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Os desafios da política, além de 2022

Por Adriano de Freixo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Historiador e professor de Assuntos estratégicos da UFF analisa para o A Seguir Niterói a eleição e os desafios do Brasil
ato eleição 2022 - saída das barcas
A saída das barcas, na Praça Arariboia, é ponto frequente de campanhas políticas, dos dois “lados”. Foto: Livia Figueiredo

Em 2018, pouco antes das eleições presidenciais, escrevi na introdução de “Brasil em Transe: Bolsonarismo, Nova Direita e Desdemocratização” – livro que organizei com Rosana Pinheiro-Machado, da University College Dublin, e que foi lançado no início de 2019 – que o bolsonarismo é “um fenômeno político que transcende a própria figura de Jair Bolsonaro, e que se caracteriza por uma visão de mundo ultraconservadora, que prega o retorno aos valores tradicionais e assume uma retórica nacionalista e patriótica, sendo profundamente crítica a tudo aquilo que esteja minimamente identificado com a esquerda e o progressismo”. Ressaltava também que tal visão havia ganho bastante força “em várias partes do mundo, se alimentando da crise da representação e da descrença generalizada na política e nos partidos tradicionais” e que “no Brasil, ela iria encontrar a sua personificação no ex-capitão e em seu estilo de fazer política, calcado na lógica do contra tudo que está aí”.

Quatro anos depois, os resultados do pleito de 2022 confirmaram esse diagnóstico. Apesar da derrota de Jair Bolsonaro em sua tentativa de reeleição, a ultradireita aumentou consideravelmente sua bancada no Congresso Nacional e elegeu um número expressivo de governadores, inclusive o do estado mais rico do país, avançando por sobre o eleitorado da direita tradicional e do centro. Mesmo o atual Presidente da República tendo sido o catalisador desse eleitorado e de sua visão de mundo, parece claro que esse campo político vai muito além da sua figura e se enraizou em diferentes setores da sociedade.

Assim, o grande desafio para a democracia brasileira nos próximos anos será o de enfrentar e superar o extremismo do “bolsonarismo ideológico” que, cada vez mais, se apresenta como a variante brasileira do fenômeno global do neofascismo, estando bem além do rótulo genérico de “populismo de direita”, que lhe é comumente atribuído por setores da mídia e da academia.

É indiscutível que parte expressiva dos mais de 58 milhões de votos obtidos pelo atual presidente proveio de eleitores movidos pelo antipetismo e/ou por identificação com parte das pautas defendidas por ele, na economia ou em questões morais e de costumes, mas que necessariamente não significam uma adesão total e cega ao bolsonarismo. Esse segmento pode ser disputado e recuperado pelo campo democrático.

No entanto, há uma franja minoritária, porém barulhenta, do eleitorado, claramente identificada com esse “bolsonarismo ideológico” – que é antidemocrático, disruptivo e excludente por natureza – que não está disposta a aceitar as regras do jogo democrático. São esses setores que, majoritariamente, estão nas ruas desde domingo, bloqueando estradas, defendendo a anulação das eleições, clamando por uma “intervenção militar”, atacando as instituições e se colocando como a vanguarda da luta contra um imaginário “inimigo comunista”, definindo como tal todos aqueles que pensam diferente.

A postura de Jair Bolsonaro – demorando a se pronunciar após as eleições, colocando em suspeição o processo eleitoral, não reconhecendo de maneira explícita a vitória de seu oponente, exaltando as manifestações extremistas e definindo-as como democráticas e legítimas – parece constituir uma estratégia deliberada para manter essa base mobilizada e radicalizada, inclusive através da disseminação articulada de teorias da conspiração das mais variadas, pelas redes sociais e aplicativos de mensagens. Se as condições objetivas para a efetivação de um golpe (ou autogolpe) não estão dadas, a manutenção dessa mobilização permanente da sua base mais radical visa tumultuar o processo de transição e desestabilizar o próximo governo, emulando a estratégia trumpista nos EUA e tendo no horizonte as eleições de 2026.

Nesse sentido, em nome da democracia e da defesa das instituições, é fundamental que se procure isolar essa extrema-direita, fazendo com que ela se torne cada vez mais minoritária. E na construção desse “cordão de isolamento”, os setores que podem vir a desempenhar um papel central são justamente aqueles que se identificam como parte de uma centro-direita ou direita democrática, comprometida com a institucionalidade e com um conjunto de valores civilizatórios. Resta saber se esses atores políticos terão a grandeza e a clareza necessárias para isso ou se manterão a postura que, majoritariamente, adotaram nos últimos anos – mesmo colocando a nossa frágil democracia em risco – de tolerar e/ou compor com o extremismo em nome de interesses paroquiais e fisiológicos, da defesa de políticas econômicas ultraliberais e dos interesses do “mercado” ou do combate a pautas e políticas sociais defendidas pelo campo popular.

É o que vamos conferir nos próximos meses.

*Adriano de Freixo é Historiador e Professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense/INEST-UFF.

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