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Os dois primeiros anos de pandemia registraram as piores taxas de desemprego da última década, no Brasil. É o que aponta o resultado trimestral da PNAD Contínua, divulgados na última quinta-feira (24), pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2020, o índice chegou a 13,8% da população e, em 2021, caiu para 13,2%. Apesar da redução, as médias são as mais altas desde o início da série em 2012 e mostram o impacto da crise sanitária no mercado de trabalho do país.
Foram muitas as transformações. Desde demissões, até mudanças nos processos e na organização do trabalho. Do ponto de vista da economia, a pandemia atingiu o país de forma muito significativa. Para José Silvestre, diretor adjunto do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), um fator problemático para o Brasil foi a má gestão da crise sanitária pelo Governo Federal.
– No caso nosso aqui, há que se considerar todo o processo de sabotagem e desinformação, a falta de coordenação por parte do Governo Federal e, particularmente, do Ministério da Saúde, no atraso na compra das vacinas. Se tivéssemos um enfrentamento da pandemia diferente do que foi feito, a economia não estaria na condição que está hoje, teríamos políticas públicas voltadas para amenizar a situação de grande parte da população mais vulnerável.
O especialista explica que houve um impacto pesado e isso está revelado nos indicadores da economia brasileira no ano de 2020.
– O PIB teve uma queda na ordem de 4%. Mas esse impacto não se deu em todos os setores da mesma forma. Teve, inclusive, os que cresceram, como o complexo de saúde e a indústria de alimentos.
No mercado de trabalho, a pandemia agravou a situação. Silvestre explica que a economia brasileira já vinha enfrentando dificuldades com a recessão de 2015 e 2016, e registrou baixo crescimento em 2017 a 2019. Além disso, novas formas de contratação e precarização do trabalho já vinham acontecendo desde a Reforma Trabalhista.
– A pandemia encontrou na economia fragilizada e nas alterações profundas da legislação trabalhista condições favoráveis para o cenário atual. A taxa de desemprego, que já era alta, aumentou – analisa.
Mudanças na forma do trabalho
Com o lockdown, milhares de empresas fecharam os escritórios presenciais e passaram a executar as atividades de forma remota. Do ponto de vista da organização do trabalho, a pandemia trouxe a expansão do chamado home office.
– O trabalho remoto já existia no Brasil, mas muito pouco. Com a pandemia, o setor de serviços foi o que mais registrou essa modalidade. E me parece que veio para ficar. Claro que vai ter a retomada do presencial e do híbrido, mas muita gente deve continuar com o trabalho de forma remota – afirma o especialista.
Amado por uns, odiado por outros, o home office já faz parte da realidade de muita gente, desde que as medidas de isolamento se intensificaram. Juliana Carrano, moradora de Icaraí, trabalha remotamente desde que entrou na nova empresa, há cerca de um ano e meio.
– Eu me adaptei super bem. Um fator muito relevante para mim foi a possibilidade de trabalhar com pessoas do mundo inteiro. Dificilmente em uma empresa presencial aqui no Brasil eu teria a possibilidade de conviver diariamente com pessoas de diversos países da América Latina e da Europa como hoje.
Atuando como líder de um time de recrutamento, Juliana sente falta da troca presencial com as pessoas.
– Levantar da cadeira, ir na mesa do colega de trabalho e trocar cinco minutos de conversa. No trabalho remoto isso fica um pouco mais distante, só com vídeo chamada ou mensagem. O início também apresentou um pouco de dificuldade, quando ela passava praticamente o dia todo trancada no quarto.
– Isso para mim foi a pior coisa. Eu levantava da cama, sentava para trabalhar, só ia para a sala almoçar, mas logo voltava para o quarto para continuar trabalhando e depois ler um livro ou ver TV antes de dormir. Toda a minha rotina ficou restrita aquele cômodo e isso começou a me incomodar muito.
Assim que teve a oportunidade de se mudar, a primeira coisa que fez foi colocar a mesa de trabalho em outro cômodo e tirá-la do quarto, para que houvesse a divisão entre o espaço do lazer e do descanso e o espaço do trabalho.
– Mesmo que eu seja uma pessoa focada e organizada, separar fisicamente o espaço do trabalho do espaço do descanso ajuda a mente desligar mais rápido – conclui.
Essa dificuldade em fazer a separação casa-trabalho é um sintoma comum da reestruturação do setor produtivo, de acordo com Sandro Cezar, presidente da Central Única dos Trabalhadores do Rio de Janeiro (CUT-Rio).
– Normalmente a casa é o lugar para você descansar. Com o home office, ela vira uma extensão do trabalho, ou seja, o trabalhador não consegue mais diferenciar o lugar de trabalhar com o lugar de curtir e descansar. Além de que na maioria das vezes não tem as condições ergonômicas necessárias e nem ajuda de custo com despesas como água, luz, internet.
Isabelle Pessanha, publicitária especialista em Marketing Musical de Niterói, começou a trabalhar na modalidade remota em setembro de 2020. Antes da pandemia era só o regime presencial. Ela se adaptou rápido, mas teve dificuldade de manter a concentração, já que mora com os pais.
– Não precisar pegar condução e acordar tranquilamente são as maiores vantagens. A desvantagem é que não é um ambiente de trabalho, logo, dificulta na concentração e na criatividade. Em casa não temos estímulos, presencialmente sim. A partir do mês que vem vou lá uma vez por semana, porque não aguento mais só home office – desabafa a publicitária, contando ainda que a empresa em que trabalha abriu o precedente para quem quiser adotar o esquema híbrido.
Explosão de apps e comércio eletrônico
Há ainda a dimensão da tecnologia e seus reflexos no trabalho, com a explosão do comércio eletrônico ou do conhecido e-commerce, como avalia José Silvestre.
– A grande expansão desse segmento teve impacto imediato sobre o trabalho. Aumentou muito as vendas por esse mecanismo e isso implica na redução no trabalho de chão de loja, ou seja, menos trabalhador no comércio – analisa o especialista.
Outro ponto que chamou atenção durante os dois anos de pandemia foi o aumento no número de trabalhadores de aplicativo. Para Sandro Cezar, houve uma queda bruta na remuneração dos trabalhadores, que passaram a procurar meios de sobrevivência informais.
– A gente percebe que uma parcela gigantesca da população começou a migrar para os aplicativos. O emprego formal sumiu. A sensação que se tem é que voltamos à era dos escambos, onde todo mundo abre o próprio negócio e no final troca um negócio por outro, porque não tem dinheiro circulando. O salário anda muito reduzido, principalmente com a inflação a dois dígitos. As pessoas estão ganhando muito pouco – conclui.
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