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O coração da Viradouro bate na bateria e promete desfile vibrante

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Percussionista Gabriel Policarpo, que nasceu “do lado da escola”, fala da paixão e do profissionalismo da Viradouro na celebração do Terreiro do Bogum
Gabriel Policarpo
Para Gabriel Policarpo, que desfila há 25 anos na escola, Viradouro entra em campo com o time e a torcida. Foto: Arquivo pessoal

Nem nos seus melhores sonhos o percussionista e arranjador musical de Niterói, Gabriel Policarpo, podia imaginar onde ia chegar. Próximo a completar seu 25º desfile da Viradouro, sua escola de formação, o músico, nascido em uma comunidade próxima à Viradouro, conta ao A Seguir como as escolas de samba têm se profissionalizado, com a passagem do tempo, e como os instrumentistas têm investido em estudos de aperfeiçoamento, com a maior competição e exigência dos jurados.

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Ele também revela um pouco dos bastidores da Viradouro, fala da rotina dos ensaios, do empenho e paixão dos ritmistas, assim como de todos os setores artísticos da escola. Ele também lembra da comoção do dia em que a escola foi campeã no Carnaval e do momento mais frustrante de sua história, quando foi rebaixada do Grupo Especial.

– Na escola de samba todo mundo entra em campo. Enquanto no futebol são 11 em campo e a torcida fica fora, na escola de samba está todo mundo torcendo e no campo de jogo. Costumo dizer que a bateria é o coração da escola. O que sustenta ela. Essa evolução faz com que os ritmistas estudem e se dediquem mais. A minha história se fundamenta nesse contexto – revela o músico.

A materialização do seu interesse pela percussão deu os primeiros sinais logo na infância, quando começou a tocar em blocos carnavalescos. Aos 13 anos, Gabriel entrou para a escola do seu bairro, G.R.E.S Unidos do Viradouro, e após dois anos na mesma agremiação, sob a regência do Mestre Ciça, assumiu o posto – e a enorme responsabilidade – do primeiro repique e solista da escola. Isso quando ainda ia completar 15 anos.

Gabriel integra a bateria da Viradouro e é fundador do bloco Batuquebato.

Em 2009, ao lado do músico Bernardo Aguiar, criou o Pandeiro Repique Duo – trabalho que coloca lado a lado esses dois instrumentos típicos da alma carioca explorando desde os limites regionais às sonoridades universais.

Em 2015, compôs a comissão de mestres de bateria para o grupo especial do carnaval do Rio de Janeiro. Em 2018, lançou o Repique “Signature Gabriel Policarpo” com ideias e criações desenvolvidas pelo músico para a marca brasileira de instrumentos musicais Contemporânea.

Como educador, Gabriel desenvolve cursos e atua na preparação de grupos musicais no Brasil e no mundo. Durante 4 anos, no Canadá, ministrou workshops sobre a música brasileira e se apresentou como convidado especial, no Folklorama, maior festival multicultural do mundo.

Já no Rio de Janeiro, criou a escola de ritmos Batuquebato, projeto pedagógico que propõe o ensino dos ritmos brasileiros aplicados a instrumentos de escolas de samba, o que motivou a criação da Orquestra de Ritmos Batuquebato.

Já dividiu o palco com grandes nomes da música brasileira, como Martinho da Vila, Alcione, Marcelo D2, Chico César, Hamilton de Holanda, Marcos Suzano, Carlos Malta, Roberta Sá, Xangai, Gabriel Moura, Cátia de França e Guns N’ Roses no Rock in Rio 3.

Confira abaixo os melhores trechos da entrevista:

A SEGUIR: NITERÓI: O que você notou de mudança na Viradouro nos seus 25 anos de trajetória na escola?

GABRIEL POLICARPO: Acho que o que mais mudou foi o profissionalismo de todos os setores da escola. Tudo evolui muito. Apesar de a escola de samba carregar muita tradição, muita raiz, ao mesmo tempo ela é um movimento constante de renovação. Todo ano muda o enredo, a administração, os componentes, os diretores. Na bateria, por exemplo, a cada ano tem uma bossa nova. Tem a ala das crianças, gente nova chegando.

Acho que antigamente o carnaval era uma coisa muito mais livre, mais espontânea, as pessoas iam para a rua celebrar e a Sapucaí começou assim. Por conta do critério de julgamento de cada quesito, o Carnaval virou um espetáculo. A escola não pode errar. Vence quem erra menos. E todo mundo quer ganhar. Por isso, o Carnaval virou uma competição. Isso faz com que gere uma excelência nos setores e profissionalize tanto a parte musical, a bateria, quanto a parte artística dos carnavalescos, a dança, as alegorias, as fantasias…

Lançamento de repique na quadra da Viradouro, em 2019. Foto: Arquivo

Pode falar um pouco sobre a profissionalização dos instrumentistas? Com que frequência vocês se encontram? Como fica a rotina de ensaio com a proximidade do Carnaval?

A bateria é um segmento que evolui muito, por ser uma ala muito importante para as escolas de samba. Costumo dizer que é o coração da escola. O que sustenta ela. Essa evolução faz com que os ritmistas estudem e se dediquem mais.

A minha história se fundamenta nesse contexto. Eu comecei a tocar de forma espontânea em bloco de rua, depois fui para a escola de samba. Assim que cheguei na escola de samba eu peguei uma responsabilidade de primeiro repique. Nessa época eu ia fazer 15 anos. O primeiro repique é o responsável por fazer o esquenta da bateria.

Esse mundo me levou para o universo da música. Comecei a aprender a tocar outros instrumentos, conheci outras culturas musicais e acabei me profissionalizando. O samba foi esse impulso.

Isso acontece muito com os ritmistas, principalmente adolescentes que começam a tocar em escola de samba e depois vão tocar em grupos de pagode ou em outros grupos de música. É uma escola. A escola de samba forma muitos músicos, ritmistas.

Tem uma coisa interessante que é a seguinte: antigamente quem tocava em bateria é quem tinha relação com a comunidade. Hoje as coisas são mais complexas, os arranjos e tudo mais. Isso acaba profissionalizando.

Sobre a rotina dos ensaios, até escolher o samba enredo, que é geralmente em outubro/novembro, é um ensaio por semana. Depois da escolha, são de dois a três ensaios por semana. Tem o ensaio técnico na Amaral Peixoto aos domingos e aí é quando a coisa fica mais intensa.

Gabriel Policarpo na Avenida. Foto: Arquivo

Quais são os momentos da escola que você guarda na sua memória afetiva?

Acho que o início, porque foi um divisor de águas na minha vida. Eu entrei com 14 anos e meu primeiro desfile foi em 1999. Foi o momento que eu mergulhei de cabeça para aprender. A gente vai aprendendo com a prática e eu lembro de ir jogar bola com o pessoal, e a cultura ia entrando. Isso que eu acho impressionante na escola de samba. Isso não acontece em escola normal. A cultura do samba, a cultura brasileira, a afrobrasileira. Tudo é introduzido.

Acho super importante o enredo da escola de samba da Viradouro deste ano, por exemplo, sobre Terreiro do Bogum (localizado na Ladeira do Bogum, antiga Manoel do Bonfim, no Bairro do Engenho Velho da Federação, em Salvador). Ano passado foi sobre a Maria Egípcia.

Os temas da Mangueira, da Beija Flor… todas as escolas de samba aplicam muita cultura na comunidade e a disciplina faz com que a gente aprenda muita coisa. Porque toda semana tem ensaio, toda semana a gente está cantando aquela letra, palavras que a gente não conhece. Isso a Academia não explica, não mostra.

E claro, outro momento marcante foi em 2020 quando a Viradouro foi campeã. Foi uma catarse. Todo mundo comemorando junto. Acho que é mais forte que você estar no Maracanã porque na escola de samba todo mundo entra em campo. No futebol são 11 em campo e a torcida fica fora. Na escola de samba, está todo mundo torcendo e no campo de jogo. Lembro que foi uma alegria coletiva muito intensa.

De que forma a sua experiência na Viradouro impactou seu trabalho?

O samba é minha raiz musical. Eu lembro que desde pequeno ouvi samba enredo. Minha mãe comprava LP quando eu era pequeno e aquela sonoridade sempre me instigou muito. A Viradouro foi minha escola, onde pude colocar em prática meu aprendizado. Eu nasci numa comunidade muito próxima à Viradouro e isso com certeza facilitou a minha frequência na quadra.

O músico no ensaio da Viradouro. Foto: Arquivo

Acredito que o que influenciou muito foi minha relação com o repique. Eu sempre tive muita facilidade, desde criança. Me tornei o primeiro repique com 15 anos. Na época não tinha tanta rede social e eu participei de um bloco em Niterói, que era o bloco do Vigário. A gente tocava muita música brasileira e teve um vídeo meu que viralizou no Youtube e isso fez com que muita gente fora do Brasil conhecesse meu trabalho. Viajei bastante. E continuo viajando.

Hoje participo de muitos projetos, dou consultoria e workshops de percussão tanto em universidade quanto em escolas de samba. Tem muita gente que não sabe disso, mas tem escola de samba em todo canto do mundo. Na Dinamarca tem um projeto que eu desenvolvo com um Quarteto de Música Instrumental da Dinamarca que eu toco repique para as crianças.

A Contemporânea, que é a maior marca de instrumento musical do Brasil, lançou um repique com minha assinatura, de um projeto que desenvolvi com meu pai. E isso levou meu nome pro mundo.

Também tem a questão pedagógica desses instrumentos, que me ajudou a desenvolver o Batuquebato, que é minha escola de ritmos, que tem um bloco de Carnaval que arrasta milhares na Praça XV.

Minha experiência na Viradouro também influenciou na minha carreira como músico. Hoje acompanho Martinho da Vila, entre outros artistas, na percussão geral.

Qual a expectativa para esse ano?

A melhor possível. Será meu 25º desfile. Daqui a pouco estou indo para a Velha Guarda (risos).

A gente acabou de fazer ensaio técnico na Sapucaí. Há muito tempo que eu não sentia a bateria tão bem, como a gente passou na Avenida no domingo. O enredo é muito bom. É um papo muito sério falando sobre o Terreiro do Bogum, da Bahia, que é um patrimônio cultural brasileiro. 

A escola está muito bem administrada pelo presidente Marcelo Calil e todos os segmentos estão muito empenhados. Ano passado o caneco foi quase nosso. Ficamos em segundo lugar. Esse ano a gente vem para brigar pelo título. Rumo à vitória!

Como foi quando a escola foi rebaixada? Que lições isso deixou?

Acho que a gente nunca imaginou ser rebaixado. A Viradouro tem um chão muito firme. Uma comunidade muito forte, que abraça muito. É uma escola que tem muita garra. A escola sempre esteve ali mordendo o título, voltando para as campeãs e de repente foi rebaixada.

Tem uma coisa que conta muito para a escola de samba que é a gestão. A escola infelizmente passou por momentos delicados administrativos e isso balançou muito a estrutura da escola e a levou para o rebaixamento.

E como foi ser campeã no Carnaval de 2020?

Foi o momento mais feliz, mais explosivo, com certeza. Depois dessa fase que a escola passou, ter sido rebaixada e voltar para o Grupo Especial em tão pouco tempo. A escola se recuperou tão bem. Isso deve muito à boa administração e o amor da comunidade.

Vencemos falando sobre um tema super importante: as Ganhadeiras de Itapoã. Foi muito bonito e importante para a escola, para resgatar a autoestima. Lembro de assistir a apuração na quadra. A explosão que foi esse momento. Uma felicidade coletiva mesmo.

*Gabriel Policarpo é músico, percussionista, arranjador e educador musical brasileiro conhecido pela maneira criativa e virtuosa de tocar o repique. É integrante do Pandeiro Repique Duo e fundador da escola de ritmos Batuquebato.

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