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Impacto emocional provocado pelas perdas familiares e de amigos, um sentimento de medo, que foge do controle, isolamento social e a instabilidade no trabalho foram alguns dos fatores que colaboraram para o aumento da ansiedade e depressão, após a pandemia da Covid-19. Há quem prefira classificar esse momento de “emoções em caixa alta” como o surgimento de uma “segunda pandemia”: aquela que se refere à saúde mental.
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A situação merece todo o cuidado. Se ainda patinamos para resolver nossas próprias questões, imagina se levarmos em conta um cenário em que somos obrigados a encarar a maior emergência de saúde pública do século?
Números do Datasus apontam que o total de óbitos por lesões autoprovocadas dobrou nos últimos 20 anos, passando de 7 mil para 14 mil.
Mas isso não é de hoje. Dados anteriores à pandemia já apontavam episódios depressivos como a principal causa de pagamento de auxílio-doença não relacionado a acidentes de trabalho, correspondendo a 30,67% do total, seguida de outros transtornos de ansiedade (17,9%).
A prevalência global de depressão e ansiedade aumentou em 25% no primeiro ano da pandemia da Covid-19, de acordo com um resumo científico divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) no início de dezembro.
O que fica são sequelas que mostram o quão pouco foi feito em termos de medidas práticas no combate à crise da saúde mental, anunciada desde 2020. Mas há quem tenha se mobilizado em busca da melhoria do bem-estar de pessoas, seja pelo acolhimento ou pela técnica e experiência de um profissional.
Um desses projetos é retratado no livro “Coragem, Resiliência e Esperança: Assistência Psicológica Humanitária Integrativa na Pandemia da Covid“, resultado de uma coletânea de autores e voluntários que se uniram em um longo trabalho desenvolvido pelo Programa de Ajuda Humanitária Psicológica (PHAP).
O livro será lançado na Livraria da Travessa de Botafogo na próxima quarta-feira (17), às 19h, e entre os autores há três psicólogas de Niterói: Gilvane Bispo, Lilian Tostes e Rita Saraiva.
No Capítulo 21, “Vozes de Petrópolis: Nós podemos acolher o difícil e transformá-lo“, as psicoterapeutas, que foram docentes no curso de aprimoramento da parceria da fundação Universitária Regional de Blumenau com o Programa de Ajuda Humanitária Psicológica na Assistência Psicológica Integrativa em Pandemia, relatam as experiências desenvolvidas na Casa da Cidadania de Petrópolis e, com o apoio do Rotary Club de Petrópolis e o Rotary Club do Butantã.
No capítulo, elas abordam o trabalho desenvolvido com mulheres costureiras que sofreram dupla catástrofe: a pandemia e as chuvas e deslizamentos de Petrópolis em 2022.
Gilvane e Lilian conversaram com o A Seguir sobre a experiência com o Programa.
– Quase impossível colocar em palavras o vivido. Todos os sentidos em circuito quando acesso as lembranças do testemunho das mulheres de Petrópolis. Ficam em mim as emoções que nenhuma enchente leva assim como a frase final de uma delas: “Vocês vão, mas deixam um pouco de vocês aqui” – afirmou Gilvane, psicóloga pela UFF, com formação em Psicodrama e Psicopedagoga. Também é Terapeuta de Família e possui experiência com Terapia EMDR e Brainspotting.
O Programa de Ajuda Humanitária Psicológica (PHAP) tem como objetivo oferecer capacitação e assistência psicológica em catástrofes naturais e incidentes críticos que tratam da vulnerabilidade humana.
O impacto de eventos críticos sobre os indivíduos, como foi a pandemia Covid-19, pode ser desastroso, trazendo consequências sérias no funcionamento psíquico. Uma dessas consequências é o TEPT – transtorno de estresse pós trauma. O livro se debruça nisso mas, principalmente, explica, de forma empírica, como esses transtornos podem ser tratados.
Desde 2013, a OMS indica a Psicoterapia EMDR para o tratamento de traumas emocionais, os quais são muito pouco diagnosticados refletindo no que alguns pesquisadores chamam da “epidemia invisível do trauma”. Então, uma forma de prevenir possíveis TEPT, é intervindo com esta modalidade terapêutica cuja fundamentação é a neurobiologia cerebral.
A psicóloga e co-autora do livro, Lilian Tostes, lembra que as tempestades na Região Serrana do Rio costumam ser muito frequentes. Consequentemente deparamos com uma população muito sofrida e traumatizada.
Lilian possui especialização em Psicologia Clínica e formação em Terapia EMDR e Brainspotting, Psicodrama, Terapeuta de Família e Psicotraumatologia.
Ela cita um dos episódios mais recentes, em 2023, quando a cidade de Petrópolis sofreu com as tempestades. Nesse contexto, a área têxtil foi totalmente atingida e muitas mulheres perderam sua fonte de renda – muitas perderam também moradia, pessoas da família, vizinhos.
– Este foi o contexto que encontramos, na Casa da Cidadania, em Petrópolis, com 40 mulheres de várias idades, estado civil, religião para uma trabalho de assistência psicológica. Da dor e da desesperança estas mulheres se encontraram, falaram, choraram e, com toda expertise de uma equipe bem preparada puderem resgatar a força interna para voltar a vida cotidiana.
E acrescenta: O movimento final das mulheres de ânimo, de muita coragem foi muito potente, uma vibração diferente. O estado do começo e do final teve uma diferença significativa. Na verdade, fizemos um trabalho de assistência a mudança de estado para a reação ao que se precisa para a catástrofe – conclui Lilian.
Dito e feito.
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