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Todos os dias, a partir das 10:30 da manhã, eles vão estacionando, um a um, os carros. Nas malas, um isopor carregado de quentinhas, e outro de bebidas. O trecho entre a Av Rio Branco, na altura da Concha Acústica até a orla da Boa Viagem, fica cheio deles. Atualmente, cerca de 15 carros oferecem diariamente opções variadas de almoço a um preço irresistível: por R$ 12 a R$ 15, leva-se uma quantidade generosa de comida fresquinha e um guaraná de cortesia. O sucesso entre os trabalhadores do entorno, principalmente os motoristas de aplicativo, deu ao local o apelido simpático de Rodovia das Quentinhas.
Quem ganha a vida ali são pessoas como o seu Edivaldo Reis, 55 anos, que de segunda a sábado ocupa seu ponto em frente ao Reserva Cultural, onde já conquistou até uma clientela fixa. Como muitos dos vendedores, ele é de São Gonçalo, onde já trabalha no ramo das quentinhas desde 1998. Há quatro anos, ele descobriu o ponto e passou também a vender ele próprio as marmitas, em seu carro.
– Eu tenho um MEI. Em São Gonçalo, trabalho com entrega. Aí um amigo meu falou “pô, coloca num carro, vai vender”. No início eu fiquei com vergonha, mas aí eu vim, e agora tô aqui.
Não é preciso muito: um guarda-sol, um banner com o preço, uma garrafa de café cheia, e os isopores separados para bebidas e a comida. A maioria dos carros são populares. As 100 quentinhas são distribuídas rapidamente ao longo da tarde. Por apenas R$ 13, o cliente leva uma quentinha recheada, sempre quente, que muda de acordo com o dia da semana. Quinta-feira, por exemplo, é dia de virado paulista.
A maior parte da clientela são motoristas de aplicativo, que pegam rapidamente o almoço, pagam e logo se despedem:
– Uns 98% dos meus clientes são motoristas por aplicativo ou táxi. Muitas empresas faliram, então muita gente perdeu emprego, aí foi pra onde? Virou motorista.
Clientela fiel, como o Rômulo Coutinho, 53 anos. Rômulo dirigia uma van escolar em São Gonçalo antes da pandemia, e com o fechamento das escolas, teve que vender a van. O jeito foi tentar a sorte como motorista de aplicativo. Como passa o dia todo no carro, nunca tem tempo de voltar em casa para almoçar, ou mesmo de parar em um restaurante. Há seis meses, para e compra sua quentinha diária com Edivaldo:
– Nos cinco dias (úteis) da semana, em um ou dois não dá pra parar. Todo dia que estou por aqui, almoço nele, porque não dá tempo de ir em casa. E ele tem uma mágica aí que a comida está sempre quente.
Para ele, é conveniente: compra, estaciona e come rapidamente, dentro do carro mesmo, para ficar próximo de possíveis chamados logo que terminar. Depois da comida, ainda tem um cafezinho, outra cortesia do pequeno empresário.
São vários motoristas que encostam rapidamente, perguntam sobre o cardápio do dia e garantem o almoço, tudo em menos de cinco minutos. A cada parada, um elogio, um comentário, uma palavra de camaradagem. Mas não são os únicos frequentadores do point da quentinha. Também há compradores de outros bairros, que compram comida para a família toda, e também clientes que trabalham no entorno e vão a pé mesmo até um dos vendedores garantir seu almoço.
Edivaldo diz que apesar da grande quantidade de vendedores, a convivência é pacífica porque a demanda também é grande, logo, tem espaço para todo mundo:
– Tem muita concorrência, mas aí a demanda melhora, porque quando você quer comer, em Niterói, você vai no Centro, tem um ou dois (vendedores). Icaraí, não tem. Aí você pensa: Rodovia das Quentinhas. E tem demanda pra todo mundo, ninguém deixa de vender. Vai da qualidade. Graças a deus, a minha comida é boa, ninguém nunca reclamou.
Se o excesso de concorrência não é o problema, a insegurança sim. Isso porque a atividade não é regulamentada, então os vendedores ficam sujeitos à interpretação da guarda municipal:
-Eu tenho alvará, tenho MEI, tenho toda documentação. O problema é que não existe uma legislação na Prefeitura nem proibindo nem autorizando a atividade aqui. Agora está tranquilo, mas teve uma época em que a guarda municipal ficou em cima da gente, falando que não podia, e tal… eles alegam que não tem uma lei.
Para tentar um diálogo com a Prefeitura de Niterói para organizar a situação dos vendedores, eles montaram uma associação em 2020, com representante e grupo de discussão em um aplicativo de mensagens. Porém, ainda não encontraram uma porta aberta para conversar.
– Temos uma associação, União para Legalização, tem 27 participantes, com presidente, grupo…
Segundo o vice presidente da associação Thiago de Alcântara, 37, antes das eleições o grupo sofria repressões da Guarda Municipal, e por isso decidiu se juntar para tentar reivindicar a regularização, incentivados por um vereador de Niterói. Porém, o apoio ficou só na promessa, e não houve nenhuma reunião com o poder público.
– Como ninguém mais apoiou a gente, a gente acabou parando. Aí hoje, está assim. A gente queria que legalizasse pra ficar bom pra todo mundo, garantir uma qualidade e tudo.
Ele e a esposa também são de São Gonçalo, e vendem quentinhas na mala do próprio carro há três anos. O ponto do casal é em frente à Concha Acústica. Eles dizem que a maioria dos vendedores dali são gonçalenses:
– Ali, as pessoas não estão preocupadas tanto com qualidade. Aqui, o cliente exige mais. Então, se eu for fazer um prato com mais qualidade para vender lá, eu não vou conseguir vender, porque vai encarecer. Aqui eu consigo cobrar R$13, lá não consigo.
Um companheiro de trabalho, que já tinha terminado de vender e estava conversando com o casal, completa:
– Fora que lá é a cada meio metro, são dez pessoas (vendendo). Você não tem nem como parar.
Chegando ao fim dos estoques de quentinhas, os vendedores vão guardando as placas e os guarda-sóis, fechando os carros, e se preparando para voltar para casa. Mas o trabalho não acaba. Quando vão embora, é hora de fazer compras e preparar a comida para as vendas do dia seguinte.
Marcelo Ribeiro, 53, é um dos últimos a irem embora. Tem a pele queimada do sol das últimas semanas. Mesmo com calor, pega uma sacola plástica e vai catando o lixo gerado no dia. São copos, canudos e embalagens que clientes mais desleixados deixam na calçada.
– O pessoal que faz a limpeza das ruas reclama, aí chega na Prefeitura. Aí, pra não ter problema, eu, ele (Edilvado), o rapaz do outro carro, trazemos um caixote, ou jogamos o lixo ali na lixeira. Tento manter isso aqui limpo.
Tudo limpo, guardado, carro fechado, a Rodovia das Quentinhas vai encerrando o expediente. No dia seguinte, tem mais.
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