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Livro apresenta Arariboia muito além da estátua no Centro de Niterói

Por Redação
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Rafael Freitas da Silva, autor do livro “Arariboia”, fala sobre o papel do guerreiro na fundação do Rio de Janeiro e porque veio morar em Niterói
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Rafael diante da estátua de Arariboia, e uma polêmica: qual a verdadeira imagem do índio?

O interesse pela história dos indígenas brasileiros nasceu do contato com as paisagens e endereços do Rio de Janeiro: Tijuca, Andaraí, Cacuia, Inhaúma, Carioca, Cachambi, Ipanema, Itanhangá… Foram estas referências que fizeram o jornalista e mestre em Comunicação pela UFRJ Rafael Freitas da Silva mergulhar na vida do Rio antes da chegada dos portugueses, um mapeamento dos povos que ocupavam a Guanabara, como apresentou em seu primeiro livro, “O Rio antes do Rio”. O aprofundamento da pesquisa, e a curiosidade dos leitores, no entanto, ainda o levariam mais longe, para a resgatar a história da fundação do Rio de Janeiro. E nela a figura de “Arariboia, o indígena que mudou a história do Brasil”, como estabelece na biografia recém-lançada pela editora Bazar do Tempo.

– Arariboia deveria ser reconhecido como herói da fundação do Rio de Janeiro, muito antes de Niterói. Porque foi ele que liderou a luta contra os franceses, ao lado de Estácio de Sá. Mas Estácio de Sá morreu na batalha e foi Arariboia com seus homens que garantiu a vitória. Tanto foi assim, que a Corte portuguesa pede para Arariboia permanecer no Rio e depois, mas bem depois, destina as terras de Niterói para ele estabelecer a sua tribo – explica.

O lançamento do livro às vésperas do aniversário de Niterói, 22 de novembro, quando a cidade completa 449 e caminha para comemorar, no ano que vem, os 450 anos de sua fundação, oferece a oportunidade de se conhecer um pouco melhor a nossa história. O A SEGUIR NITERÓI conversou com Rafael  para buscar algumas respostas para questões que muitas vezes deixamos de responder: como era Arariboia? A estátua diante das barcas tem alguma semelhança com o fundador da cidade? Por que Arariboia vai se estabelecer deste lado da Baía, onde a tribo dele nunca habitou? Foi herói por lutar com os portugueses ou vilão por ter enfrentado outras tribos?

(Alguns dados importantes, antes de começar:

Em “O Rio antes do Rio”, Rafael mapeias as tribos que ocupavam a região da Guanabara, território dos tupinambás, antes da chegada dos portugueses. São centenas de aldeias. A presença do colonizador, no entanto, não será tão rápida. Ao contrário da ocupação espanhola na América Central e no México, estimulada pela descoberta de ouro e prata, os portugueses não encontram riquezas além de pedras semipreciosas e do Pau-Brasil. Se estabelecem no Nordeste, na região da Bahia, e em São Paulo, ponto de partida para as entradas e bandeiras. Foram os franceses que primeiro se estabeleceram no Rio, com o projeto de estabelecer aqui a França Antártica, projeto entregue ao almirante Villegagnon, que hoje dá nome à ilha que ocupou no século XVI.  A invasão mereceu a reação da rainha de Portugal, que determina que o Governador Geral do Brasil, Mem de Sá, baseado em Salvador, armasse uma frota para expulsar os invasores. A missão é delegada a seu sobrinho, Estácio de Sá, que conta com cerca de 100 homens, que fica fundeado perto do Morro Cara de Cão e logo descobre que seria impossível derrotar os invasores, diante do apoio que tem dos Tupinambás. A solução é mandar um emissário buscar no Espírito Santo, o guerreiro Arariboia, o Cobra da Tempestade, chefe dos temiminós, nascido no Rio, na Ilha do Governador, e expulso da região pelos Tupinambás, seus inimigos naturais e acolhido pelos portugueses.  O ataque só acontece depois que a frota de Estácio de Sá recebe o reforço de Arariboia.

Agora, sim, podemos conversar com Rafael.)

A SEGUIR NITERÓI: Arariboia morou em algum momento nas terras de Niterói, antes de receber os títulos da Corte portuguesa? 

-Não, nunca. Arariboia nasceu na região da Ilha do Governador, numa aldeia dos maracajás. Era uma das áreas mais disputadas na época, pela facilidade de recursos e de defesa. Mas foram  expulsos pelos Tupinambás e tiveram a ajuda dos portugueses para se estabelecer no Espírito Santo.

Arariboia era um guerreiro reconhecido, como aparece nas imagens que temos dele?

-As tribos se formavam em torno de um líder, um guerreiro, e Arariboia tinha esse papel. Além disso, tinha motivos para voltar ao Rio e recuperar suas terras. Os portugueses sabem disto, e trazem Arariboia para a luta contra os franceses. Os portugueses não conseguiriam enfrentar os tupinambás, eram muitos e conheciam bem a região.

Arariboia é o herói da fundação do Rio de Janeiro?

-Arariboia é lembrado como fundador de Niterói. Mas ele foi fundamental na fundação do Rio. Estácio de Sá entra na Baía de Guanabara e no caminho para o Centro acontece a Batalha de Uruçumirim, na altura de onde hoje se encontra o Outeiro da Glória. Estácio de Sá é atingido por uma e morre dias depois. Vai ser lembrado como o fundador da cidade, mas quem sobrevive a essa e a outras guerras é o Arariboia.

Depois de Uruçumirim, acontece novo embate sangrento contra os tupinambás, na aldeia de Paranapucu, na Ilha do Governador. Arariboia e os maracajás vão derrotar seus inimigos na região de que tinham sido expulsos.

Como Arariboia foi parar em Niterói?

-Os portugueses não queriam que Arariboia voltasse para o Espírito Santo, queriam que ficasse no Rio, para proteger a cidade. E ele vai ficar em vários lugares antes de ir para Niterói. Fica na Ilha, na Praça da Bandeira, na Praça XV… A mudança para Niterói só acontece anos depois.

Em 1568, o governador-geral Mem de Sá requisitou as terras de um morador da capitania de São Vicente, Antônio de Mariz, em favor do capitão Martim Afonso de Sousa, como Arariboia havia sido batizado pelos jesuítas. Ele recebeu o pedaço de terra que ia da praia do Gragoatá ao rio Maruí, divisa de Niterói com São Gonçalo. Mas mesmo assim ainda permanece no Rio. Só vai para Niterói mais tarde. Se Arariboia fosse embora, os portugueses não teriam como resistir aos ataques.

Arariboia ainda enfrentaria mais uma batalha contra os invasores, atacado por quatro naus francesas e tamoios de Cabo Frio. A importância do cacique fica evidente neste ataque: o alvo não eram os portugueses, mas o próprio cacique temiminó. E eles  venceram.

A corte portuguesa reconhecia o papel de Arariboia?

– O próprio dom Sebastião, rei de Portugal, presenteou o cacique com pensão, um traje real e o transformou em Cavaleiro da Ordem de Cristo, tornando-o um integrante da nobreza lusa. Ele se casou na antiga Sé, em cerimônia descrita pelo jesuíta Gonçalo de Oliveira como o grande acontecimento social do ano. Nos eventos públicos, ele desfilava na cidader.

No livro, você reúne algumas referências ao que seria a imagem de Arariboia, segundo viajantes e pintores que tentaram reconstituir cenas de época. Qual é a imagem mais realista de Arariboia. A que como o dorso nu ou com roupas portuguesas e o cabelo cortado?

-Difícil dizer, são poucos os documentos existentes. Mas é possível que as duas imagens serjam verdadeiras, É provável que na sua aldeia ele se vestisse e se comportasse como os seus irmãos. E nas atividades com os portugueses portasse as roupas que recebeu.

Afinal, Arariboia foi um herói ou um traidor, que se aliou aos portugueses contra os índios?

-Difícil ter esta perspectiva, naquele momento. As guerras entre as tribos eram violentas e a presença dos europeus estava determinada. Não era uma zona remoa, eles estavam no litoral e em contato com o colonizador. Mas Arariboia terá um papel importante para agregar as tribos que ficaram dispersas com a ação do colonizador. Ele abriga várias tribos nas terras que recebeu. Tantas tribos que a área que recebeu teve que ser ampliada.

Depois deste mergulho na história, como você acha que tratamos o papel dos povos indígenas?

-Muito mal. A presença indígena é fundamental para a conformação do nosso povo. A nossa característica física, a mestiçagem. Em Niterói, os nomes de origem indígena estão por toda parte: Icaraí, Itacotiara, piratininga, Itapuca, vc pode ficar horas lembrando… Mas praticamente toda essa memória foi apagada, são poucos os marcos preservados. Mas devemos sempre lembrar a nossa história.

(De acordo com o livro, Arariboia teria nascido em 1520 e morrido em 1589. Na fundação do Rio já tinha cerca de 45 e feitos reconhecidos como guerreiro. Foi acolhido na cidade, casou-se, teve muitos filhos. Morreu com cerca de 69 anos)

“Arariboia, O indígena que mudou a história do Brasil”, de Rafael Freitas da Silva, é leitura obrigatória para o morador de Nictheroy, como os tupinambás, que povoavam o Rio de Janeiro, se referiam às formas de toda a região em torno da Baía de Guanabara, e não apenas Niterói. Mas isso está em outro livro. Se quiser saber  sobre as tribos que viviam por aqui, como os Kurumuré, Morgujá-uasú, Akaray e Keriy “O Rio antes do Rio” também merece a leitura.

 

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