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Sexta-feira, 8h da manhã. Como de costume, meu despertador autônomo me acorda sem que eu precise ajustá-lo na noite anterior. Diferente dos despertadores comuns, que apitam, vibram ou tocam musiquinha, o meu tem o som suave de uma marreta. No apartamento ao lado – parede com parede ao meu, mais especificamente, a parede do meu quarto – uma obra acontece desde novembro. Os pedreiros gentis batem marreta, estacas, e mais recentemente introduziram a melodia mais ouvida em Niterói: a doce maquita, a ferramenta usada para “serrar” azulejos, metais e tudo o mais que um serrote não pode cortar. Tem sido assim todas as manhãs há seis meses, e começo a acreditar que, na verdade, não há obra nenhuma, e talvez o propósito de tanto barulho seja mesmo uma instalação artística musical, e os pedreiros são músicos ensaiando dia após dia sua sinfonia do barulho.
Após acordar ao som dessa agradável sinfonia, que se estende até a hora do almoço, quando a banda – digo, os pedreiros – param para comer, vou à cozinha preparar um café. O meu velho amigo me ajuda a despertar para o dia, embora esteja cada vez mais fraco, quase um chá, devido ao preço no supermercado. O músico do prédio em frente também começa a ensaiar, com sua própria maquita. Parece que teremos um festival! Depois, entra o de outro prédio. E do outro, e mais outro. De repente, é uma perfeita sinfonia tocando os sons típicos de uma cidade que está sempre mudando, acompanhando as tendências dos programas de decoração e do Pintrest.
Hora do almoço. Meus outros vizinhos, do prédio ao lado, começam a se perguntar o que gostariam de comer. Alguém bate a porta da geladeira forte demais. “Fulaaaaaaano”, grita o pai, com uma belíssima voz de peito – em termos técnicos. “Vai praquele lugar!”, responde o filho, num tom presente, impassível. A mãe usa a técnica de voz de cabeça para chamar os outros filhos para a refeição. A cada nome, ela usa um vibrato cortante, que atravessa os meus tímpanos, mas parece não chamar a atenção dos próprios moradores da casa.
A sinfonia da manhã ocupou demais a minha cabeça. Decido fazer uso do meu abafador de ruído que comprei na internet. O anúncio prometia. Dizia ser adequado para frequentadores de clubes de tiro. Mas acho que não o testaram em uma vizinhança barulhenta. Coloco também os fones, por dentro do abafador. Ainda escuto a batida intermitente ao lado “Tum! Tum! Tum!”, mas agora parece que faz parte da música que eu mesma escolhi escutar.
Depois do almoço, vou ver meus e-mails e estudar um pouco dos textos do curso – as aulas presenciais voltaram! Mas o vizinho do apartamento de baixo deixou o cachorro sozinho, e o coitadinho é carente, late e cava a porta até o insensível voltar. O show dura uma hora, e quando termina, volta a batuta do apartamento ao lado. A sincronia é admirável! Eles devem combinar o horário, para ninguém comprometer o ensaio de ninguém.
“Tum! Tum! Tum!”. Acho que a dona do apartamento não gostou da primeira versão da obra e mudou de ideia, fazendo os pedreiros – digo, a banda -, refazer do zero todo o trabalho.
“Ziiiiiiiiiiiiiiiim! Ziiiiiiiiiiiiim!”, corta a maquita no prédio em frente. “Caim! Caim! Pam! Pam!”, gane e cava, o pobrezinho do shih tzu.
É, tá difícil me concentrar hoje, a música atrai muito minha atenção. Vou ter que aumentar o volume do meu LoFi. O Windows avisa: “O volume alto pode prejudicar a audição. Tem certeza que deseja fazer isso?”.
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