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Lá Va’ai ela: moradora de Niterói quer cruzar o Brasil “no remo” numa canoa havaiana

Por Amanda Ares
| aseguirniteroi@gmail.com

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Percurso de 8 mil km do Norte ao extremo Sul terá ainda a participação de outras 200 pessoas; leia na entrevista
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Raysa Ribeiro se lança ao mar depois de um ano e meio de preparativos para percorrer o Brasil de ponta a ponta em sua canoa polinésia Fotos: Amanda Ares

Um ano e meio de preparativos para uma empreitada de 8 mil quilômetros que vai envolver mais de 200 pessoas. Este é o desafio nada fácil a que se lança a niteroiense Raysa Riveiro, 32 anos, aventureira profissional e canoísta. Após longos meses de um intenso trabalho de produção e mental, a remadora está prestes a começar o primeiro percurso do objetivo que é ser a primeira mulher a remar toda a costa brasileira de canoa havaina (ou Va’a, no idioma polinésio). Não é por acaso que o nome da canoa em que faz a viagem se chama Coragem. Ela revelou todos os detalhes da aventura em uma entrevista, que se deu em dois momentos, com quase dois meses de diferença entre eles: primeiro, no começo de maio, em sua casa na praia em Itaipu, e depois, por telefone na noite do último sábado (24), ela numa festa de São João raiz em um bar em Belém do Pará.

Dois anos numa canoa

 

Raysa e os amigos que a acompanharão no primeiro trajeto da remada já estão no Norte do país. Foto: acervo pessoal

 

No dia 2 de fevereiro de 2022, Raysa, canoísta de profissão e aventureira de vocação, publicou um vídeo expondo seu projeto de remar todo o literal, num trajeto que seria do Oiapoque ao Chuí. A ideia inicial da niteroiense era que a aventura começasse exatamente um ano depois, tentando fazer a numerologia trabalhar em seu favor. Porém, como ela mesma diz, as coisas acontecem no tempo que tem que acontecer, e motivos de logística, como estação do ano, falta de fundos e até problemas de ordem técnica, a fizeram adiar um pouco a partida.

O A Seguir: Niterói publicou matéria sobre Raysa quando ela lançou o projeto @vaapelolitoral. A ideia era encontrar apoio, no mar e em terra, nos diversos trechos do percurso para fazer a travessia. Num projeto tão longo, não pode estar sozinha. Apenas na última semana é que ela pode, enfim, pôr o pé na estrada, com uma lista de mais de 200 pessoas dispostas a colaborar. Dia primeiro de julho, pretende se lançar na água, no Amapá, e remar até o extremo Sul do Brasil.

A Seguir: Niterói: Raysa, há um ano no vídeo que você publicou expondo o projeto Va’a pelo Litoral, você abriu inscrições para qualquer pessoa que quisesse remar com você, na sua canoa. Quantas pessoas se inscreveram?

RAYSA: Foram 202 pessoas [inscritas]. A ideia é remar todo o litoral do Brasil, e  dividir isso com o número de pessoas possível. Ter gente remando ao meu lado sempre que for possível.

Quantas foram selecionadas? Qual foi seu critério?

– As 202 pessoas [risos]. Vai depender mais delas do que de mim. Eu acho que o litoral é grande o suficiente pra que todo mundo entre. Pelas contas que eu fiz, se todo mundo remasse por 10 dias, conseguiria “abraçar” todo mundo, pra levar os 8 mil km. Mas eu entendo que muita gente não tem disponibilidade pra isso, que não vai conseguir, enfim, que também tem outras prioridades…

E sobre critérios… eu acho que seria um pré julgamento meu, né? Eu mesma já passei por experiências em que eu sei que pensaram isso de mim, porque eu tenho uma carinha bem de menina, loirinha do olho azul, um certo estereótipo, e eu gosto de surpreender. Então, eu também não gosto de pré julgar ninguém, porque acho que todo mundo tem capacidade de fazer coisas incríveis.

E tem criança? Idoso? 

-Agora à minha cabeça me vem uma pessoa, uma remadora também, que tem uma deficiência física, na mão. Essa me chamou a atenção porque ela me escreveu uma redação respondendo à pergunta “Porque você quer remar o litoral do Brasil?”, e ela descreve que ela quer fazer uma coisa pra se sentir viva, que aquilo vai melhorar a qualidade de vida dela, que ela já passou por muitos perrengues na vida, dentre eles o acidente que deixou ela com esse problema na mão, mas foi capaz de superar essa adversidade… e foi falando de vários problemas no decorrer da vida dela, e que queria viver a vida, né? Viver, contar uma história boa, e que ela tá disposta a ir, então achei isso maneiro.

Tem uma criança que se inscreveu, mas aí foi a mãe que inscreveu no nome dela, mas eu sei que ela também inscreveu o filho. A mãe e o filho se inscreveram, ele tem 12 anos. É uma criança, vai? Se inscreveram pra região Sudeste. Tem perfis muito variados, essa é a verdade.

Conseguiu patrocinador? Como vai financiar a empreitada?

-Nesse momento, consegui alguns apoio de material. Colete, remo, produtos de higiene, roupa… mas apoio financeiro, ainda não tive nenhum. Hoje (24), uma empresa de soluções ambientais entrou em contato, mas até o momento, as pessoas apoiaram com produto. E também criei um link de pagamento, pra que as pessoas inscritas se comprometessem de fato com a remada. Tive que brigar comigo mesma pra fazer isso, não queria fazer, mas às vezes as pessoas faltam uma remada que dura uma hora, em Niterói, imagina uma remada de dez dias? Então, eu criei um valor simbólico de validação de inscrição. Para as pessoas se comprometerem a não faltar.

Pra falar sobre patrocínio, enviar propostas, marcas e pessoas interessadas podem enviar e-mail para vaapelolitoral@gmail.com, e falar com Bia , que está cuidando da comunicação do projeto.

Vão ser dois anos remando o litoral brasileiro, de Norte a Sul, em uma canoa com pouco espaço. O que não pode faltar na bolsa, que é essencial?

-Vou levar quatro bolsas estanque. Na bolsa estanque, que é uma bolsa a prova d’água, eu tenho que ser minimamente minimalista. Preciso levar uma faca, colete, uma pederneira (que é um objeto iniciador de fogo, igual ao que eu levei pro Reality); uma toalha, alguns remédios básicos, óleo essencial pra enjoo, pomada pra picada de inseto…

Roupa, o mínimo possível. Vou levar um vestido só, uma calça, pra quando desembarcar nas cidades, e nesse primeiro momento, não vou levar roupa de frio. Não vou levar absorvente menstrual, vou levar um copinho coletor. Acho que é o mais útil, ele é pequeno, não ocupa espaço. E pra quem menstrua e se inscreveu, acho importante falar isso. Na bolsa a gente tem que levar o mínimo. Tem ainda que levar comida o suficiente pra sobreviver por 5 dias, macarrão, arroz também funciona… aí vou pegando uns peixinhos no rio…

Raysa com a bolsa com tudo o que precisa para a viagem. Foto: Amanda Ares

Vou levar um caderno pra fazer o diário de bordo. Carregador solar, pra carregar o celular, e também um aparelho satelital, ou como a gente chama, aparelho de SPTO. Ele tem uma antena e emite um sinal, e vem com três botões que dizem mais ou menos “Ok, estou bem”, “Deu problema”, e o terceiro que é “Socorro, acho vou morrer”. E todos os barcos que estão em volta vão receber esse sinal de S.O.S e eles têm a obrigação de me salvar, e vice-versa.

Além da orla Fluminense, já remou em mar aberto em algum outro trecho pelo qual vai passar agora, ou é tudo inédito?

-Eu já circunaveguei em Florianópolis, então sei como funciona aquele mar de lá. Ilhabela, Ubatuba… Já fiz uns trechos no Ceará, sei que naquele trecho venta bastante. Em alguns lugares eu sei o que esperar, outros eu não sei o que esperar, mas imagino com certeza. Tem alguns trechos do nosso litoral que são um pouco aterrorizantes.

Quais?

-Tipo reentrâncias maranhenses. É lá nos Lençóis Maranhenses, lá entre Belém do Pará e Ceará. Aquela faixa de litoral que venta demais, são praias muito inóspitas, locais com pouca civilização… então, eu tenho uma certa insegurança ali.

E como está sua saúde? E a Coragem, desculpe o trocadilho…?

Meu corpo, eu sinto que ele está bem preparado. Fiz exames de checkup, fui ao dentista, tirei uma cárie que encontrei, e tô benzíssima! Meu plano [de saúde] atende nas grandes capitais, mas não nas cidades menores, então eu tô me cuidando, cuidando da alimentação… aqui no Norte, eu tô aprendendo muito a comer melhor.

Ela [a canoa Coragem] está mais forte do que nunca, também. Foi envernizada com produto especial pra madeira, pintei ela, e tá bonitona. Veio direitinho no carro, e tá pronta.

Raysa rema todos os dois, e passou o último ano e meio se preparando para remar a costa brasileira. Foto: Amanda Ares
Raysa é remadora profissional e passou o último ano e meio se preparando para percorrer a costa brasileira. Foto: Amanda Ares

Sua família tem te apoiado? Como tem sido?

-Estava muito ansiosa, tipo carro dando problema… mas minha família abraçou mais agora no final, e meu pai me mandou mensagem dizendo: “Avião só levanta voo com vento contrário”. Isso foi muito importante nesse momento.
E meu irmão me apoia pra caramba, ele é muito orgulhoso [de mim], eu acho isso muito maneiro.

Afinal, que dia e onde você coloca a canoa na água pra começar o percurso? Alguém vai com você?

-A previsão é dia primeiro de julho. Eu vim com dois amigos, Igor Fletcher e Tatiane Ximenes, do Rio de Janeiro. Eles vão participar do primeiro trecho da remada. Só que eles dois ainda não eram o suficiente pra expedição começar. A gente chegou em Belém falando com um, com outro, aí ontem (23), apareceu uma pessoa disponível. Ele é um ribeirinho, dono de um clube de canoa local, que conhece tudo do Rio Amazonas, então é a pessoa perfeita pra isso acontecer. Às vezes a gente dá o passo sem ter o chão, mas as condições vão se fazendo pra coisa acontecer.

Também vamos ter um barco de apoio que vai nos acompanhando, pra dar segurança.

A gente ainda não chegou onde quer chegar, que é no Macapá, onde começa a expedição. Pra chegar lá, não tem estrada. Só consegue chegar de barco. Então, vamos pegar uma balsa em Belém, e são 28h navegando no rio. Coragem vai dentro da balsa.

E o que você espera para estes próximos dois anos?

-É a maior remada colaborativa do Brasil, e não vai ser uma viagem só de turismo. O projeto começou a ganhar outras proporções quando a gente pensou na ideia de cuidar da vida viva. Que que é isso? Pessoas são vidas vivas, a natureza é uma vida viva, e temos essa integração. Então porque não fazer ações sociais e ambientais onde a gente for passando? Porque passar de canoa não deixa legado nenhum, a marca na água desaparece. Mas a semente que você planta, a palestra que você dá, isso fica.

Vamos ter atividades de reflorestamento, plantio de mudas locais, atividades de interação entre a canoa polinésia e ribeirinha… venho pensando em mutirões de limpeza de lixo… Particularmente, eu acredito mais numa mudança de consciência. Ficar só catando lixo não muda muita coisa. Fica bonito pra foto, mas se você não para de beber na lata de refrigerante, ela vai voltar pra beira do Rio. Então, temos que mudar outras coisas, se não é só enxugar gelo.

Então, eu tenho essa vontade de estudar o que cada litoral está precisando mais. No Macapá, por exemplo, nunca nenhuma canoa polinésia chegou. Lá é o mais Norte que a canoa polinésia vai chegar no Brasil. E não dá pra eu só chegar, botar a canoa na água e sair. Pretendo deixar alguma coisa nessa cidade. Plantar umas mudas ali, ou algo assim, pra que quando eu voltar um dia, veja alguma coisa que deixamos ali.

Neste momento Raysa, outros dois amigos e Coragem – a canoa – estão numa balsa a caminho de Macapá, capital do Amapá, para enfim colocar a canoa na água e partir para a maior aventura de suas vidas.

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