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Niteroiense ensina a fazer compostagem em casa e defende mudança no descarte de resíduos orgânicos

Por Redação
| aseguirniteroi@gmail.com

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Ideia é que as pessoas atuem como agentes ambientais por uma vida mais saudável e maior encantamento com o meio ambiente
Ana Lemos
A niteroiense Ana Lemos, que ensina como fazer compostagem em casa. Foto: Divulgação
A vida sustentável começou por acaso, na procura por menos estresse durante a gravidez, mas logo se tornou paixão, hobby e também trabalho. A niteroiense Ana Lemos, de 60 anos, é a alma por trás do projeto Canteiro Urbano, uma iniciativa que visa a perpetuar a ideia da vida sustentável e consciente por meio de passos como a compostagem – técnica que transforma o lixo orgânico em adubo.
 
Mas não é só isso. A ideia é ser um “agente ambiental”, auxiliando as pessoas a despertarem novos valores e ideais, levando conscientização e encantamento sobre o meio ambiente. Em entrevista ao A Seguir: Niterói, Ana Lemos dá detalhes sobre seus projetos e mostra a importância da compostagem urbana como uma solução descentralizada para os resíduos orgânicos gerados no dia a dia das pessoas.
A Seguir: Desde 1990 você se dedica a atividades que envolvam saúde e bem-estar. Por quê?
 
Ana Lúcia Lemos: A vida vai levando a gente para o lugar em que temos de estar. No início dos anos 90 perdi a voz por conta de estresse de trabalho. Na época, tinha um atacado de malhas e tecidos e, por isso, busquei a yoga para neutralizar esses impactos. Fiz um curso de alimentação higienista, e por aí fui indo, buscando caminhos fora da convenção. Já naquele momento eu era fervorosa consumidora e divulgadora de alimentos orgânicos. Em 95, o relógio biológico me fez dar uma guinada na vida, tinha 35 anos e queria muito ter um filho. Já havia perdido várias gestações e tomei a decisão de parar de trabalhar, pois a carga de estresse era incompatível com a tarefa de encarar uma gestação a ser vencida… Neste período, tive a feliz oportunidade de fazer tudo o que gostava e queria fazer, como curso de desenho e pintura e aulas no Parque Lage. Como tinha o tempo disponível, participei de grupos filantrópicos e também fiz meu primeiro trabalho como voluntária num orfanato em Ititioca. Tenho certeza que foi num abraço a um bebê que chorava que eu engravidei espiritualmente da minha filha, que hoje tem 23 anos.
 
Minha gestação foi de repouso absoluto, pude ler muito sobre questões quânticas e holísticas e sobre a natureza. Apesar de estar de cama e com toda estrutura para me sentir bem, tinha episódios de muito medo. O meu médico me receitava um calmante, eu dormia e acordava nova, mas isso me incomodava. Até que conheci uma médica que receitou florais e, de forma sutil, não precisei mais tomar o tal calmante… Depois de um tempo, me dei conta da benção que foi o floral na minha vida. A minha filha nasceu muito prematura, mas muito bem. Nos 45 dias de hospital, ela só se alimentou do meu leite e foi amamentada até os dois anos. Fomos morar na casa que estávamos construindo em Itaipu e começar uma nova etapa da vida… Casa, filha, natureza em volta, tudo diferente. Fiz cursos de florais, ervas medicinais, aromaterapia, me senti tão agraciada pelo florais que pensei em ser terapeuta, mas o momento foi me apresentando novos formatos.
 
Como essa vivência está relacionada à compostagem?
 
Eu queria cuidar do gramado da nova casa para minha filha brincar sem adubação química convencional. Orientada por um paisagista ecológico comprei 60 sacos de húmus de minhoca (tipo de adubo), mas fiquei pensando no gasto ao longo dos anos. Até que vi numa matéria uma experiência com compostagem num condomínio vertical em São Paulo, amei a ideia e fiz uma bem parecida em casa. Depois veio a questão ambiental. Queria que o local onde eu morava permanecesse arborizado, então comecei a fazer mudas de árvores no terreno ao lado e logo levei a ideia para o condomínio. Criamos um espaço de compostagem e viveiro de mudas numa área comum e mais tarde uma horta coletiva e um minhocário coletivo.
 
Como o seu hobby foi se tornando um trabalho?
 
Fui indo para além de muros e iniciei um trabalho de proteção ambiental, de 2007 a 2016, coordenando o trabalho da ONG Amadarcy, para obter proteção legal à Reserva Ecológica Darcy Ribeiro, que é a área limítrofe com meu condomínio. Hoje a área é protegida por lei. Em 2013, decidi fazer uma pós-graduação em Gestão e Sustentabilidade na FGV e comecei a trabalhar minha atuação dentro do Sistema Vigente. Em 2016, criei a empresa “Canteiro Urbano” nos moldes de sustentabilidade, com gestão de resíduos, e responsabilidade socioambiental. Foi um grande desafio, criei um produto que não existia no mercado, me esborrachei de trabalhar, mas aprendi muito. Logo depois surgiu a composteira Humi (composteira doméstica) e comecei então a praticar o que realmente gosto, um mundo com menos resíduos, comida no quintal, alimentação saudável, e muitas outras pérolas foram chegando. A questão de gerar impactos positivos com relação a resíduos está no meu DNA. Sempre levo esta ideia para onde estou em minhas rotinas. No tempo em que me dedicava à ONG Amadarcy promovia trabalhos no Rio Jacaré, que tem suas nascentes na área da reserva e deságua na Lagoa de Piratininga. Agora levo essas iniciativas para meu grupo de nado no Mar, com a BFSwin, em Camboinhas. As pessoas olham para mim e esperam este comportamento.
 
Você criou o Canteiro Urbano, projeto que alia o conceito de saúde, integrando alimentação e estilo de vida, transmitindo conhecimento e produtos sustentáveis. Como nasceu a empresa e qual sua importância para o meio ambiente?
 
O Canteiro Urbano nasceu da vontade de levar para o Sistema Vigente o trabalho que eu acreditava e praticava. Ser útil ao sistema atuando com meus dons e talentos, num negócio que acredito ser bom para mim, para os envolvidos, e bom também para o meio ambiente. Desenvolvi rótulo e embalagem sustentáveis, atuando feliz como um agente ambiental, que conscientiza e desperta valores, não vende só serviços e produtos, vende ideias, encantamento e possibilidades. O desafio é fazer estas ideias maravilhosas serem economicamente sustentáveis, pois tem que haver coerência no que se faz, fala e prática, mas sou aprendiz e gosto do novo. E aí veio a pandemia…. tudo que estávamos construído teve que ser repensado, e mais uma vez a vida apontando caminhos… Nos últimos tempos a demanda de reinventar o negócio e a vida como um todo foi grande, e a carga de trabalho home e house office foi extrema, estou quase tomando a decisão de focar os negócios na compostagem e afins.
 
De que forma seria a mudança?
 
Hoje estou num momento de tomada de decisões e a um passo de me dedicar exclusivamente à compostagem urbana. Já tenho um trabalho bem registrado em vídeos e estou organizando material para levar esta possibilidade a condomínios verticais e horizontais. O foco é levar a possibilidade da compostagem doméstica urbana às pessoas para que esta seja uma solução aos grandes geradores no âmbito coletivo. E que se fortaleça também de forma descentralizada, ou seja, que cada um cuide de seu resíduo orgânico. Aproximadamente 50% dos resíduos gerados são orgânicos, um número bem expressivo e que nos dá a dimensão do trabalho que temos a encarar.
No Canteiro Urbano, o objetivo é conscientizar e despertar ideias. Foto: Divulgação
A compostagem funciona também como um reciclagem do lixo orgânico, uma vez que é utilizado como adubo. Como vê a importância da compostagem para o meio ambiente?
 
A compostagem e a conscientização da responsabilidade sobre os resíduos são fundamentais. Já imaginou um mundo com Aterro Sanitário pequenininho? Que coisa linda… estamos evoluindo, vamos chegar lá. Se falamos em responsabilidade, falamos em mudança de valores, comportamento e estar aberto à novos hábitos, novas rotinas. Observo que estamos evoluindo como sociedade, a vida, a pandemia, a mídia, os formadores de opinião, o mundo digital, eu, você. Estamos todos atuando em cadeia, com sincronicidade. É maravilhoso observar isto. Compostar é fácil, mas costumo dizer que Composteira não é Lixeira. Vou me ater ao universo da compostagem doméstica, mas temos possibilidades bem legais para compostar resíduos de grandes geradores, como supermercados, feiras livres, restaurantes, hospitais, cemitérios, etc… Há dois anos venho desenvolvendo materiais para motivar e capacitar pessoas a darem seus primeiros passos na compostagem.
São muitos os ganhos ambientais e em qualidade de vida, ganhos econômicos também são expressivos. Imagine aterros sanitários de dimensão mínima, menos logística e deslocamento viário para levar os resíduos das fontes geradoras para as transformadoras. Imagine a Agricultura Urbana em praças, escolas, igrejas, hospitais, condomínios, um alimento produzido local. Imagine a geração de novos empregos para esta nova visão dos resíduos orgânicos, pessoas felizes promovendo em suas casas um Círculo Virtuoso para os alimentos, empresários felizes atuando como agentes ambientais junto aos seus colaboradores e seus públicos. Viver neste padrão de qualidade me move.
 
Há uma ideia de que a compostagem precisa de um espaço grande como um quintal ou um campo para ser realizado. É possível fazer a compostagem em qualquer lugar? Como?
 
O trabalho que me move hoje é exatamente construir um novo conceito para a compostagem e traduzir a prática para um formato urbano, possibilitando ser realizado em apartamentos e casas. Há anos já temos as composteiras convencionais de caixas que atendem, mas não são bonitas e não acrescentam comodidades ao processo. Há dois anos temos a Composteira Humi da Morada da Floresta, nossa parceira e fonte de inspiração. Ela foi projetada para encantar as pessoas com a compostagem e pode ser instalada em espaço indoor, ou seja, também para apartamentos. É feita de plástico especial, tem rodinhas para facilitar a limpeza do ambiente, garras para apoiar a tampa e caimento para o biofertilizante ser retirado com facilidade. Nosso lema é “Composteira Humi Cabe em Qualquer Cantinho”. Precisa apenas de um espaço com 78 cm altura/42 cm largura/60cm profundidade.
 
Já instalamos em pequenos banheiros de serviço, cantinhos de varanda, cantinhos de áreas de serviços, a maior parte em apartamentos bem pequenos. O universo da compostagem é diverso, se você mora num apartamento a Humi atende e é ótima solução para os resíduos orgânicos da cozinha. Temos também experimentos mais abrangentes que solicitam espaço, como compostagem de folhas de varrição e podas de jardim ou de fezes de cachorro. Vale tudo, até pizza e resto de churrasco. Se você tiver espaço e vontade, podemos desenvolver um viver urbano e lixo orgânico mínimo, mas se não tem, já pode fazer um ótimo direcionamento dos resíduos da cozinha e dar um UP no jardim comestível ou hortinha gourmet. A compostagem gera húmus de minhoca e um biofertilizante poderoso.
 
Qual o cenário da compostagem em Niterói? Há muitos projetos na cidade?
 
Tenho como referência alguns trabalhos que desenvolvi antes deste momento com o Canteiro Urbano. Realizei a compostagem de varrição de folhas/Horta/minhocário no condomínio Vale de Itaipu, compostagem de resíduos da Cozinha/Horta Escolar da Casa Maria de Magdala e a compostagem de resíduos orgânicos de Supermercados/horta com os índios Guaranis em Camboinhas. Deste tempo para cá, muito tem se somado e o tema compostagem vem ganhando holofote. Tenho conhecimento de projetos de compostagem municipal para grandes geradores de resíduos e o tema sendo incluído nas pautas do Município e na busca de soluções para a questão. Muitas escolas, inclusive municipais, me convidam para apresentar esta possibilidade aos alunos e professores e muitas escolas particulares já tem a composteira Humi. Alguns condomínios verticais também já tem a composteira na área comum e estamos começando um trabalho informativo e educativo para motivar os moradores a darem seus passos na compostagem, mas há também uma demanda para empresas, já temos alguns projetos em andamento. Realizamos Oficinas de Compostagem mensais no nosso Ateliê de Compostagem e a procura foi bem bacana, paramos por conta do afastamento social, mas estamos formatando material on-line para suprir, além do que já temos disponível no nosso Youtube e Instagram. Acredito que parte da solução para os resíduos orgânicos deve se dar de forma descentralizada e o poder público deve oferecer a possibilidade do direcionamento da compostagem seletiva em escala para grandes geradores.
 
Como vê a adoção da compostagem como política pública em prol do meio ambiente? Há um espaço aberto em Niterói para isso? Quais projetos já foram realizados na cidade?
 
Vejo com muito otimismo, a compostagem já vem sendo incluída em projetos municipais, mas há um gap entre os projetos e a implementação dos mesmos, por este motivo tenho trabalhado a questão na iniciativa privada. Ainda não temos leis específicas para regulamentar a compostagem, mas estamos no caminho. Tenho sido procurada por alguns candidatos a vereador que estão muito interessados em conhecer o processo. Temos estados como Santa Catarina e São Paulo que já têm legislações privilegiando e facilitado projetos de compostagem. Como iniciativa particular tenho mais liberdade de fazer e acontecer no meu tempo e da melhor forma que posso ser útil, mas sei que as coisas estão mudando, temos pessoas verdadeiramente empenhadas e comprometidas com o bem comum e que estão atuando no poder público. Os ganhos ambientais ainda precisam ser mais mensurados, gerar indicadores. O meu trabalho da pós-graduação foi exatamente propor soluções para os resíduos orgânicos do município. Identifiquei muitos números e indicadores. Tem muito a ser realizado, percebo uma abertura muito grande para transformarmos o cenário dos resíduos orgânicos no município. Como ações municipais temos o Horto de Itaipu e a Secretaria de Conservação (Seconser) com compostagem de podas e folhas, a Clin que também tem um trabalho de compostagem e produção de mudas. E tem projetos futuros, mas que ainda não está implementado. Não sei como estão estas propostas com o momento pandemia, pois não estou envolvida nestas iniciativas.

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