5 de junho

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‘Niterói é original, só precisa lembrar que não é o Rio’, diz professor que escreveu biografia da cidade

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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Autor do livro “As seis vidas de Niterói: uma biografia”, o professor da UFRJ Victor Andrade de Melo busca compreender as identidades assumidas pela cidade
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Niterói: relação de troca com o Rio, “cidade muito grande simbolicamente”. Foto: arquivo A Seguir Niterói

Em um relacionamento – seja sentimental ou profissional – se uma das partes acha a outra grande demais, como esse “menor” mantém sua identidade? Imaginando que essas “partes” são as cidades de Niterói e Rio de Janeiro, como é possível para a Cidade Sorriso manter sua identidade diante da Cidade Maravilhosa?

A pergunta pode parecer estranha ou mesma complexa, mas, para Victor Andrade de Melo, professor de didática da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a resposta é muito simples:

O professor trocou o Rio, sua cidade natal, por Niterói, para morar. Foto: arquivo pessoal

– Niterói é original, só precisa ser cada vez mais Niterói – disse ele, um carioca que trocou o Rio por Niterói, cidade onde vive há cinco anos.

Melo é autor do livro “As seis vidas de Niterói: uma biografia” (Sophia Editora), que está prestes a ser lançado dos dois lados da Baia de Guanabara: 26 de junho, na Biblioteca Central da UFF, no Gragoatá, e 1 de julho, na livraria Folha Seca, no Centro do Rio.

Será seu terceiro livro sobre a cidade que escolheu para viver. Os outros são “A vida esportiva de Niterói (séc. XIX–1919)” e “A Sevilha Fluminense”, sobre as touradas que eram realizadas na cidade.

Com a nova obra, Melo pretende compreender como diversas circunstâncias produziram identidades diferentes para Niterói. Sim, identidades, no plural. Afinal, não é a toda hora que uma localidade perde seu status de Capital – e Niterói passou por isso duas vezes.

– Existe uma experiência comum nas cidades da entrada da Baia de Guanabara, no caso, Rio e Niterói. Niterói desenvolveu identidade própria com elementos compartilhados pelo Rio, não submissa ao Rio. Niterói tem uma relação de troca com o Rio, que é uma cidade muito grande simbolicamente – o Rio é uma cidade do mundo. Então, Niterói busca reafirmar constantemente sua identidade como um desejo de lembrar, a todo momento, que não é o Rio – afirmou o professor.

Confira a entrevista

Quais são as seis vidas de Niterói ou seriam as seis identidades da cidade?

Victor Andrade de Melo: Busquei contar a história de Niterói a partir de seis momentos, que representam seis identidades: O aldeamento e a Banda d’Além (1573–1819); A vila e a cidade (1819–1893); A Cidade Invicta (1893–1931); A Cidade Sorriso (1931–1975);  A cidade em crise (1975–1989) e A cidade em disputa (desde 1989).

Então, vamos conhecer cada uma dessas identidades.

VAM: O primeiro momento desmistifica a figura de Arariboia, cacique convertido em símbolo municipal, sem ignorar as contradições do aldeamento imposto pela Coroa. No segundo, temos a vila, que vira cidade, que vira capital da província em depois, do estado do Rio de Janeiro. É quando se revelam histórias como a da pesca de baleias na Ponta da Armação, atual Ponta d’Areia — um Brasil profundo que sobrevive em traços e nomes de bairros. Essa fase termina com a Revolta da Armada.

Livro será lançado em Niterói e no Rio. Foto: Divulgação

E vem a primeira perda de status da cidade.

VAM: Sim. Com o fim da Revolta Armada, a então Cidade Invicta estava destruída. Por conta disso, a capital do estado do Rio de Janeiro é transferida para Petrópolis. Porém, antes disso, já havia um movimento para tirar a capital de Niterói. Itaboraí e Campos sempre contestaram esse status de Niterói. Nessa época, Niterói também perdeu territórios que passaram a constituir o município de São Gonçalo. Desses territórios, fazia parte Itaipu, que só voltou a pertencer a Niterói em 1943.

Como Niterói passa a ser a Cidade Sorriso ?

VAM: Esse terceiro momento mostra o movimento de recuperação da cidade, que voltou a ser capital em 1903, o que gerou um movimento de recuperação. Houve grande modernização da cena pública. Foi a época em que foi construída a Praça da República; feito o aterro de São Lourenço e a construção do porto. As pessoas não se dão conta de que grande parte de Niterói foi construída sobre lamaçais e o mar que foram aterrados. A volta da Capital gerou um momento de euforia, um otimismo vigoroso, fazendo a passagem da identidade da Cidade Invicta para a Cidade Sorriso.

Quem cunhou essa expressão Cidade Sorriso?

VAM: O Brasil já teve várias Cidades Sorrisos como, por exemplo, Porto Alegre e Curitiba. Mas isso colou, em Niterói. O início do apelido foi com um bordão na Rádio Fluminense que começou a chamar Niterói de Cidade Sorriso. Imagino que tenha sido uma resposta à Cidade Maravilhosa. O tema pegou porque era um momento de muita euforia. Foi a época, por exemplo, da “descoberta” da exuberância de Icaraí, a praia que se tornaria valorizada, em um período em que a Baía de Guanabara era mais limpa. Essa quarta vida foi a da consolidação da imagem de Capital. Apesar de, no final dos anos 60, a cidade começar a viver crises. Isso porque Niterói tinha atraído muita gente de fora e passou a ter dificuldade para lidar com seus problemas, que acabaram aumentando.

E vem um novo baque e o sorriso fica amarelo, não é?

VAM: Sim. Outra vez, Niterói perde a condição de Capital com a fusão. É bom lembrar que esse período marca também a inauguração da ponte Rio-Niterói. Por isso, percebo que a identidade dessa época é a de uma cidade em crise. E em sua fase mais recente, desde 1989, Niterói surge como uma cidade em disputa, cujo marketing de qualidade de vida convive com desigualdades e tensões urbanas.

Com tantas identidades, Niterói está precisando de terapia?

VAM: Niterói não precisa fazer terapia quando se olha pelo tamanho que tem; de ser uma cidade de 400 mil pessoas. Mas vai precisar de muita terapia se só quiser parecer maior do que é. Temos que nos assumir como cidade de médio porte que somos, onde estamos sempre esbarrando com um conhecido na rua, onde as relações comunitárias podem ser mais fortalecidas. Niterói tem um equipamento urbano que poucas cidades com 400 mil habitantes têm. São muitos museus, orquestras, a UFF que é um marco, boas escolas, uma vida cultural como poucas cidades têm. E ainda, por conta da proximidade, pode usufruir das boas coisas do Rio. Em resumo, Niterói é uma cidade bem resolvida quando está no seu tamanho não quando se compara ao Rio que tem 5 milhões de habitantes.

Acredita que a cidade está sempre em luta para manter a sua identidade?

VAM: Identidade é um discurso que se manifesta em artefatos simbólicos como bandeiras e hinos. O samba é uma identidade do Rio como o forró é para a Paraíba. Quando, por exemplo, Niterói briga para que um salgado de padaria se chame italiano e não aceita o nome que esse salgado tem no Rio (joelho) isso faz parte dessa disputa identitária. Mas não investiguei porque Niterói resolveu batizar o salgado como o nome de italiano (risos). Niterói buscou a sua construção identitária tendo sempre esse gigante que é o Rio. Mas as duas cidades compartilham várias coisas como o jeito de falar (a pesar de algumas peculiaridades de cada uma delas) e a forma de se portar na cena pública. Fato é que não é possível contar a história de Niterói sem o Rio e vice e verso.

O que o levou a se mudar do Rio para Niterói?

VAM: Eu namorei uma moça de Niterói, então, já conhecia e gostava da cidade. Na época da pandemia, eu morava no Catete e decidi me mudar para Camboinhas. Estávamos naquele confinamento e busquei um lugar onde não tivesse muita gente. Nunca mais voltei para o Rio. Me apaixonei por Niterói, mas confesso que sou bígamo porque continuo apaixonado pelo Rio. Porém, me assumo, atualmente, como niteroiense.

Vale fazer comparações entre as duas cidades?

VAM: As comparações só servem se resultarem em políticas públicas que melhorem as deficiências. Acho que rola uma admiração mútua entre Niterói e Rio. É mais uma questão de diálogo do que de disputa. Niterói tem problemas, claro, mas tem menos violência e até uma estrutura urbana mais organizada do que o Rio. Tem desigualdades. Quando entra a especulação imobiliária desenfreada, aí é caso da cidade fazer terapia (risos). Me preocupa o movimento de especulação imobiliária. Será que Niterói tem condições de absorver tudo isso que está sendo erguido. Niterói tem 55% da sua área preservada, mas está cuidando bem disso? Ainda assim, é uma alegria viver em uma cidade que tem sempre tanta coisa para se fazer em termos culturais. Morar em Niterói é um privilégio, mas não se trata de fechar os olhos para seus problemas.

Acha que Niterói conseguiu superar o trauma da fusão ou ainda é caso de terapia?

VAM: A fusão prejudicou tanto Niterói quanto o Rio. Niterói não perdeu só a condição de Capital, mas muitos postos de trabalho. E o Rio virou capital do estado quando nem se via como estado. Sempre se identificou como cidade autônoma. As duas cidades viveram o caos com a fusão, mas as duas se reposicionaram. Niterói se reorganizou e, agora, não tem mais medo de ser engolida pelo Rio. Não por acaso, as duas cidades, agora, conseguem trabalhar em conjunto.

 

 

 

 

 

 

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