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Rebobinar o filme dos 50 anos da ponte Rio-Niterói é como fazer um balanço de perdas e ganhos, percorrendo, acima do limite de velocidade, sem a vigilância dos radares. Um roteiro em que aparecem personagens como a Rainha Elizabeth (quase que ela pega esse cinquentenário), financiadora da obra; os militares engalanados no dia da inauguração; a cantora Maysa (morta em 1977 num acidente quando vinha de Maricá, onde morava); cavalos desfilando pela ponte; o ex-governador Wilson Witzel (pousou de helicóptero no vão central mirando na cabecinha de um sequestrador de ônibus); um salto de parapente do vão central; o navio abandonado São Luiz se chocando contra os pilares e um cantor da Jovem Guarda chamado Marcus Pitter.
Ôpa, uma pausa: Marcus Pitter, como assim? Antes de seguir na leitura, vale um click no link Marcus Pitter – A Ponte Rio-Niterói – Ouvir Música (ouvirmusica.com.br) – Pesquisar (bing.com) e preste atenção na ansiosa canção que ele fez em 1970. Paulista de Ribeirão Preto, produziu um ié-i-e-ié cívico sobre a maior obra de engenharia do país. Criticava a lentidão das barcas no caminho da amada em Niterói e mal podia esperar o dia em que conseguiria ver seu amor de hora em hora, cruzando a baía pela ponte. Na época, línguas maldosas insinuavam que a música fora inspirada pela equipe do ministro dos Transportes, o coronel Mario Andreazza, entusiasta e responsável pela obra. Era o tempo do “Ninguém Segura esse País”, e os militares no poder, que então não permitiam acampamentos na frente dos quartéis, inspiraram até um enredo de carnaval com samba de ninguém menos que João Nogueira, festejando o mar das 200 milhas. Mais de um. Em 75, a Beija Flor entraria na avenida em 1975 cantando o PIS, o Pasep e o Funrural. Mas este é outro filme. A música de Marcus Pitter não chegou a estourar nas paradas, mas fez algum sucesso e teve amplo destaque nas rádios e programas de auditório, Chacrinha entre eles. O cantor, que morreu em 2022 no Rio, de Covid, aos 75 anos, certamente teve tempo de ver que a letra de sua canção foi violentamente atropelada…
Mas vamos voltar ao início do filme. O primeiro carro a cruzar oficialmente o vão central em 4 de março de 1974 foi um Rolls Royce que levava o então presidente da República, general Emilio Garrastazu Médici e o bronzeado ministro Mario Andreazza. A cerimônia foi montada na praça do pedágio, pela manhã. Teve discursos, palmas e a imprensa encaixotada num quadrado cercado de seguranças por todos os lados. Difícil encontrar um repórter (e eram dezenas) que tenha conseguido fazer uma mísera pergunta a alguma autoridade naquela solenidade. Quando o curral da imprensa foi desfeito, os alvos já estavam longe. Até para fugir do calor.
Após o desfile do Rolls Royce, a ponte viveu um congestionamento tão grande quanto a obra, numa espécie de prefácio de seu destino. Moradores dos dois lados, ansiosos pelo fim de uma construção acidentada que levou seis anos, saíram de casa para usufruir um dia histórico: o Rio e Niterói, ainda duas capitais, unidas por uma ponte. Teve niteroiense que encarou com alegria a ponte parada só para sentir o prazer de tomar um chope em Copacabana, como se fosse no bar da esquina de casa.
Não dava ainda para imaginar, então, o peso da ponte no trânsito de Niterói, do Rio, da BR 101…,Um ônibus enguiçado no vão central paralisa toda a Região Metropolitana e ainda atrapalha parcela importante do transporte de cargas.
Os números são superlativos. Dos 50 mil veículos/dia previstos no projeto, o número médio triplicou, tornando a travessia bem às vezes mais demorada que o trajeto marítimo das barcas, que continuam consumindo de 20 minutos a meia hora entre a Praça Araribóia e o Rio, como na era pré-história da ponte. Pandemia à parte, tivessem melhorado minimamente o serviço, as barcas poderiam até sonhar em recuperar boa parte dos passageiros que perdeu para os ônibus que trafegam pela ponte.
Cálculos e estimativas de quem já trabalhou e trabalha na operação da ponte mostram duas estatísticas estrondosas no volume de tráfego. A primeira delas revela que nesses cinquenta anos passaram pelos 13 quilômetros da ponte cerca de 2 bilhões e 200 milhões de veículos. A segunda, que constará de um livro que a concessionária Ecoponte prepara para marcar a efeméride, contabiliza 1 bilhão e 800 milhões, além de 7 bilhões de seres humanos. Segundo a ONU, hoje somos 8 bilhões de seres humanos na face da terra. O patriota Marcus Pitter teria motivos de sobra para compor outro sucesso…
Niterói virou refém do comportamento do tráfego na ponte. Uma encrenca cuja solução exigiria outra obra gigantesca: um túnel, uma segunda ponte, por aí. Ou a chegada dos carros voadores. O tempo protocolar de travessia é de 13 minutos, mas em horários de vale. Nos picos da manhã e da tarde a coisa nunca é menor que meia hora, sem contar os congestionamentos de entrada e saída. Moradores da cidade costumam lembrar de já terem ficado presos na ponte por mais de uma hora, uma hora e meia, duas horas…
Na verdade, o morador de Niterói é o usuário mais frequente da ponte, precisa dela no seu dia a dia; o do Rio, não, passa por ali para a Região dos Lagos e ainda diz, estive em Niterói, ali na Niterói-Manilha…
Nos fins de semana, a ponte tem horários de estresse para quem busca a região dos lagos e as praias oceânicas de Niterói. Esta, aliás, foi uma das novidades que a obra implantou na vida da ex-capital fluminense. Não fugimos para Copacabana e Ipanema. Hoje, há mais forasteiros que niteroienses em Piratininga, Itaipu, Itacoatiara e Camboinhas nos fins de semana ensolarados. Falando em praias: difícil uma operação da Polícia Federal não incluir a Região Oceânica de Niterói no roteiro de prisões e apreensões. A ponte, digamos, facilitou a vida dos federais destacados para agir no lado de cá.
Fora essa invasão (de banhistas e suspeitos), de certa forma, a ponte mais tirou que acrescentou na vida de Niterói.
Com a ponte, veio a fusão dos estados da Gunabara e do Rio de Janeiro. Até 1975, a cidade hospedava um governador, uma assembleia legislativa, tinha seus palácios, uma imprensa relevante, escolas notáveis como o Centro Educacional de Niterói, a quermesse do Instituto Abel (ficava na então Avenida Estácio de Sá), o Samanguaiá e um Mercado de Peixe de acesso difícil para quem morava no outro lado. Samanguaiá era um hotel restaurante pendurado na enseada de Jurujuba cuja cozinha atraía cariocas e estrangeiros. Sem ponte, eles chegavam em iates. Tony Curtis e até Juscelino Kubitscheck teriam andado por lá. Mas JK não está no filme dos 50 anos da ponte.
Foram três os generais presidentes que trabalharam para tirar Niterói da lista de capitais estaduais, todos gaúchos: Artur da Costa e Silva (que iniciou a obra e dá nome a ela), Emílio Médici, que concluiu e inaugurou, e Ernesto Geisel, que em 1975 decretou a criação do Estado do Rio de Janeiro, nascido da fusão entre a antiga Guanabara e o velho Rio de Janeiro. Guanabara hoje é o nome de supermercado e de uma taça sem nenhum prestígio no calendário do futebol carioca. É também nome de uma baía que já era imunda bem antes da ponte. E o Guanabara, o palácio, entrou na mira dos caciques políticos do interior e da Baixada empoderados pela fusão. Digamos que nesse quesito perdemos todos, cariocas e fluminenses. Na lista de ex-governadores presos, o peso fluminense é maior. O que não quer dizer que, sem ponte e fusão, o destino dos cariocas seria melhor. O último governador (nomeado) da Guanabara foi o cacique Chagas Freitas, que estava na cerimônia do dia 4 de março de 1974.
A cidade perdeu um acentuado clima de província, quase uma cidade de interior à beira mar, abrigo para as populações de Campos, Miracema e Friburgo, entre outras. Havia tatuís nas areias de Icaraí e pegas de fusca na Estrada Fróes. Era difícil ir ao supermercado, ao campo de São Bento, ao Chalé ou à Gruta sem esbarrar com um conhecido, um colega de trabalho, uma colega de escola e até um padrinho de casamento. Muito se falou, depois da fusão, do esvaziamento do antigo estado do Rio. A região demorou a se recuperar, até encontrar nova vocação com a produção de petróleo do pré-sal – e os royalties.
E assim se passaram 50 anos.
Congestionada ou não, a ponte virou cartão postal. Se inspirou Marcus Pitter antes de ficar pronta, pouco ou nada sensibilizou músicos, poetas, compositores, artistas em geral nesse meio século. Nesse campo, Niterói se destaca. Com a ponte e a fusão, o desfile de escolas de samba foi unificado e o espetáculo acanhado que acontecia na Avenida Amaral Peixoto perdeu suas principais atrações, a Unidos do Viradouro e a Acadêmicos do Cubango. Ambas foram brilhar no Rio. A Viradouro vem fazendo bonito. Acumulou 17 títulos nos tempos da Amaral Peixoto e como vimos recentemente, já acumula três desde que decidiu ser feliz no outro lado, desafiando as vacas sagradas do maior espetáculo da terra. Aliás, sair de Niterói para aplaudir a Viradouro na Marquês de Sapucaí é uma viagem que inclui a ponte. Nesse caso, a ponte Niterói-Rio. A performance da Viradouro no carnaval do Rio nos últimos anos já preocupa os cariocas: o melhor de Niterói, além da vista do Rio, é uma escola de samba que costuma empolgar a Marquês de Sapucaí.
Que os navios abandonados na baía de Guanabara permitam que a obra cinquentenária se eternize. Sem sustos como o de novembro de 2022, quando um graneleiro abandonado levado pela ventania se chocou com um pilar da grande obra. Foi um interminável pesadelo de três horas, tempo em que a ponte ficou fechada e obrigou os passageiros dos 150 mil veículos que a cruzam todos os dias a imaginar angustiados, como ficaria a vida sem ela. Não dá nem para pensar!
Vou vivendo a esperar.
Ver um dia terminar.
Certa ponte, pra toda hora.
Ver o meu Amor.
Desse jeito não dá mais.
Todo dia atravessar o mar.
Nessas barcas lentas demais.
Quando a ponte terminar.
E a saudade apertar.
Em meu carro de hora em hora.
Vou ver meu amor.
Num minuto estarei lá.
É só o carro acelerar.
Vou voando pela ponte.
Rio Niterói.
Pela Ponte Rio Niterói.
Pela Ponte Rio Niterói.
Pela Ponte Rio Niterói.
Quando a ponte terminar.
E a saudade apertar.
Em meu carro de hora em hora.
Vou ver meu amor.
Num minuto estarei lá.
É só o carro acelerar.
Vou voando pela ponte.
Rio Niterói.
Pela Ponte Rio Niterói.
Pela Ponte Rio Niterói.
Pela Ponte Rio Niterói.
Veja a cobertura completa em: https://aseguirniteroi.com.br/especial-50-anos-ponte-rio-niteroi/
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