Os donos da rua: cones, caixotes e até uma BMW ‘privatizam’ vagas de estacionamento em Niterói

Em diferentes bairros de Niterói, moradores e motoristas têm enfrentado um problema cada vez mais comum: a apropriação indevida de vagas de estacionamento em vias públicas. A prática, que é ilegal de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), envolve o uso de cones, caixotes e até veículos posicionados estrategicamente para impedir que outras pessoas utilizem o espaço.

Essas ações ilegais, conhecidas como “reserva de vaga”, são praticadas por diferentes atores. Flanelinhas, empresas, serviços de valet e até moradores foram denunciados ao A Seguir, que flagrou diversas situações em que o espaço público é tratado como propriedade privada.

Flagrantes

O A Seguir flagrou a irregularidade em diversas ruas da cidade. Na Rua Miguel de Frias, em Icaraí, cones delimitam espaços, impedindo que outros veículos estacionem. “Na altura do Colégio São Vicente, a partir das 17h, sempre tem cones impedindo o estacionamento! Também fazem isso na Tavares de Macedo com Miguel de Frias”, denuncia Luciana Novaes, moradora da região.

Na Rua 7 de Setembro, nas proximidadas da Rua Nóbrega, no mesmo bairro de Icaraí, também foi possível flagrar objetos guardando vagas de estacionamento por guardadores de carro. “Costumo ver (os objetos) sempre quando o final de semana começa a se aproximar, a partir de quinta à noite, já tem uma movimentação de flanelinhas guardando vagas”, disse uma moradora que não quis se identificar. Ela relatou já ter visto todo tipo de ‘tralha’ guardando as vagas, “até ferro de passar roupa, os guardadores usam para guardar vaga”, contou.

Uma das situações mais inusitadas foi flagrada na Rua Mariz e Barros, em frente ao Hospital Niterói D’Or. Funcionários de um serviço de valet usavam uma BMW X1 para bloquear duas vagas ao mesmo tempo. A estratégia era simples: posicionar o carro de luxo ocupando dois espaços e, quando um cliente chegava, a BMW era movida para liberar a vaga.

Quando alguém queria estacionar o carro por ali, era obrigado a acionar os serviços de valet e a BMW era movida para frente ou para trás, dando o espaço necessário para que o carro do “cliente” estacionasse no restante da vaga.

Uma funcionária da academia The Silva Gym, localizada em frente à “barraquinha” do valet, contou como funciona o serviço para quem treina no lugar.

–  É só chegar e parar o carro onde fica o valet, com um dos funcionários. Daí você precisa deixar a chave do veículo e o seu nome que eles vão estacionar o seu carro na vaga mais próxima. Quando você estiver acabando de treinar, é só fazer uma ligação que eles deixam o carro preparado você pegar quando sair – disse a funcionária.

No Centro, a prática também foi registrada na Rua Áurea Lima, onde uma empresa de transporte utiliza cones para reservar até três vagas em uma área de estacionamento rotativo. “Como tem uma escola na rua, os pais precisam parar rapidamente. Mas a empresa bloqueia as vagas como se fossem dela, o que dificulta muito para quem precisa deixar os filhos”, desabafa Kelly Bittencourt, mãe de um aluno. “Os cones ficam no final da rua, perto da escola, mas a empresa fica do outro lado. É um absurdo.”

Já na Travessa Trajano de Moraes, no bairro Vital Brasil, a criatividade se manifesta em caixotes estrategicamente posicionados por um morador para bloquear as vagas. “Já fizeram denúncia e a prefeitura chegou a retirar os caixotes, mas agora ele voltou a colocá-los”, relatou uma moradora, que reside perto da rua.

Ilegalidade e impunidade

Apesar de ser uma infração prevista no Código de Trânsito, a prática de reservar vagas em vias públicas tem sido ignorada pelas autoridades. Durante os dias em que a equipe do A Seguir percorreu as ruas e registrou os flagrantes, não foi observada qualquer ação de fiscalização por parte da Prefeitura de Niterói.

A apropriação de vagas em espaços públicos, além de ilegal, reforça a desigualdade no uso do espaço urbano e prejudica quem depende do estacionamento rotativo para atividades cotidianas. Enquanto isso, a impunidade mantém e até estimula a continuidade dessa prática.