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Nos bairros e comunidades, nos grupos de autoajuda e nos clubes, nas igrejas, nas associações culturais e esportivas, nas instituições sociais e nas empresas, existe um contingente imenso de pessoas que tiram um tempinho para ajudar a quem está em situação de maior vulnerabilidade. A prática do voluntariado é, sobretudo, de doação de tempo, de energia e de afeto. Uma das mais transformadoras, por sinal, porque envolve esforço, empatia e muita responsabilidade com o próximo. Neste sábado (28), é celebrado o dia nacional do voluntariado e nada melhor do que celebrar as pessoas que depositam parte de seus esforços para minimizar os riscos e a exposição dos desamparados.
O trabalho de voluntário é uma prática democrática e não requer muito mais do que a vontade de ajudar. O A Seguir: Niterói foi atrás dessas pessoas cuja única premissa é a prática do bem.
Formada em Direito, Mariana Freitas conta que conheceu o trabalho da ONG Teto, que constrói casas para pessoas em situação de extrema necessidade. Ela chegou até a organização por meio de um namorado de uma amiga, que morava perto da sede e já tinha participado de uma ação. Ela define esse encontro de vidas como um “feliz acaso”.
– A Teto me proporcionou uma experiência completamente fora do que eu esperava. Acho que participar da construção de casas por três dias fez com que eu me deparasse com o vácuo de direitos de muitas pessoas que vivem tão perto de mim. Durante os dias de construção, a ONG incentivava o diálogo com as famílias. A intenção era proporcionar uma maior imersão na história dessas pessoas. Depois dessa experiência, eu tive certeza de que todo mundo deveria, pelo menos uma vez na vida, fazer um trabalho voluntário assim e se permitir viver uma imersão dessa porque ter noção de uma determinada realidade é completamente diferente de ver e ouvir relatos das próprias pessoas que vivem isso – explicou.
Para ela, o mais chocante é que, por mais que se pense e se discuta a ausência de direitos básicos, sem esse tipo de envolvimento, é muito difícil compreender, de fato, a dimensão dos problemas sociais. A experiência como voluntária foi essencial para Mariana.
– Acho que foi uma experiência que me impactou bastante porque eu já tinha uma visão crítica do direito por ter estagiado na Defensoria Pública, mas a experiência da Teto foi além porque eu tive contato com pessoas que sequer têm acesso à justiça, pois nem existem pro estado, a maioria não tinha nem documento – ressaltou.
Formado em Engenharia Civil, Bernardo Cople teve três experiências com voluntariado, todas também na Teto. A primeira, em outubro de 2016, quando fez parte da equipe de construção de moradia de emergência no Parque das Missões, uma comunidade em Duque de Caxias, nas adjacências da Linha Vermelha e da Washington Luiz. Em 2017, foi na Portelinha e, em 2018, quando ajudou na coleta de recursos financeiros para concretização dos projetos. Bernardo conta que desde o começo já é avisado das condições: dormir no colchonete e sem banho por três dias. Missão imersiva.
– É uma vivência que nunca tinha passado na minha vida. Depois que fiz o cadastro da minha inscrição e recebi as orientações do projeto, eu fui levado para a comunidade Parque das Missões junto de um grupo. O primeiro choque foi que ficamos hospedados em uma escola pública, reservada para organização e isso já é uma imersão por si. No dia seguinte, acordei por volta de 5h30 e já demos início à construção – explicou.
Assim que chega ao local, o grupo recebe o projeto que irá acompanhar toda a construção, para enfim, colocar a mão na massa. O projeto contempla todas as etapas: preparação do terreno, que inclui a limpeza e o descarte do lixo, confecção das estacas de madeira e toda a construção da moradia. Antes de dar início a construção de fato, há um momento de convidar o morador e mostrar a primeira estaca de madeira. A ideia é que o morador se sinta mais responsável e mais participativo.
Uma experiência que Bernardo destaca é a dinâmica de grupo realizada com as famílias na primeira noite. Quando trabalhou na Portelinha, em 2017, ele recorda que ensinou uma mulher mais velha a escrever junto de outros voluntários.
– Ela era analfabeta, mãe solteira. E na dinâmica ela pediu a gente para ensinar a ela a ler e a escrever. Isso me marcou muito.
Em 2018, Bernardo participou da coleta de recursos para a Teto, em Niterói. A coleta consiste na etapa pré mutirão de moradias. Momento em que os voluntários vão até às ruas para explicar o projeto e arrecadar dinheiro para viabilizar a construção.
– No geral, as pessoas conheciam, elogiavam, o feedback foi muito positivo. Mas tinham aquelas que ficavam mais receosas de doar, preocupadas com o destino do dinheiro. Eu fiquei muito feliz por ter conseguido arrecadar a quantia necessária para novas construções e novas atividades. Essa experiência de ter contato com outras realidades eu nunca vou esquecer. Tenho muito carinho e sou muito grato por ter tido essa oportunidade.
Algumas pessoas têm a oportunidade de se voluntariar desde muito cedo, através de clubes, agremiações e igrejas. É o caso do advogado Matheus Cardoso, 26 anos, que participa de projetos sociais desde muito novo. Seu interesse começou na época de escola, ainda no Ensino Fundamental. Ele acredita que o trabalho de voluntário começa antes de se estabelecer contato com qualquer pessoa que você vai ajudar e ressalta que antes de embarcar no projeto é importante pesquisar sobre os objetivos, as pessoas que ele contempla, como ele funciona.
– Acho que sobretudo é importante saber primeiro como você pode se doar e ver se há uma conexão com o projeto, até para ver como será investido. Porque quando a gente vai se doar, a gente precisa estar disposto a isso. Não podemos fazer porque simplesmente nos falaram que é uma experiência legal e vão nos olhar de uma forma diferente. Acho que o primeiro requisito de um projeto social é a vontade. Existem muitas formas de ajudar, algumas ajudam apenas com recursos financeiros, para quem pode e não dispõe de tanto tempo. Mas também podemos nos doar de diversas formas: através de recursos intelectuais, ministrando aulas, fazendo dinâmica com as crianças, dando amor – explica.
O projeto que Matheus ajuda há alguns anos é o Casa Reviver, no Morro do Estado, em Niterói. O projeto consiste em dar aula para as crianças no contraturno escolar, ocupando de maneira construtiva o tempo livre delas, além de oferece alimentação e assistência. Matheus diz que já ajudou tanto presencialmente quanto financeiramente e é sempre uma experiência enriquecedora.
– Quando você participa de um projeto social presencialmente, você começa a entender por que as pessoas agem de determinada maneira. No meu círculo social, os meus exemplos sempre foram de pessoas que se formaram no Ensino Médio, cursaram uma faculdade e entraram no mercado de trabalho. No dia em que eu comecei a participar de projetos voluntários, me dei conta de que a perspectiva de muitas dessas crianças passa longe disso — lembra. — Quando elas desciam da comunidade, elas percebiam que poderiam estudar e traçar novos objetivos, e a partir de tudo que aprendiam, poderiam entrar no mercado de trabalho de outra maneira. Acho que a gente não pode ir esperando receber algo em troca, mas no final a gente recebe muito mais do que doa. É uma troca que edifica muito.
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