19 de março

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Niterói menos verde: moradores criticam o corte de árvores, em tempo de calor recorde

Por Filipe Bias
| aseguirniteroi@gmail.com

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A cidade, que já registrou recordes de temperatura no Brasil, enfrenta manejo inadequado de árvores , segundo especialistas
Av. Almirante Ary Parreiras, março de 2025. Foto: Filipe Bias
Cadê a árvore que estava aqui? Remoção de árvores dia 14 de março na Av. Ary Parreiras, em Icaraí. Foto: Filipe Bias.

Em 2023, Niterói recebeu o selo “Cidade Amiga das Árvores”, concedido pela Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) às cidades que se destacam em ações ambientais e projetos voltados à arborização. No entanto, moradores e especialistas questionam se a cidade realmente merece esse título. O desmatamento, as podas irregulares e a falta de planejamento para a reposição da vegetação vêm comprometendo a qualidade ambiental e elevando as temperaturas da cidade. Niterói foi a cidade mais quente do Brasil por duas ocasiões em 2025.

A Queda da Cobertura Verde

Fotos recentes e imagens de satélite mostram uma redução significativa da cobertura arbórea em diversas ruas de Niterói. O declínio não é novidade, há anos, moradores denunciam cortes indiscriminados de árvores. Um dos espaços mais ativos nessa luta é o grupo do Facebook “Salvem as Árvores de Niterói”, que conta com quase 3 mil membros mobilizados contra o desmatamento urbano.

Praça da Cantareira, outubro de 2021. Foto: Google Maps
Praça da Cantareira, agosto 2024. Foto: Google Maps.
Av. da Ciclovia Chico Xavier – Lagoa de Piratininga, maio de 2021. Foto: Google Maps
Av. da Ciclovia Chico Xavier – Lagoa de Piratininga, agosto de 2024. Foto: Google Maps
Av. Almirante Ary Parreiras – Icaraí, agosto de 2024. Foto: Google Maps
Av. Almirante Ary Parreiras – Icaraí, 14 de março de 2025. Foto: Filipe Bias

Celia Fortes, uma das fundadoras do grupo, relembra que a ideia surgiu a partir de conversas sobre podas abusivas na Avenida Presidente Roosevelt, em São Francisco, e em outros pontos da cidade. “Tirava fotos e postava. Depois, fui ao Ministério Público e entrei com um processo”, conta. A iniciativa resultou em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a prefeitura e a antiga concessionária de energia, Ampla. No entanto, os problemas continuam. “A Enel (atual empresa de energia da cidade) agora faz podas de emergência nos fins de semana e feriados. Daí, não respeita o TAC e não há um técnico acompanhando as podas”, denuncia Celia.

O impacto dessas ações é visível em bairros como o Centro, que passa por um processo de revitalização. O projeto inclui um plano de arborização, mas a população questiona sua efetividade. “Faltam muitas árvores, especialmente nas obras do Centro”, lamenta Celia.

Podas mal-executadas e suas consequências

O Biólogo, Bernardo Guerreiro alerta para as práticas inadequadas das empresas de energia ao realizar podas para liberar a rede elétrica. “A poda deles é muito ruim porque só tiram os ramos que estão encostando nos fios e deixam os ramos externos sem manejo”, explica. Segundo ele, essa técnica leva a um crescimento da árvore desequilibrado, aumentando o risco de quedas durante temporais por conta do peso maior em um lado da árvore.

No dia 10 de março, a prefeitura de Niterói multou a Enel em R$ 225.910,44 por poda danosa em 18 “indivíduos arbóreos em área pública”. O local da infração foi na rua Desembargador Athaíde Parreiras, no bairro de Fátima. Não foi a primeira vez: prefeitura e a concessionária não se entendem e já tentaram até criar uma força tarefa para coordenar as ações. A multa foi aplicada pela secretaria municipal de Meio Ambiente, Recursos Hídricos e Sustentabilidade.

Outro problema apontado por Guerreiro é a falta de técnica no momento do corte. “Eles deixam podas que não cicatrizam direito. Quando isso acontece, a madeira apodrece, e os cupins entram, consumindo a árvore de dentro para fora”, afirma. O resultado pode ser a queda repentina de árvores aparentemente saudáveis, representando perigo para a população. Essa técnica para o corte de árvores faz parte de um manual técnico para corte de árvores presente em várias cidades do Brasil, mas ainda inexistente em Niterói.

Podagem realizada dia 16 de fevereiro, na Rua Miguel de Frias, em Icaraí. Foto: Filipe Bias.

João Vitor Mendes, graduando em Engenharia Ambiental e morador de Pé Pequeno, publicou um artigo científico pela UFRJ analisando as questões ambientais de Niterói. Ele critica a abordagem da prefeitura em relação à arborização, destacando que “antigamente, acreditava-se que bastava plantar mudas e sementes para que a natureza fizesse o resto, transformando-as em árvores e, futuramente, em florestas, mas isso não é verdade”. Segundo ele, diversos fatores podem impedir o crescimento dessas árvores, já que “o ecossistema precisa de parceria e inter-relações, ou seja, as espécies devem estar juntas para prosperar”, explica.

Replantio de mudas isoladas após obras no Centro. Foto: João Vitor Mendes.

Mendes também aponta que a prefeitura encara a arborização de forma meramente paisagística, sem considerar aspectos essenciais como a qualidade do solo e a biodiversidade. “Se você protege o solo, mantém a serapilheira e incentiva a presença de micro, meso e macrofauna para ajudar na ciclagem dos nutrientes, o resultado é um ecossistema equilibrado. Mas, quando a arborização é vista apenas como algo estético, um impacto ambiental positivo se torna muito limitado”, argumenta.

Além disso, ele alerta para a falsa sensação de progresso ambiental que gramados e canteiros bem cuidados podem transmitir. “Eles são bonitos, mas, na prática, funcionam como um grande deserto verde, sem diversidade de fauna e flora”, conclui.

Árvores e prédios

A prefeitura de Niterói tem destacado que o plantio de árvores faz parte da estratégia da cidade para enfrentar as emergências climáticas. A vice-prefeita e secretária do Clima disse em entrevista ao A Seguir que metade do território da cidade é área de preservação e que o município investe no plantio de árvores. A informação é facilmente comprovada, diante das mudas nos canteiros de São Francisco e Charitas e na Orla de Piratininga. Mas a observação dos biólogos também é pertinente: com a seca, muitas das mudas recém-plantadas já morreram.

Para a arquiteta e urbanista Louise Lomardo, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), os problemas são maiores. Ela critica o favorecimento de empresas e comerciantes em detrimento da preservação arbórea. “A prefeitura atende a pedidos de empresas que lançam edifícios e comércios que querem sua fachada mais visível. Muitas vezes, as árvores são cortadas sem justificativa plausível, apenas para atender interesses de pessoas influentes na cidade”, denuncia Lomardo.

Ela também questiona as razões frequentemente apresentadas para a remoção das árvores. “A prefeitura sempre diz que a árvore estava doente, com cupins, ou que era uma amendoeira”, ironiza. Para ela, essa última justificativa é especialmente preocupante: “As amendoeiras são enormes, oferecem sombra e ajudam a combater o calor excessivo, além de absorver CO2 e reduzir as emissões de carbono. É essencial mantermos árvores de grande porte na cidade, ainda mais sob o contexto de aquecimento global que estamos inseridos”.

O “Lixo Verde” e o Ouro Perdido

O descarte inadequado dos resíduos das podas também é um problema. Guerreiro destaca que, em uma cidade arborizada como Niterói, o volume desse material é significativo. Quando despejado em aterros sanitários, como o de Seropédica, para onde vai a maior parte do lixo de Niterói, contribui para a emissão de metano, um dos principais gases do efeito estufa. “Para utilizar esses resíduos como adubo, é necessário processá-los. O material triturado, chamado maravalha, é excelente para cobertura do solo”, explica.

Além disso, ele poderia ser utilizado para projetos de reflorestamento ou como fonte de energia, representando uma oportunidade econômica e ambiental para a cidade. Algumas cidades brasileiras, como Teresópolis, já implementaram programas de compostagem para transformar resíduos de poda em adubo orgânico, mas Niterói ainda não dispõe de um sistema eficiente para esse tipo de reaproveitamento, que poderia até significar um ganho econômico para a cidade.

Ilhas de Calor e a Perda de Qualidade de Vida

A redução da cobertura arbórea tem consequências diretas para o clima urbano. “O impacto mais imediato é a formação de ilhas de calor”, explica Guerreiro. Segundo ele, sem árvores, o solo de concreto e asfalto absorve mais calor, elevando as temperaturas. Isso afeta diretamente a qualidade de vida dos moradores, especialmente os mais vulneráveis.

Travessa Filgueiras, no Fonseca, agosto de 2018. Foto: Google Maps
Travessa Filgueiras, no Fonseca, março de 2025. Foto: Filipe Bias

Além do calor intenso, a perda de árvores compromete a biodiversidade e prejudica a saúde da população. Com isso, Guerreiro faz um alerta: “A redução da umidade, somada ao acúmulo de partículas no ar, é um prato cheio para doenças respiratórias”.

Niterói pode ter recebido o título de “Cidade Amiga das Árvores”, mas, para estudiosos do assunto e alguns moradores, a realidade é bem diferente. Sem mudanças efetivas na gestão da arborização urbana, a cidade seguirá perdendo sua cobertura verde e ganhando em calor e problemas ambientais.

 

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