstruir a história desse local de memória e dor.
O Cemitério dos Pretos Novos foi criado exclusivamente para enterrar escravizados que morriam logo após a chegada ao Brasil, antes de serem vendidos no Valongo. Funcionou inicialmente no Largo de Santa Rita, no centro do Rio, e depois foi transferido para o Valongo, região portuária da cidade, por ordem do vice-rei Marquês do Lavradio. O local, que operou de 1774 a 1830, era marcado pela desumanização: os corpos eram enterrados de forma precária, “à flor da terra”, ou seja, eram deixados ao solo sem sepultamento, ritual religioso ou qualquer respeito pelos mortos. Os que eram sepultados, eram esquecidos nus, envoltos em esteiras, em valas comuns.
A pesquisa de Medeiros destaca que o aumento do tráfico negreiro no início do século XIX levou a uma superlotação do cemitério. “Entre 1824 e 1830, mais de seis mil escravizados foram enterrados no local, mas se levarmos em conta desde a sua fundação, em 1774 até 1830, seriam mais de vinte mil sepultamentos. O fechamento do cemitério em 1830 coincidiu com o tratado de extinção do tráfico de escravos, assinado com a Inglaterra. No entanto, a prática de sepultamentos precários continuou em outros locais”.
Ainda segundo o professor, “a localização do Cemitério dos Pretos Novos foi perdida, até que em 1996, na Rua Pedro Ernesto, 35. (Antiga rua do Cemitério), o casal Mercedes e Petrúcio, descobriu as ossadas, ao fazer a reforma do imóvel recém-adquirido. Ali estava o cemitério de escravizados esquecidos, os quais nunca tiveram seus corpos devidamente sepultados.”
A análise da violência cultural praticada no Cemitério dos Pretos Novos é um dos pontos-chave do livro. O professor explora como as práticas de sepultamento desrespeitavam tanto as tradições católicas quanto as crenças bantos, predominantes entre os escravizados. “Na cultura banto, os rituais fúnebres eram essenciais para garantir que os mortos se integrassem ao mundo dos ancestrais. A falta desses rituais transformava os mortos em ‘desgarrados’, espíritos que atormentariam os vivos. Para os escravizados, essa violência simbólica somava-se ao trauma da escravização e do desenraizamento.”, explica o autor.
O estudo também revela a relação do cemitério com a cidade do Rio de Janeiro. Com isso, a Mangueira, conhecida por seus enredos que abordam temas sociais e históricos, promete transformar a Sapucaí não só em um palco de celebração, mas também de reflexão. O desfile vai explorar as dores e paixões que permeiam a vivência da população negra no Rio de Janeiro, destacando a luta contra o apagamento histórico e a busca por reconhecimento e igualdade.
O que antes era cemitério, hoje é o Instituto de Pesquisa e Memória Pretos Novos, um sítio arqueológico, fruto de esforços de preservação e valorização da memória negra no Rio de Janeiro, do casal Mercedes e Petrúcio e diversos pesquisadores que se juntaram a eles em prol da causa. A pesquisa de Pereira ilumina um capítulo pouco conhecido da história brasileira e contribui para a luta contra o apagamento da identidade e da cultura afro-brasileira. Em 2025, essa história será levada à Sapucaí pela Mangueira, em um desfile que promete emocionar e conscientizar o público sobre a importância de resgatar essas memórias.
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